Igor Franco — Paolla Oliveira e o recalque

 

Os justiceiros sociais estão em polvorosa neste carnaval. Da prescrição sobre as fantasias permitidas para este carnaval ao manual de como realizar uma paquera, os progressistas já possuem material suficiente para escrever um novo Index Librorum Prohibitorum. Tal como as velhas freiras dos antigos internatos mediam o comprimento das saias das alunas, há sempre um bando de justiceiros sociais no corredor mais próximo munidos de suas réguas problematizadoras para avaliarem o que pode ou não ser feito/ vestido/ visto/ publicado/ curtido/ compartilhado.

Para seu azar, a atriz Paolla Oliveira foi a vítima da vez dos patrulheiros da consciência alheia. A beleza intensa da atriz só pode ser comparada à intensidade do recalque despertado após a publicação de uma foto fantasiada de índia. O furor das feministas de plantão neste Carnaval logo resultou em manchetes como “foto polêmica de Paolla Oliveira divide opiniões na internet”. Como observa o crítico cultural Alexandre Borges, toda vez que um justiceiro social menciona “divisão de opiniões”, pode acreditar que a única divisão existente é, de fato, a opinião dele versus a de qualquer outra pessoa normal. Exceto três ou quatro desocupados que incomodavam com mensagens repetidas, a esmagadora maioria dos mais de sete mil comentários da foto repetidos elogios como “linda”, “deslumbrante”. A desconexão com a realidade é traço marcante dos justiceiros sociais, que buscam moldar o mundo à sua visão — e não o contrário.

O que se tornou o progressismo nos dias de hoje — uma implacável perseguição às opiniões de quem ouse divergir do suposto consenso das almas mais elevadas da academia e da mídia — reflete um pouco a mistura louca que deu origem a esse fenômeno político-social.

Na formulação do psicólogo canadense Jordan Peterson, o progressismo é o resultado do pós-modernismo relativista com a dialética marxista salpicada de leitura foucaultiana do mundo, a partir de estruturas de poder e hierarquia. Em resumo: para o progressismo moderno, ao mesmo tempo em que é possível afirmar que não há superioridade moral da cultura ocidental (ou do “homem branco”) sobre a cultura indígena, é inegável o fato de que os indígenas foram oprimidos pelo homem branco e essa opressão permanece hoje embutida nas relações de poder estabelecidas na sociedade, sendo a “fantasia de índio” no Carnaval apenas uma das expressões dessa opressão continuada. Ao denunciar uma inocente foto do Instagram, o justiceiro social cumpriria, assim, sua missão de denunciar e fragilizar tais estruturas, contribuindo para uma rachadura a ponto de fraturar o atual sistema de poder, que ruiria, permitindo a construção de uma nova forma mais justa, que privilegiasse os antigos oprimidos.

Um observador mais atento poderia levantar uma série de questionamentos, do tipo “por que a nova estrutura seria mais justa, uma vez que o conceito de justiça precisa ter uma validade única e os relativistas discordam disso?” ou “sendo a sociedade construída sobre estruturas de poder e hierarquia, a mera inversão dos papéis não perpetuaria a lógica da opressão, desta vez com atores distintos?” ou, por fim, “sendo mulher, não seria Paolla Oliveira parte de uma minoria que deveria ser protegida e não denunciada?”. Esse tipo de contra-argumentação é pesada demais para os ouvidos dos justiceiros sociais. Convencidos que estão de sua infinita bondade em relação aos oprimidos, a racionalidade e a coerência por trás de seus atos são meros detalhes que podem ser esquecidos ou deixados de lado se a agenda de defesa das minorias puder ser cumprida.

Numa leitura menos sofisticada, segundo Mário Henrique Simonsen, um dos mais brilhantes pensadores brasileiros, por esse tipo de incoerência, “ninguém sabe o que significa (o progressismo) porque, na verdade, não significa coisa alguma além de um progressivo estado de tumulto mental”.

Eu, humildemente, ouso discordar de Simonsen e Peterson. A única leitura possível do progressismo pós-moderno é: uma reunião de gente insuportavelmente chata e ressentida, pronta para disparar sua metralhadora de frustrações sobre qualquer pessoa capaz de levar a vida como deseja — e não como eles desejam.

 

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