Comecemos pelo fim. Há tempos sabemos do fim dos tempos, da finitude das coisas, da vida que desaparece, do nosso corpo que morre e se desfaz. Tem gente que evita pensar nesse assunto. Os fins justificam o fim. Para mim, o que mais causa espanto não é ficar inseguro pela minha morte certeira, mas se vão me matar sem direito à defesa, sem assistência médica e com a indiferença das leis do país. A paralisação por reajuste salarial dos policiais militares do estado vizinho Espírito Santo (reivindicação justa, mas atitude incorreta) demonstrou o quão vulneráveis estamos diante de governos falidos e desmoralizados que também cometem crimes, não conseguem impedir a insubordinação da PM, a delinquência de bandidos, o vandalismo e a violência generalizada que explodiu nas ruas. A população está refém e acuada dentro de casa, impedida de transitar devido ao medo e o risco de sofrer algum atentado. Estamos em guerra e ninguém confirma?
Em poucos dias, uma matança pelas cidades capixabas foiregistrada. A falta de policiamento teria colaborado para a barbárie. Até agora não sei quem são todos esses mortos que abarrotam os departamentos do IML de lá, se são criminosos em batalha de facções, vítimas de assalto ou de balas perdidas. O terror se espalhou e o medo aprisionou boa parte das pessoas que não se sentem seguras para trabalhar, estudar, ir ao médico, fazer compras no supermercado, aproveitar a praia. A onda de saques às lojas e nos comércios de algumas cidades confirmou o DNA genuinamente brasileiro do crime e da corrupção que possuímos. Fica difícil cobrar lisura e honra de políticos e magistrados quando não temos entre nós. Não se trata de boa educação ou alta escolaridade, é falta de caráter mesmo, coisas de Macunaíma.
Correram boatos que os policiais do Rio de Janeiro e de outros estados da federação também estariam paralisando suas atividades, reivindicando aumento de salário e melhores condições de trabalho. Vi muita gente lotando os supermercados de Campos para compra e estoque de comida e produtos de higiene, temendo passar pelo mesmo que os capixabas têm vivenciado. Vai que o mundo acaba justamente no fim de semana e a dispensa está vazia! Complicado. Pânico e fome apavoram.
O motim dos policiais capixabas me fez rever o quão reféns estamos de um Estado que não consegue esconder sua incompetência e fragilidade. Há saída? Esqueçamos o aeroporto com destino aos Estados Unidos e Europa. Cada unidade da federação do Brasil enfrenta problemas semelhantes como queda da arrecadação, folha de pagamento inchada e sem estrutura para manter serviços básicos como o funcionamento adequado de escolas, universidades, postos de saúde e hospitais, além da segurança pública. Neste caso, o Espírito Santo pode ter sido o estopim de uma bomba com chances de detonar mais explosivos para o resto do país.
Os motins em diversos presídios brasileiros, desde o início do ano já nos apontaram mais uma vez a falência do sistema carcerário e as diversas falhas da Justiça que não julga quem precisa de sentença e não solta os que já cumpriram pena. Se as polícias subordinadas aos governos não enfrentam o crime organizado como deveriam (não têm infraestrutura e verbas, dizem), com quem mais poderemos contar? Ajuda divina é sempre bem-vinda, já que com os governantes corremos risco de morte. Não sei por quê me veio à mente agora aquela música que a Gal Costa gravou“Onde está o dinheiro? O gato comeu. O gato comeu e ninguém viu, o gato fugiu. O seu paradeiro está no estrangeiro onde está o dinheiro”.
Dizem que todo pessimista é um idiota. Falam o mesmo daquele otimista em tempo integral. A respeito do Brasil idiota que tem um bando de raposas tomando conta do galinheiro do Planalto, onde um presidente experiente na política, membro de um partido experiente e fisiologista que manda no Brasil há décadas, onde Alexandre de Moraes é indicado para o Supremo Tribunal Federal, Moreira Franco vira ministro para ter foro privilegiado, e Edison Lobão vira presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, o que é mais idiota: ser pessimista ou otimista?
Enquanto a Polícia Militar do Rio de Janeiro não faz motim e não joga uma pá de cal na moral do governador Luiz Fernando Pezão e do vice Francisco Dornelles, o TRE já começou a cassar seus mandatos. Ambos foram condenados por oferecer vantagens a empresas emtroca de doações para a última campanha eleitoral, a habitual propina que entope Curitiba de processos na Lava-Jato. Novas eleições no Rio de Janeiro? Faz-me rir. Esta história de cassar mandatos que cabem recursos no Tribunal Superior Eleitoral e depois no Supremo Tribunal Federal me dão sono e coceira. Perdi a conta de quantas vezes a ex-prefeita Rosinha Garotinho foi afastada do cargo por condenação do TRE, mas que retornou às funções depois de liminares e recursos nas instâncias superiores. Dizem que essas ações custam uma fortuna.Há uma usina invisível que mói condenações de crimes políticos. Os advogados celebram esse tipo de causa para defender, pois parece bem lucrativa. Até o Diabo fica constrangido.
Pode ser que o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal estejam fazendo menos vista grossa para o que acontece de suspeito ou de errado no Executivo e no Legislativo. Na disputa entre os três poderes, a imprensa (o quarto poder) tenta ter voz e direcionamento, e a população (a quintessência do poder) que deveria ser a voz soberana sobre todos nas decisões em favor de um país digno e decente, fica rouca, paralisada e atônita aqui ou ali. Seja acuada dentro de casa, seja saqueando lojas, ou representada por um grupo seleto de mulheres na porta dos batalhões policiais.
Enquanto o fim não nos elimina e não nos cassa de uma vez por todas, pego a minha velha bicicleta e passeio à noite pelas ruas planas de minha cidade amada que só aparenta ser calma, já que experimenta e pratica a violência consideravelmente. Não há momento melhor para sentir a brisa noturna sobre duas rodas. Quando pedalo, eu penso, reflito, medito ou não penso em nada, esvazio a cabeça atribulada. Em resposta à jornalista e professora Talita Barros que questionou em sua rede social sobre a suposta morte da democracia brasileira diante dos recentes acontecimentos políticos que nos assombram, eu disse que a democracia brasileira não morreu porqueainda não nasceu. Está sendo gerada há 517 anos (e não sei quando dará à luz). Para Talita, o país viveu lampejos de democracia nestes últimos anos, talvez. Para mim, o Brasil é puro lampejo.
Campos dos Goytacazes, 29/06/2018