Pela postagem (aqui) de outro poeta, o campista Artur Gomes, na democracia irrefreável das redes sociais, soube que morreu o maranhense Ferreira Gullar. Tinha 86 anos e estava internado, desde sábado, no hospital Copa D’Or, em Copacabana, no Rio. Desde a morte de Manoel de Barros (1916/2014), era tido como maior poeta brasileiro vivo.
Considerado brilhante na teoria literária, como era na produção de Literatura, é autor de necessário ensaio sobre o poeta paraibano Augusto dos Anjos (1884/1914), a quem apontou como precursor do Modernismo na poesia brasileira. Comunista de formação, chegou a ser preso e exilado na Ditadura Militar no Brasil (1964/85). Tornou-se nos últimos anos crítico do lulopetismo, posição assumida com contundência em seus artigos semanais na Folha de São Paulo.
Depois de iniciar sua produção literária, ainda no Maranhão natal, como poeta parnasiano, aderiu de cabeça ao Modernismo, que demorou a chegar nas fronteiras entre o Nordente e o Norte do país. Um dos fundadores do Neoconcretismo, depois o abandonaria, dando como explicação a ressalva que fez a João Cabral de Melo Neto (1920/99), inspirador involuntário do movimento: “Cabral, concreto é você!”
Logo assim que soube da morte de Gullar, fui às minhas prateleiras desarrumadas de livros, em encontro marcado com seu “Toda Poesia”, da editora José Olympio. É que, nessas coincidências que não há, ontem à noite, sem motivo aparente, tinha detido os olhos justamente sobre a lombada do seu livro, enquanto passava pelo corredor.
Após abrir e folhear um pouco a obra, me deparei com um poema do livro “Barulhos”, reunindo a produção poética de Ferreira entre 1980 e 87, que reproduzo abaixo, no eco dessa “dissipação às gargalhadas” de “uma fogueira de um metro e setenta de altura”:
Detrás do rosto
do que sou
ou o que sou não cabe
no que consigo ser
e apenas arde
detrás desta máscara morena
que já foi rosto de menino.
Conduzo
sob minha pele
uma fogueira de um metro e setenta de altura.
Não quero assustar ninguém.
Mas se todos se escondem no sorriso
na palavra medida
devo dizer
que o poeta gullar é uma criança
que não consegue morrer
e que pode
a qualquer momento
desintegrar-se em soluços.
que estou cheio de flor e passarinho
que nada
do que amei na vida se acabou:
e mal consigo andar
tanto isso pesa.
comporta
um simples roçar de mãos?
ou o doce penetrar
na mulher amorosa?
Só disponho de meu corpo
para operar o milagre
esse milagre
que a vida traz
e záz
dissipa às gargalhadas.
Maravilha Aluysio
eu sempre vi Ferreira Gullar como um dos maiores
da nossa poesia. Considero Poema Sujo um marco
poema para estar em qualquer antologia da poesia universal.
❤️