Há algum tempo entrou na agenda das ‘pessoas urbanas’ a preocupação ou a busca por uma alimentação mais saudável – o que? qual? como? de onde vem? -, e, por aí vai. Uma das palavras mais conhecidas, assimiladas e divulgadas, é ‘orgânico’ – popularmente conhecido como ‘alimento orgânico’, foi o resultado dessa busca. Cultivado na própria casa ou no próprio sítio; cultivado em pequenas propriedades; entregue na própria residência ou comprado nas diversas feirinhas das praças, em lojas especializadas e já presente em setores específicos dos grandes supermercados; programas e/ou projetos de Prefeituras pelo país vem adotando (lentamente, é claro) para a alimentação escolar, os frutos da ‘produção orgânica’. Não há dúvida de que este assunto está na ordem do dia!
Não há dúvidas de que o consumo deste tipo de alimento vem crescendo, mesmo ainda restrito a uma pequena parcela da população. De onde veio a motivação para escrever, mesmo que brevemente, sobre este tema? Mais uma vez é por causa da História! Sabendo da origem e dos atores sociais que fazem crescer atualmente este tipo de produção – na agricultura familiar, me surpreendi nesta semana com uma nova propaganda na televisão, aquela do agronegócio, aquela que lançou a campanha – “AGRO: A INDÚSTRIA-RIQUEZA DO BRASIL” / ‘AGRO É TECH, AGRO É POP’ (por sinal, muito bem-feita), que incorporou agora a ‘produção orgânica’ em seu conteúdo. Primeira pergunta que me veio – como assim? Preciso de alguma resposta, já que, em tese, até então, a relação agronegócio e ‘produção orgânica’ parecia improvável.
Por que? Ora, porque devemos lembrar que os problemas na produção agrícola na história do sistema capitalista remontam ao século XIX, incluindo aí os desafios para a alimentação de seres humanos. No pós-II Guerra em diante, o fantasma da fome mundial já era colocado como fato concreto, justificado logo em ‘primeira mão’ como sendo culpa da elevada reprodução humana, daí as políticas de retenção da natalidade, muitas vezes explicadas e concretizadas de maneira desumana. Culpando a miséria e a ignorância dos países pobres, por exemplo, porque sua população tinha muitos filhos – uma versão nova (neo) do malthusianismo. A década de 1970 seria a década prevista para a catástrofe da fome mundial, mas, também, a partir dela, sairia a busca de soluções teórico-práticas e políticas.
O modelo de produção da ‘REVOLUÇÃO VERDE’ (moderno) com seus incrementos tecnológicos, aumenta a produtividade de alimentos e a reduz os seus preços, maximizando os lucros desse negócio, princípios norteadores e objetivos que sustentam este tipo ‘novo’ de agricultura. Para isso foi necessário um ‘pacote tecnológico’ uniforme para todos os lugares do mundo, com cultivo intensivo do solo, com a monocultura, com a aplicação intensiva de fertilizantes, com controle químico de pragas e doenças, com a manipulação genética de plantas, através de suas sementes, etc, etc. Sua sustentação filosófica, aproxima-se do ‘Atomismo’, do ‘Positivismo’, do ‘Mecanicismo’, que defendem que as partes dentro de um sistema podem ser entendidas pelo estudo das mesmas em si, sem precisar de nenhuma correlação entre elas; o sistema seria apenas a SOMA DAS PARTES envolvidas, suas relações, se existirem, são fixas e não mudam.
Neste mesmo contexto as críticas a este modelo se instalam, apresentando ao mundo aspectos negativos, já conhecidos por muitos de nós, como a degradação do solo, o desperdício e o uso exagerado de água, a poluição do ambiente, a perda da biodiversidade, a perda do controle local sobre a produção agrícola, a desigualdade social e econômica mundial, os conflitos éticos em relação à exaustão dos recursos naturais não-renováveis, também gerador do desequilíbrio ambiental e do descompromisso com as gerações futuras, etc.
É neste quadro (ao mesmo tempo) que vem se consolidando uma nova visão, uma nova saída prática para os desafios postos na produção de alimentos para seres humanos – a AGROECOLOGIA, contrapondo ao modelo ‘moderno’, ao ‘modelo verde’, apresentando a produção agroecológica. Um campo de estudo teórico-prático com sólida base científico-epistemológica e metodológico, que busca promover formas (no plural) de agriculturas sustentáveis, que produzam alimentos em quantidades adequadas, com elevada qualidade biológica para todos os seres humanos. É um campo transdisciplinar, que se fundamenta filosoficamente, aproximando-se do ‘Holismo’, reconhecendo a relação de interdependência e dialética entre SOCIEDADE-NATUREZA, entre os sistemas sociais e o sistema ecológico.
Por isso em seus estudos e práticas articula dialeticamente as ciências agrárias e naturais e as ciências humanas, construindo uma sinergia entre a Ciência/Tecnologia e o Saber popular integrados. São alguns aspectos da produção agroecológica: a conservação e regeneração dos recursos naturais e genéticos; manejo dos recursos produtivos – diversificação, reciclagem dos nutrientes e da matéria orgânica; atuação preferencial pela comunidade local e seus agricultores; utilização dos recursos renováveis e disponíveis no local; resgate e conservação da diversidade genética local, bem como, do seu conhecimento e cultura. Sua divulgação, expansão e experiência vem se dando através, não exclusivamente, através dos movimentos sociais do campo, com resultados positivos em seus empreendimentos, coerentes com os princípios agroecológicos.
A produção de alimentos agroecológicos chega, então, para o consumo urbano, conforme salientamos acima. Entretanto, chega conhecido como ‘orgânico’. Gerando uma confusão conceitual, entre agroecologia e agriculturas ecológicas/agriculturas alternativas, dentre elas, a agricultura orgânica, bastante difundida, voltada para nichos de mercado, que, necessariamente não utiliza os princípios da agroecologia. É necessário este discernimento, agricultura orgânica é uma coisa, agroecologia é outra. Ela não só produz ‘alimentos orgânicos’, mas expande o conhecimento para uma outra maneira de ver e atuar no mundo (local e/ou global) – esta é uma diferença fundamental!
Voltemos à propaganda que me fez escrever este artigo. O AGRONEGÓCIO é um termo que tem sua correspondência com a noção de agribusiness, criado na década de 1950 nos EUA, no âmbito das áreas de administração e marketing. O termo expressa as relações de caráter econômico – financeira, mercantil e tecnológica, entre o setor agropecuário e a esfera industrial, comercial e de serviços, traduzindo-se em verdadeiros monopólios e/ou oligopólios.
De acordo com Hélio T. Leite: “Nesta agricultura moderna o plantio é considerado uma fábrica, tem-se sua eficiência melhorada com a alteração genética; o solo é visto como um substrato pelo qual a planta está ancorada”. Dentro dessa lógica o modelo agroquímico sintético, que leva a exaustão dos recursos naturais não-renováveis e desigualdades socioeconômicas, chega ao seu ápice e o ‘verde’ vai expulsando trabalhadores e pequenos proprietários do campo, acendendo a luz ‘vermelha’ da dor social.
No Brasil o uso do termo ‘Agronegócio’ é relativamente recente. Mas, chegou forte dominando de uma só vez todas as esferas das relações econômicas, assim como, a esfera política. Ao mesmo tempo, é um modelo muito criticado, inclusive politicamente pelos movimentos sociais dos trabalhadores do campo e da cidade. Esta situação chama a atenção dos empresários associados deste negócio e vai se buscar uma comunicação mais moderna com o consumidor da cidade e do campo. Ou seja, extrapolar as críticas, conquistando a simpatia da população em geral, construindo um ‘senso-comum’. É neste contexto que surge a campanha – “AGRO: A INDÚSTRIA-RIQUEZA DO BRASIL”.
Os resultados da pesquisa encomendada ‘Plant Project-JH/B2F-Bridge Research – A percepção do campo na cidade’, apresentados em evento da área, ocorrido em São Paulo, de 6 a 8/11/2017 – ‘HSM Expo 2017’, que buscou identificar de que forma o meio urbano entende, avalia e se sente conectado ao agronegócio, foram promissores para este setor: 96% sentem orgulho; e apenas 4% disseram sentir vergonha se o Brasil assumisse internacionalmente sua vocação de país do agronegócio. Neste mesmo evento, no seu terceiro dia, houve debates sobre temas que seriam importantes como forma de conexão com o consumidor urbano, destaco um: ‘A produção de orgânicos em larga escala’.
Bingoooooo! Encontrei as primeiras explicações do meu estranhamento quanto à propaganda desta semana – ‘orgânico é tech, orgânico é pop’… Mais uma vez aprendi, no mundo social, nada é natural, tudo é histórico! As lutas de visões de mundo continuam em todas as áreas da vida social. Façamos as nossas escolhas, mas, precisamos saber que consumir alimento orgânico, não é a mesma coisa que consumir alimento agroecológico. Agora, então…