Paula Vigneron — Retrato

 

Ruínas de Atafona, final da manhã de 06/02/18 (Foto: Aluysio Abreu Barbosa)

 

 

Olhou a fotografia. Fechou os olhos.

A tarde transcorria calma. Para um dia de festa, a casa se assemelhava a um espaço abandonado. Esquecido. Temia que as amigas da escola não fossem ao seu aniversário. No ano anterior, preferiu não festejar para não correr o risco de ficar sozinha. Mas, desta vez, seria diferente. Estava ficando uma moça. “Já vou fazer 10 anos”, exclamou quando a mãe a chamou de criança.

Será mesmo diferente desta vez? A pergunta chacoalhava a cabeça de Beatriz. Andava agoniada. Da sala para a cozinha. Da cozinha para a varanda. Da varanda para o quarto.

“Faltam duas horas para começar a sua festa. Não precisa ficar agoniada deste jeito”, repreendeu a mãe.

Sentou-se para assistir ao programa de desenhos. Não gostou. Mudou para o canal de músicas. Trocou para o de animais domésticos. Desligou a televisão.

“Mãe, as duas horas já passaram? E se ninguém vier? Vou ficar sozinha.”

“Todos virão.”

Segurava o passado em suas mãos.

Às 19h, a campainha tocou. A menina correu em direção ao portão para descobrir quem seria seu primeiro convidado. Pôs a mão no cadeado. Talvez Priscila. Enfiou a chave. Ou João. Girou-a. Não. Certamente, era Magali. A moça responsável pelos salgados sorriu para a menina.

“Você deve ser a aniversariante. Meus parabéns, criança.”

Beatriz chorou. Sentiu-se sozinha. Correu para o sofá da sala e abraçou o travesseiro. Dissera à mãe que ninguém iria comparecer à comemoração. Sentia medo desde o momento em que os primeiros detalhes começaram a ser organizados. Soluçava com o rosto coberto. Sentiu um toque diferente. Insistente. Levantou a cabeça para dizer que queria continuar sozinha e encontrou Alan, seu mais bagunceiro amigo. As lágrimas foram substituídas por sorriso, abraço e um presente que poderia esperar até mais tarde para ser revelado.

Segurou a mão do menino e o levou a um passeio pela casa. Apresentou os cômodos e, por fim, a mesa do bolo. Ambos planejaram uma guerra de doces na hora em que os convidados começassem a cantar o “parabéns para você”.

Os sorrisos eram sentidos nos toques de seus dedos.

Em minutos, a casa abrigava mais crianças do que poderia. Os pais se organizavam em conversas na área externa, atentos aos filhos. Foi colocada uma música. Meninos e meninas dançavam. Cada um com seu ritmo e sorriso, sem preocupações com as impressões que deixariam nos outros. Beatriz carregava uma alegria nunca vista antes por sua mãe, que admirava cada passo da criança.

A mesa do bolo ainda permanecia intacta. Por vezes, meninos e meninas se aproximavam para tentar pegar os doces, mas eram repreendidos por olhares dos pais. Voltavam, então, à roda formada por todos os amigos. Conversas, brincadeiras, corridas. Vozes altas e finas se atropelavam. Ao perceber o passar das horas, a mãe da aniversariante reuniu os convidados para os momentos finais da festa.

“Parabéns para você, nesta data querida…”, começaram os amigos da garota, que acompanhava as palmas com as bochechas vermelhas. Ao apagar as velas, Alan e Magaliiniciaram uma guerra de doces. Brigadeiros cremosos atingiam os cabelos de Beatriz, que revidava os ataques, entre risadas e gritos. Os pais se afastaram, aflitos, dando ordens para que a bagunça fosse encerrada. Nada adiantou.

Uma máquina fotográfica foi posicionada diante da confusão. Imediatamente, todos se arrumaram em frente à mesa para registrar o momento. Beatriz estava coberta de chocolate. Sua mãe mesclava olhares de repreensão e alegria. Mas compreendia que, neste dia, a garota estava sendo feliz. Plenamente feliz. Aquela era ela. Sempre seria ela.

Abriu os olhos e guardou sua imagem em uma gaveta da memória.

 

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