Relendo no Blog Opiniões, alguns artigos – ‘As Redes Sociais’ (21/11) – Orávio de Campos; ‘Não posso ser perseguido como criminoso’ (25/11) – Vanessa Henriques; ‘O Direito Imoral’ (29/11) – Gustavo Alejandro Oviedo; ‘Da tragédia do teatro à da vida real, a projeção dos próximos atos’ (29/11) – Aluysio Abreu Barbosa; e, ‘Em nome da moralidade’ (30/11) – Paula Vigneron, além de aprender mais e conhecer mais os autores, compreendi outros aspectos sobre a nossa realidade local/regional e nacional. Mas, aconteceu que alimentei a ideia de falar um pouco sobre ‘crise’, porque esta perpassa em todos os textos.
Crise não é algo excepcional ao tipo de sociedade em que vivemos – desigual em sua estrutura! Ela é inerente.
Diante da crise, o tempo ‘cotidiano’ é muito pretensioso! Porque nele temos a ilusão da eternidade do presente, um verdadeiro sentimento de ‘presente contínuo’. Daí porque qualquer crise é sempre enorme para aquele que a vive. Imaginem se a ‘dor’ gerada pela crise for para a maioria das pessoas? For uma crise social, coletiva? Quantas maldições ouviremos sobre este ‘tempo’, quantas frustrações sentiremos, parece que o nosso destino foi selado, pensamos até que nunca mais seremos felizes. As pedras das ruínas do presente são difíceis de separar, especialmente quando não compreendemos que o que vai edificar mais uma saída do presente em crise, serão importantes e especiais pedras desse ‘presente contínuo’ que nos assusta tanto e que cria desesperança!
Por isso, mesmo que o ‘tempo histórico’ seja algumas vezes um ‘fardo’, é nele que busco compreender a realidade. E por falar em ‘mundo real’, o do nosso país, em especial, o seu tempo ‘cotidiano’, admito, está insuportável. Mas nós temos capacidade e potência para vivenciarmos e compreendermos este fardo contemporâneo, a partir da dimensão histórica, que exige um conhecimento mais profundo e hardware na sua aquisição ou produção, e, das ricas e profundas experiências de vida, do ‘tempo próprio e intransferível’, que cada um de nós acumulamos em nossa existência, que vem do ‘tempo passado’ através da nossa memória e marcas que ficam, que se transformam em capacidade de projetar para além do ‘presente contínuo’.
Um aspecto da crise atual, de forte densidade social e político-ideológica em nosso país, está na afirmação do espaço das teses e práticas ultraconservadoras e no amálgama da política com o moralismo fundamentalista religioso, com seus ‘atores’ institucionais ou não, vivenciando momentos de pseudo vitórias. Se atentarmos para o ‘tempo histórico’, veremos que este aspecto, está intimamente ligado a crise orgânica da política e seu desmonte, bem como, a reconhecida crise sistêmica do capital (desde a década de 1970, escancarando a partir de 2008). Quanto à economia-política, portanto, esta crise está sendo considerada por muitos sérios autores, como não mais cíclica (como pensávamos), mas contínua, universal e global, e, cada vez mais profunda, atingindo todas as dimensões da vida social e no metabolismo da natureza.
E quem obviamente perde é a nossa frágil e recente Democracia e sua maioria de cidadãs e cidadãos.
Segundo o filósofo István Mészáros (2002)**,
“Diferente das crises precedentes, a atual é universal, no sentido que atinge todas as esferas da vida; é global, no sentido que um problema num determinado ponto do mundo tem reflexos gerais; não é mais cíclica, mas contínua e cada vez mais aguda e destrutiva de direitos e da natureza. Para a manutenção deste sistema cada vez mais irracional, produziu-se paulatinamente a anulação do poder político dos Estados nacionais, transferindo o verdadeiro governo do mundo para os grandes grupos econômicos, hegemonizados pelo capital financeiro, e para os organismos internacionais que o os representam, mormente a Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial. Estrutura-se, então, um poder sem sociedade ou, como analistas têm caracterizado, um Estado de exceção permanente”.
E quem obviamente perde é a nossa frágil e recente Democracia e sua maioria de cidadãs e cidadãos. Obstaculizada na realização de Direitos Sociais/Humanos, de bens materiais e imateriais para a maioria.
Assim, passa a ter sentido a nossa ‘dor cotidiana’ diante de escândalos e escândalos, de corrupção e corrupção, de intolerância e intolerância, de violência e violências, de falsos moralismos e falsos moralismos, de trevas e trevas, de mentiras e mentiras, de alienação e alienação, que nos anestesia diante das ações concretas de antinação, antipovo e antidireito, traduzidas na flexibilização das leis e do Direito para a maioria da população. Como afirma Giorgio Agamben (2015)*: “Mas não há indício mais certo da ruína irreparável de toda a experiência ética que a confusão entre categorias ético-religiosas e conceitos jurídicos, que chegou hoje ao paroxismo”.
Por onde olhamos, por onde participamos, por onde até nos esquivamos, ela, a crise está aí.
Ao retomar a leitura dos artigos do Blog, percebemos o quanto os autores exemplificavam esta crise sem precedentes: o Orávio ao afirmar – “Podemos, também, correr o risco, no caso de uma possível falha do sistema, de construirmos o futuro com as perspectivas sombrias de um apagão virtual. E aí teremos, por força das circunstâncias, de reconstruir as memórias apagadas pelo artificialismo”, nos aponta aspectos da crise no ‘mundo cibernético’; Vanessa nos indica a crise na Arte, ao comentar – “Agora, legitimando a pressão conservadora capitaneada pelo Movimento Brasil Livre que enxergou pedofilia numa performance que continha nudez, mas nudez destituída de caráter erótico ou sexual…”; Ao afirmar – “Também hoje, Garotinho vai poder fazer o retrato falado do seu suposto agressor, descrito pelo cineasta e jornalista Arnaldo Jabor: “o bicho papão que foi pegá-lo na cadeia com um porrete na mão”, Aluysio nos exemplifica a crise na política, tristemente enquanto farsa; Gustavo levanta a crise no Direito ou jurídico-política, ao comentar – “São leis que, apesar de ter uma justificativa altruísta, ajudam a manter o status quo de desigualdade, ineficiência, marginalidade e atraso”; e, ao comentar – “[…] os conflitos entre pessoas com diferentes posicionamentos ideológicos têm tomado proporções acima das aceitáveis para um país democrático no qual deveria prevalecer o debate em vez de gritos desencontrados”, Paula aborda e exemplifica o retorno, de não muito longe, da censura e da intolerância diante da diferença e divergência.
Imprescindível este trabalho jornalístico plural, de percepção e de interpretação do real concreto. Ele ‘encara’ o tempo presente, sem medo de decifrá-lo, conforme Édipo diante da esfinge…Ele nos faz desprender da miséria do ‘tempo contínuo’ para ver além da noite, que parece eterna.
Mas, não basta só pensar a realidade, é preciso modificá-la para além de tudo que nos esmaga – só para os poucos as benesses da economia, da política, da liberdade, da cultura, da vida digna e esperançosa.
Fica, então, a sugestão de István Mészáros (2007)***, para seguirmos em frente: “O desafio do tempo histórico é aceitar o fardo da responsabilidade que dele emerge: o trabalho dedicado voltado ao assentamento dos alicerces de uma ordem social genuinamente cooperativa precisa começar no presente imediato”.
(*) Meios sem fim. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
(**) Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002.
(***) O Desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo. Boitempo, 2007.