Da tragédia do teatro à da vida real, a projeção dos próximos atos

 

 

 

Tragédias

Marco da dramaturgia ocidental, em “Hamlet”, de Shakespeare, o rei Cláudio adverte sobre o protagonista da peça, de quem é tio e padrasto: “A loucura dos grandes deve ser vigiada”. Do palco elisabetano à tragédia real fluminense, o exame do Instituto Médico Legal (IML) divulgado (aqui) ontem atestou lesões em Anthony Garotinho (PR). Mas, até por impossibilidade, não as agressões que ele disse ter sofrido de um homem misterioso, numa cela de Benfica, na madrugada da última sexta (24). Nela, o ex-governador estava sozinho, numa galeria composta por outras nove celas vazias e monitorada por câmeras de vídeo que nada registraram.

 

Bicho papão?

Difícil saber se os responsáveis pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) leem Shakespeare. Mas desde sua nova “denúncia”, Garotinho foi transferido para Bangu 8, numa cela internamente monitorada 24h. Hoje, a Polícia Técnica vai periciar sua antiga cela em Benfica, da qual se recusara a sair ao banho de sol, na quinta (23), para evitar encontrar cara a cara com outro ex-governador: Sérgio Cabral (PMDB). Também hoje, Garotinho vai poder fazer o retrato falado do seu suposto agressor, descrito (aqui) pelo cineasta e jornalista Arnaldo Jabor: “o bicho papão que foi pegá-lo na cadeia com um porrete na mão”.

 

Até tu, Gilmar?

Enquanto isso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ontem determinou (aqui) que o ministro Jorge Mussi seja o relator dos casos da operação “Caixa d’Água”, derivada das delações da Lava Jato, que gerou a prisão do casal Garotinho. Após indicação dada na segunda (27), de que o relator do caso seria o ministro Tarcisio Vieira, ex-advogado de Rosinha em sua cassação da Prefeitura de Campos de setembro de 2011, a mudança não aparenta ser favorável a quem aposta no Habeas Corpus (HC). Sobretudo quando observado que foi uma decisão do ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, que não é conhecido pelo rigor da lei com políticos presos.

 

E se?

A mudança no TSE pode não significar nada. Mas seria mais compreensível se, por exemplo, os outros cinco empreiteiros de Campos que teriam participado da reunião com Garotinho, em setembro de 2014, denunciada pelo empresário André Luiz da Silva Rodrigues, o “Deca”, resolvessem também confirmar a versão de que o ex-governador teria exigido, de cada um deles, a quantia de R$ 1 milhão para sua campanha ao Palácio Guanabara. Coincidência ou não, há quem aponte essa derrota estadual, num 2014 em que Campos teve R$ 2,5 bilhões de orçamento, como começo da sua derrocada financeira.

 

Modesto exemplo

Segundo a denúncia (por enquanto) solitária de Deca, além da “contribuição” eleitoral de 2014, a cobrança de 10% do valor de cada obra no governo Rosinha era feita aos empreiteiros que atuavam na cidade pelo policial civil aposentado Antonio Carlos Ribeiro da Silva, o “Toninho”. Também preso na última quarta-feira (22), ele é apontado como “braço armado” do suposto esquema dos Garotinho, cujo prejuízo ao município ainda não foi calculado. Como modesta referência de valores, Toninho é sócio de uma das empreiteiras que construíram a “Cidade da Criança” ao custo de R$ 17 milhões aos cofres públicos de Campos.

 

Regozijo condenável

Certo de que, num estado de direito, todos são inocentes até que se prove em contrário. Assim como, pela moral que deveria anteceder à lei, é condenável qualquer regozijo com a nota de ontem (aqui) na coluna de Ancelmo Gois, em O Globo: “Rosinha Garotinho, que divide cela com Adriana Ancelmo e outras presas, também não vem se alimentando direito. Passa parte do tempo encoberta por um lençol branco”. Mas, antes de melhorar, a pressão poderia piorar se, por exemplo, o empresário Fernando Trabach Gomes, dono “fantasma” da GAP, também resolvesse falar o que sabe, após ter voltado à cadeia (aqui) na última sexta (24).

 

Dos grandes

“Anthony Garotinho é o político mais importante da história de Campos desde o ex-presidente Nilo Peçanha (1867/1924)”. Esta foi a abertura desta coluna (aqui) em 6 de outubro de 2014, dia seguinte ao dele ter ficado no primeiro turno da eleição a governador. A mesma na qual teria gerado três anos depois sua prisão e da esposa. Ainda sem saber da denúncia, aquele “Ponto Final” indagava desde o título: “Qual o tamanho de Garotinho?”. Classificado como grande, Hamlet apenas simulava sua loucura. Ao final da peça, Shakespeare atentou à afirmação de Sêneca: “Se um homem grande cair, mesmo após a queda, ele continua grande”. Do teatro à vida real, a ver.

 

Publicado hoje (29) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 4 comentários

  1. Paulo Sá

    (Trecho excluído pela moderação)
    Afinal, Garotinho ainda tem dezenas de milhares de seguidores que lhe devem, e muito, principalmente as famílias que ganharam da prefeitura uma casa ou apartamento, gratuitamente, através do Programa Morar Feliz, implementado pelo governo Rosinha.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Paulo Sá (IP: 172.68.27.111),

      Se você é leitor deste blog e/ou acompanha há algum tempo minha atividade jornalística, deveria saber: não tenho medo de ameaças. As feitas no seu comentário, devidamente printadas e arquivadas, ficaram na moderação. Mas no caso de dúvida, por favor, seja meu convidado. E me refiro ao plano real, pois no virtual vc está a partir de agora bloqueado.

      De qualquer maneira, é por essa mesma promiscuidade com o banditismo que Garotinho e seu grupo têm sido obrigados a prestar contas com a Justiça, desde agosto de 2010, qd o ex-governador foi condenado a dois anos e meio de cadeira, pelo juízo da 4ª Vara Criminal Federal do Rio, como chefe de quadrilha armada. O caso, aliás, serviu de inspiração confessa ao diretor José Padilha, em seu filme “Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro”, feito não por coincidência naquele mesmo ano de 2010.

      O mesmo modus operandi, nesse misto indesejado entre política e banditismo, se repetiu tb na “Chequinho”. E gerou a condenação de Garotinho a 9 anos e 11 meses de cadeia, em 13 de setembro deste ano, pelo juízo da 100ª Zona Eleitoral (ZE) de Campos, por corrupção eleitoral, organização criminosa, supressão de documentos e coação de testemunhas no curso do processo. Sobre o último crime, a sentença deixou claro: “o grupo criminoso comandado pelo réu coagiu e intimidou testemunhas, inclusive com emprego de arma de fogo”.

      Se o ex-governador chegou a ser preso duas vezes, durante o processo e após a sentença da “Chequinho”, sua nova e mais recente prisão, na operação “Caixa d’Água” da última quarta-feira (22), por determinação da 98ª ZE de Campos, se deu pela prática de extorsão de cada um dos empreiteiros que atuavam no governo municipal Rosinha, novamente com emprego de arma de fogo, segundo a denúncia de (por enquanto) um deles. Pelo mesmo motivo, Rosinha desta vez tb acabou presa.

      Diferente de muitos, não comemorei a prisão do casal. E, por princípio pessoal de não gostar de bater em quem está caído, evitei o qt pude escrever sobre o assunto. Se o fiz agora, a canalhice irrelevante das suas ameaças serve para indicar que talvez devesse tê-lo feito antes. Pois quem nesta cidade ainda pretende rimar política com ameaças pessoais tem que aprender, nem que seja da pior maneira: vcs não metem medo em ninguém. Se hj geram algum sentimento, este oscila entre o desprezo e a pena.

      Por fim, é bom lembrar que o programa “Morar Feliz”, citado por vc como gd feito da gestão Rosinha, é alvo de investigação da Lava Jato. Segundo denunciaram os dois executivos da Odebrecht que assinaram os contratos com a prefeita, o casal orientou os processos para a vitória da construtora, na maior licitação pública da história de Campos, ao custo total de mais de R$ 1 bilhão dos cofres públicos do município. Em troca, em esquema mto semelhante ao revelado agora pela “Caixa d’Água”, a empreiteira fez repasses em dinheiro vivo às campanhas de Garotinho em 2010 (para deputado federal) e 2014 (governador), e de Rosinha, na sua reeleição de 2012 à Prefeitura. Como o caso ainda não foi julgado, talvez valha o conselho: cuidado com o Bretas!

      Grato pela chance da explanação!

      Aluysio

  2. ALEXSANDRO ARRUDA

    GAROTINHO NUNCA FOI GRANDE E NUNCA SERA !
    HAMLET TAMBEM FALA DE ÉTICA, FALA DE CARATER, FALA DE HONESTIDADE E FALA DE HONRA…. COISA QUE GAROTINHO NAO TEM !
    SUA OBSESSAO (SIM, ESSA É A VERDADEIRA LOUCURA DE GAROTINHO), O LEVA A FAZER COISAS COMO A QUE JA VIMOS… E SABEMOS ! MESMO QUE NUNCA PROVADO EM JUIZO, TODOS SABEM QUEM É GAROTINHO…
    ELE É LOUCO POR PODER E DINHEIRO E PONTO,… O RESTO É MIMIMI… ELE É CAPAZ DE TUDO PELO PODER ! VEJAM O QUE ACONTECE AGORA POR EXEMPLO….

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Alexsandro,

      Reafirmo o escrito em 6 de outubro de 2014, após a derrota do ex-governador, ainda no primeiro turno, em sua tentativa de retornar ao Palácio Guanabara: “Anthony Garotinho é o político mais importante da história de Campos desde o ex-presidente Nilo Peçanha (1867/1924)”. E não há nisso nenhum juízo moral, apenas histórico.

      Qt a Hamlet, sim, é verdade: ele fala na peça sobra caráter, honestidade e honra. E Shakespeare o fez com tanto brilho, que seu personagem segue até hj como o mais importante na dramaturgia do Ocidente. De qualquer maneira, como até sobre os cânones cabem questiomanentos e contraditório, indico a leitura de “Gertrudes e Cláudio”, de John Updike. Escrito sob os pontos de vista da mãe e do tio, o príncipe da Dinamarca é retratado no livro como um garoto mimado. Ou, como vc diz, chegado a um mi-mi-mi.

      Abç e grato pela chance do diálogo!

      Aluysio

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