Ontem, quatro representantes da academia local foram ouvidos por mim e o jornalista Aldir Sales. A pauta foi repercutir um dado interessante (aqui) da pesquisa Datafolha, feita entre 27 e 28 de novembro, à corrida presidencial de 2018: 6% dos que manifestaram intenção de voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disseram que, se ele fosse impedido de concorrer pela Justiça, votariam no deputado federal Jair Bolsonaro (PSC); enquanto 13% dos que declararam voto neste a presidente, disseram que votariam em Lula, caso Bolsonaro saísse do páreo.
Em Campos ideológicos aparentemente opostos, Lula e Bolsonaro lideram a corrida, segundo a consulta Datafolha. E a comunhão de parte do eleitorado por ambos, numa aparente contradição, foi analisada pelo cientista político Hamilton Garcia de Lima, da Uenf; pelo sociólogo George Gomes Coutinho, da UFF; além dos historiadores Aristides Soffiati, também da UFF, e Guiomar Valdez, do IFF.
Quem quiser ler a versão da matéria publicada hoje na Folha, pode conferir aqui. Mas como, por questão de espaço, os depoimentos dos quatro professores tiveram que ser editados, para ter acesso à integra das suas análises sobre o fenômeno chamado de “Bolsolula” ou “Lulanaro”, é só conferir abaixo:
Hamilton Garcia de Lima, cientista político — O eleitorado está em busca de soluções para os problemas que se tornaram agudos depois de mais de uma década de omissão do poder público, em meio à euforia do último ciclo de expansão comercial, e da crise ético-político-econômica que vieram em sua esteira. Os candidatos com propostas claras e diretas, em torno dos temas objeto de preocupação do eleitorado, tendem a prevalecer num cenário de desolação e indignação com partidos desacreditados e lideranças titubeantes ou desmoralizadas. No caso de Lula, embora seja um político profissional com vários processos e uma condenação judicial por corrupção, ele se comporta como o lutador de uma causa que consiste em levar prosperidade ao lares dos brasileiros mais humildes. O que, num país com os dados alarmantes de desigualdade, tem um enorme apelo eleitoral, até porque esse tipo de eleitor se fixa na pessoa do candidato e não em grupamentos políticos e, para eles, a crise está associada à Dilma, não a Lula. Não é por outro motivo que o petista começa a atacar a gestão da colega fracassada, embora jogando a culpa da crise atual no Governo Temer. É desse modo que ele se torna atraente até mesmo para eleitores do seu arquirrival ideológico: Bolsonaro.O eleitorado está em busca de soluções para os problemas que se tornaram agudos depois de mais de uma década de omissão do poder público, em meio à euforia do último ciclo de expansão comercial, e da crise ético-político-econômica que vieram em sua esteira. Os candidatos com propostas claras e diretas, em torno dos temas objeto de preocupação do eleitorado, tendem a prevalecer num cenário de desolação e indignação com partidos desacreditados e lideranças titubeantes ou desmoralizadas. No caso de Lula, embora seja um político profissional com vários processos e uma condenação judicial por corrupção, ele se comporta como o lutador de uma causa que consiste em levar prosperidade ao lares dos brasileiros mais humildes, o que, num país com os dados alarmantes de desigualdade, tem um enorme apelo eleitoral, até porque esse tipo de eleitor se fixa na pessoa do candidato e não em grupamentos políticos e, para eles, a crise está associada à Dilma, não a Lula. Não é por outro motivo que o petista começa a atacar a gestão da colega fracassada, embora jogando a culpa da crise atual no Governo Temer. É desse modo que ele se torna atraente até mesmo para eleitores do seu arquirrival ideológico: Bolsonaro.
George Gomes Coutinho, sociólogo — O fenômeno migratório de votos Lula/Bolsonaro ou Bolsonaro/Lula deve ser compreendido utilizando o background de nossa conjuntura social contemporânea. De outra maneira torna-se simplesmente “irracional” para o analista. O que eu compreendo é que há uma profunda e ainda dispersa insatisfação na nossa sociedade contemporânea com perspectivas “mercadocêntricas”. Há um mal-estar inegável como o nosso atual status quo. Estas perspectivas pró-mercado são as defendidas pelos agentes de mercado e seus porta-vozes e obviamente não representam a totalidade dos anseios políticos dos brasileiros. Neste sentido, tanto Lula quanto Bolsonaro, por estranho que possa soar, são historicamente críticos de um laissez faire mais radical e ambos são identificados com uma postura mais intervencionista estatal. Mesmo que ambos, Lula e Bolsonaro, tenham feito vários acenos generosos ao mercado em diversas ocasiões, sendo este movimento realizado por Bolsonaro de forma mais recente. O que importa na fotografia proposta pela última pesquisa do Datafolha é a “memória” do eleitor, como ele identifica e interpreta determinada figura pública. Arrisco dizer que para parte do eleitorado ambos os presidenciáveis representam a negação ao status quo, a despeito de suas inegáveis e profundas diferenças nas posturas, adesões e proposições políticas. Por isso a migração da intenção de votos entre um e outro é viável para parte de seus eleitores.
Aristides Soffiati, historiador — O quadro que a pesquisa Datafolha mostra, nessa migração de elitores entre Lula e Bolsonaro, revela a despolitização das pessoas. A definição desses votos, sobretudo nas classes mais baixas, não passa pela questão ideológica. Essa coisa de ideologia é mais para os intelectuais. A população é pragmática. Não acho que isso seja bom, mas não sei como alterar. Os índios, antes da chegada do europeu à América, não tinham leis, mas obedeciam a uma maneira de se comportar. Nós nos dizemos uma democracia, uma república, mas precisamos de leis, desobedecidas principalmente pelas camadas mais altas da sociedade. Quanto mais leis, e nós temos muitas, cada vez mais o comportamento real parece se afastar delas.
Guiomar Valdez, historiadora — O fenômeno “Bolsolula” ou “Lulanaro” identificado na pesquisa Datafolha, de fato, desafia as análises políticas. Penso que seja um quadro resultante da profunda despolitização e abafamento dos movimentos sociais e no esgarçamento de suas lideranças ao longo dos últimos 15 anos em regime democrático e aprofundada pela crise econômica-social. Um possível desdobramento é o pragmatismo de parte razoável de eleitores, ou seja, o candidato que inspirar resolver problemas que assolam o seu dia-a-dia na mesa e na mente, apontar uma saída plausível, terá o seu voto. É o improvável que se apresenta possível por esta pesquisa. Aguardemos!