George Gomes Coutinho — Governo Diniz

 

No sentido de equilibrar, entre teoria acadêmica e prática política, a análise dos 100 primeiros dias do governo Rafael Diniz (PPS), foi pedido que falasse pela primeira o George Gomes Coutinho, sociólogo, cientista político e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Na matéria publicada (aqui) na edição de ontem da Folha, entre os ex-prefeitos de Campos e ex-candidatos a prefeito que disputaram a eleição vencida por Rafael, foram também ouvidos Rockfeller de Lima, Geraldo Pudim, Nelson Nahim, Rogério Matoso, Roberto Henriques, Nildo Cardoso e Sérgio Mendes.

Como referência de tamanho, foi estabelecido a cada uma das fontes um depoimento entre oito a 10 linhas de word. Entre todos, o que mais passou disso foi justamente o George, que teve trechos da sua análise pinçados na abertura e fechamento da matéria, inciada na teoria, engordada na prática, antes de ser finalizada no retorno ao campo teórico. Ainda assim, boa parte do que disse o professor da UFF acabou fora da reportagem.

Não por outro motivo, segue abaixo a você, leitor, a íntegra do que disse o George sobre os 100 primeiros dias do novo governo de Campos dos Goytacazes:

 

Página 5 da edição de ontem (09) da Folha

 

Governo Diniz

 

O marco de 100 dias de governo é dotado de relevância simbólica. Contudo, justamente pelo mandato ser de 04 anos, ou 1460 dias aproximadamente, qualquer pretensão de análise definitiva é simplesmente um exercício de arrogância analítica. Nada mais do que isso.

Feita esta advertência, em 100 dias do governo Diniz irei me propor a discutir de maneira quase ensaística a partir de dois elementos: 1) a carta de intenções do Governo, o documento base do “Programa de Governo” que funcionou como diretriz para as promessas de campanha da então chapa em disputa; 2) o ainda modesto conjunto de ações concretas adotadas, o que inclui a composição do staff e medidas efetivas.

O documento “Programa de Governo”, composto de 26 páginas na versão que tive acesso, é audacioso. O mesmo é dividido em 15 áreas temáticas, onde há um breve diagnóstico sobre cada uma delas, o que inclui educação, saúde e cultura por exemplo. Destes diagnósticos apresentam-se propostas de medidas específicas para cadaárea temática em particular. Contudo, nota-se no documento que quase não aparecem dados concretos que possam conferir maior solidez aos diagnósticos em praticamente nenhuma das áreas temáticas destacadas pelo documento. Decerto não é pecado mortal. Falamos de um texto base. Mas, dada a fartura de dados disponíveis de diversas agências e órgãos, trabalhar sem dados na formulação e implementação de políticas públicas seria arriscado e voluntarista, algo que não vislumbro acontecer nestes 100 dias de governo “pra valer”. Igualmente torço para que não ocorra nos próximos anos, para o bem da própria cidade.

Para além das 15 áreas temáticas citadas no “Programa”, noto que há uma grande meta da então chapa Rafael Diniz/ Conceição Santana a enfeixar todas elas: nada menos que implementar um “novo modo de governar”, o que não é pouca coisa se pensarmos na prolongada forma de gerir a máquina pública desde Anthony Garotinho e continuadores. Como práticas centrais o documento defende medidas de ampliação da transparência, responsabilização dos gestores da máquina pública municipal e a ampliação da participação social.

No âmbito “participação social” o Programa reconhece, de maneira acertada, a importância estratégica dos Conselhos Municipais como instâncias deliberativas fundamentais se o objetivo é ter uma gestão efetivamente participativa. Também defende o Orçamento Participativo como prática a ser efetivamente adotada no município, o que pode redundar, em essência, no necessário aprendizado do “empoderamento” das populações onde esta forma de governar é implementada. Em outro campo, especialmente o da Educação, o documento defende as eleições diretas para a direção das escolas municipais. Esta medida, em minha perspectiva, não deve ser considerada “menor” ante um Programa de Governo que tem a ambição de ser participativo. Afinal, aprendizados democráticos precisam acontecer em todas as escalas para se tornarem consolidadas.

Portanto, para além do discurso “moralizante” que angariou a adesão do eleitorado, algo que ocorreu não somente em Campos mas em muitas das grandes cidades brasileiras, o Governo Diniz apresentou uma carta de intenções ambiciosa e com tonalidades progressistas. Todavia, nestes 100 dias o real e o imaginado, como quase sempre ocorre, entraram em conflito. Não se trata de um conflito fatal para um Governo em fase inicial que ainda carece de consolidação. Contudo, acende pelo menos um alerta amarelo para todos e todas que reconhecem os desafios históricos de uma cidade como Campos dos Goytacazes.

Diante do exposto, cabe observarmos a estrutura deixada como legado por Rosinha Garotinho. Não tenho dados neste tocante, apenas ouço apontamentos generalistas que indicariam um orçamento combalido e problemas administrativos severos. Nesta direção inclusive o prefeito veio a público apresentar esta dificuldade inicial que sugere semanas de “arrumação de casa” como diria o jargão. Também compreendi que está sendo feito um levantamento meticuloso da situação financeira e administrativa do poder municipal. Mas, já há algum detalhamento substantivo dos possíveis problemas e prejuízos? Serão apresentados ao público? De que maneira? Todas estas perguntas ajudariam a dissipar certa opacidade inicial nestes 100 dias que incomodam parcela da população neste momento. Cabe lembrarmos que o atual governo foi o vencedor da disputa eleitoral em primeiro turno, um cenário improvável para muitos analistas profissionais ou não. Em virtude deste resultado a hipertrofia de expectativas pode redundar na impaciência de um eleitorado ávido por mudanças de curtíssimo prazo.

Para além disso, como costumo frisar, governos não são de Marte e a sociedade civil não é de Vênus. Classe política e cidadãos, quer os últimos gostem ou não, são provenientes de uma mesma Campos e a Câmara de Vereadores e o staff administrativo, o que contempla todos os escalões de governo, irão representar de forma mais ou menos fiel a própria sociedade. Neste sentido o governo Diniz não consegue escapar das contradições campistas em sua composição social. De um lado há a novidade do ingresso de quadros de alta qualificação no alto escalão do governo, algo que reflete de forma cabal o maior pólo universitário do interior fluminense. Por outro lado no mesmo alto escalão, inclusive pela pressão da política cotidiana e varejista, há egressos da “velha política” que transcendem até mesmo os Garotinho. Velhos e novos mundos em uma mesma constelação.

Não nos cabe aqui discutir os problemas cotidianos causados pela “pequena política”, esta que necessita da barganha como prática. Mas, a presença de quadros da “velha política” campista ocasiona constrangimentos a um projeto que pretende implementar um “novo modo de governar” certamente.

Prosseguindo, noto que há iniciativas e esboços, pelo que pude observar de maneira assistemática no próprio website da prefeitura, que indicam a tentativa de aproximação das intenções progressistas do “Programa de Governo” com ações práticas. Especialmente me parece promissor o tratamento para a questão étnico-racial até o presente momento. Igualmente o saneamento de programas sociais em uma sociedade desigual como Campos é uma medida fundamental, desde que não redunde na satanização deste tipo de política e tampouco na paralisia dos programas.

Finalizando, recordo um adágio utilizado por ninguém menos que Sérgio Diniz em várias ocasiões ao discutir a política local. Diniz, o pai, dizia dos quadros locais: “tudo vinagre da mesma pipa”. Até o momento não me parece que Rafael, seu filho, o seja. De todo modo, terá aí mais ou menos 1300 dias para mostrar que não é. O caminho para tal envolve o enfrentamento corajoso e decisivo das contradições, lógicas e práticas da própria sociedade que o elegeu.

 

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Este post tem um comentário

  1. Conceição

    Preocupada com essas atitudes do prefeito!!! Momento tenso… Vamos aguardar!!

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