Fronteira
Na sala de espera do Centro de Doença
de Alzheimer e Parkinson estavamos eu,
José, de 58 anos, vítima de esquizofrenia
e distúrbios neurológicos; dona Olivia, 75 anos,
parksoniana e Pedro, 48 anos, refém do Alzheimer.
Sabíamos um do outro, mas não nos olhávamos,
como se fôssemos irmãos de uma seita secreta,
o silêncio e o alheamento era nosso código
de comunicação. Não havia o que falar.
Palavras são lâminas, por natureza,
se não, domadas.
O olhar comum de desassossego era uma carta náutica
para velhos marinheiros do mar alto,
que pouco se viam, mas que se reconheciam no
vastíssimo oceano da dor.
Nossos acompanhantes tricotavam experiências
e as últimas cenas da novela da 9h.
Alguns de nós, acompanhados, sabíamos de nossa
condição de fronteiriços,
tínhamos um pé na lucidez e o outro
no território do delírio.
O coração se aventurava em acrobacias
nos abismos, independente de nosso pânico.
De repente, uma réstia de sol
atravessou o vidro da janela
e acendeu a esperança que guardamos
escondida.
José, dona Olívia, Pedro e eu
rimos, cúmplices, ninguém mais percebeu.
A vida, por um momento, desabrochou exuberante e sã
naquela burocrática sala de espera.
É assim que, em nós, de vez em quando, independente
da hora e do lugar,
irrompe no maciço da escuridão a improvável
flor da manhã.
(FLF)
Uma pérola sua poesia, profunda e leve por colocar em pauta assunto tão dorido e pesado, mas com a leveza da sensibilidade do poeta, que vê além das aparências. Carinho é isso que vc transmite no poema, pq toca com respeito o mundo confuso desses errantes. Seu amor pulsa no texto, deixando transparentes coração e alma. Anjo com asas de poemas é o que vc é, Fernando.
Armonia obrigado por comentário tão generoso. Afetuoso abraço.