Desmonte da Uenf — Qual será a sua opção?

 

 

 

Por Aluysio Abreu Barbosa

 

No Brasil polarizado desde as eleições presidenciais de 2014, divisão recrudescida a partir do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016, com o debate diariamente esgarçado pela esquizofrenia a puxar as pontas opostas da mesma corda, difícil achar uma causa comum. Pelo menos para Campos, Norte e Noroeste Fluminense, a defesa da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) surge como raro exemplo daquilo que ainda é capaz de unir. Afinal, a despeito de quaisquer outras diferenças, não há dúvida de que o desenvolvimento enquanto sociedade passa, prioritariamente, pela oferta da educação pública de qualidade.

Quer se tenha ou não votado em Luiz Fernando Pezão (PMDB) em 2016, é impossível não se revoltar diante ao desmonte da Uenf promovido pelo governo eleito naquele pleito. Especificamente em relação ao povo de Campos, talvez fosse bom ressaltar que, no segundo turno da eleição a governador, Pezão ganhou em nada menos do que cinco das sete Zonas Eleitorais do município — a despeito do seu adversário, Marcelo Crivella (PRB), ter recebido o apoio incondicional do campista Anthony Garotinho (PR).

Muito além dos votos dados a Pezão, ou a qualquer outro político, a defesa da Uenf tem que ser assumida pelos méritos da própria universidade. Como seu reitor, Luís Passoni, destacou em artigo nesta mesma página de opinião da Folha da Manhã, publicado em 28 de março último: “Apesar das dificuldades, apesar de estarmos há 18 meses sem repasses de verbas de manutenção, apesar dos salários atrasados, mais uma vez a Uenf desponta entre as melhores do Brasil, segunda melhor no Estado do Rio de Janeiro, décima terceira em todo Brasil. Já fomos a melhor do Estado e 11ª do Brasil”. O ranking mencionado é o Índice Geral de Cursos (IGC) do ministério da Educação (MEC).

As ressalvas de Passoni talvez sejam até sutis para se dimensionar o quadro dantesco que se abateu sobre a Uenf, com a explosão da crise financeira do Estado do Rio. Após quase duas décadas sob a gestão do mesmo grupo político — que chegou ao poder com Garotinho, em 1999, e se fragmentou após a ascensão do seu então aliado Sérgio Cabral, em 2007 — o saldo é que Pezão, ex-colaborador de ambos, hoje deve o pagamento de 13º, salários de março e, daqui a alguns dias, de abril, aos 950 funcionários da Uenf (310 professores e 640 servidores técnicos e administrativos). Isso sem contar o atraso de dois meses aos alunos bolsistas, mais um ano e meio sem repasse de verbas de manutenção e custeio, no valor de R$ 2 milhões/mês, às instalações que abrigam 6,2 mil universitários.

Como reflexo direto dessa crise talvez sem precedentes em território fluminense, e seus reflexos diretos sobre a Uenf, a primeira vítima foi justamente sua batedora de vanguarda. No último dia 18, sem energia elétrica, água ou internet, a Villa Maria, Casa de Cultura da universidade, fechou suas portas.

No dia seguinte, a coluna “Ponto Final” contou (aqui) um pouco da história da Villa. Palacete construído em 1919, pelo arquiteto italiano José Benevento, foi um presente do engenheiro e usineiro Atilano Chrysóstomo de Oliveira à sua esposa, Dona Maria Queiroz de Oliveira. Mais conhecida como Finazinha, por ter nascido no Dia de Finados, e pela promoção de atividades culturais, ela doou a própria residência, em testamento, para ser a sede da futura universidade que viesse a ser instalada no Norte Fluminense. Como a Uenf só seria inaugarada em 1993, foi desejo antecipado à realidade em quase um quarto de século.

Abandonada com a morte de Finazinha, em 1970, o suntuoso prédio da rua da Baronesa da Lagoa Dourada seria reformado nove anos depois, no governo municipal do arquiteto Raul Linhares, passando a ser a sede da Prefeitura de Campos também nas gestões seguintes de Wilson Paes, Zezé Barbosa e Anthony Garotinho. Após a instalação da Uenf, num projeto pessoal do antropólogo Darcy Ribeiro concebido no governo estadual Leonel Brizola, a Villa Maria passaria a abrigar a Casa de Cultura da universidade.

Como sede da Prefeitura ou Casa de Cultura da Uenf, o fato é que, entre 1979 e 2017, foram quase 40 anos da Villa Maria aberta diariamente, antes de fecharem suas portas na última terça. Amanhã (24), há a perspectiva de que técnicos da universidade e da Enel estejam no local, tentando viabilizar uma solução. Entretanto, a dívida da Villa com a concessionária de energia elétrica gira em torno dos R$ 50 mil. Da Planície ao Planalto, há também a expectativa de que a ajuda federal ao Estado do Rio, no valor de R$ 1,5 bilhão, cujos destaques foram votados a aprovados na Câmara Federal no último dia 19, sejam apreciados o quanto antes no Senado.

Na sexta (22), em artigo publicado (aqui) no blog “Opiniões”, hospedado na Folha Online, a presidente da Aduenf, professora Luciane Silva, escreveu: “Manter a Uenf aberta é uma forma de resistência e acima de tudo uma aposta de que o futuro de Campos pode ser muito mais luminoso. Mais humano e justo. E essa defesa deve acontecer em nossa prática cotidiana, na ampliação da luta por uma educação feita de curiosidade, emancipação, crítica. Esta foi a universidade sonhada por Darcy e abraçada pelo Norte Fluminense”.

Nas duas semanas seguintes, a partir de amanhã (23), outros colaboradores do “Opiniões” estarão emitindo as suas diariamente, sobre o mesmo tema capital a Campos e região. Afinal, quem vivendo por aqui, mesmo sem nunca passar pelas salas de aula da Uenf, já não testemunhou o crescimento pessoal de um parente, amigo ou colega de trabalho depois de fazê-lo?

Emérito aforista, é de Darcy o dito: “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.

E você, leitor? Qual será a sua opção?

 

Publicado hoje (23) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 6 comentários

  1. sonia

    É difícil falar em poucas palavras a importância da UENF! Pesquisas muito relevantes em várias áreas, professores que são referência mundial, jovens que conseguem mudar sua realidade socioeconômica estudando, movimenta o comércio, o mercado imobiliário etc etc etc
    Não podemos nos calar !!!!

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Cara Sonia,

      Fato: a realidade de Campos e região não pode prescindir da Uenf. Se, como vc bem frisou, ninguém pode se calar diante disso, o blog se orgulha pela função do eco.

      Abç e grato pela chance da concordância!

      Aluysio

  2. Gildo Henrique

    Tristeza. Revolta. Grito.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Gildo,

      Fazendo minhas as suas palavras, resta transformar essa revolta em ação e dar eco a esse grito.

      Abç e grato pela chance do endosso!

      Aluysio

  3. cesar peixoto

    Darci Ribeiro nao so deixou um legado,muitos politicos deveriam seguir o exemplo do mestre

  4. Sandra Maria Teixeira dos Santos

    Apaixonada sou por este grande homem e suas ideias maravilhosas .Não podemos deixar que elas morram .

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