Intervenção federal do Rio de Janeiro
Por Rafael Crespo Machado(*)
No decorrer da semana que acaba de findar, os chefes dos Executivos Federal e Estadual Fluminense e os responsáveis pela segurança pública nos respectivos âmbitos, certamente impressionados com as imagens de notória anomia na cidade do Rio de Janeiro e adjacências durante o carnaval, entenderam que a situação posta revela singular gravidade e que o remédio a ser ministrado deve ser igualmente drástico: intervenção federal.
A intervenção federal possui assento constitucional e rege-se por três princípios basilares: excepcionalidade, temporariedade e taxatividade.
À luz da excepcionalidade, afirma-se que a regra é a não-intervenção. Isto é, devem os entes federados exercerem sua autonomia em plenitude, dispondo, assim, de capacidade de autogoverno, autoadministração e autolegislação.
Neste contexto, a intervenção deve representar o último recurso a ser manejado, devendo ser, portanto, antecedida de medidas menos restritivas.
Ainda acerca das características, frisa-se a temporariedade da medida interventiva, que, de certa forma, é uma decorrência lógica da excepcionalidade e possui significado intuitivo, qual seja, sendo a intervenção recurso excepcional, deve esta ser mantida enquanto a excepcionalidade estiver presente, e não de forma perpétua.
Sendo medida extrema e temporária, a intervenção não materializa panaceia a qual os detentores do poder podem recorrer a qualquer momento ou ao seu bel-prazer. Assim, a medida interventiva só poderá ser decretada nas hipóteses taxativamente previstas no rol do artigo 34 da Constituição Federal.
Do geral para o particular, segundo publicado pela imprensa, o atual presidente da República respaldará o decreto de intervenção no artigo 34, inciso 3º, da Constituição, que estabelece: pôr termo a grave comprometimento da ordem pública.
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que o dispositivo constitucional invocado representa, de fato, uma das hipóteses em que o presidente pode atuar de ofício. Ou seja, independentemente de provocação pelo Legislativo ou pelo Judiciário.
Além disso, pontua-se que, ao contrário de constituições passadas, que condicionavam a decretação da intervenção à existência de guerra civil, o atual texto constitucional contenta-se com o grave comprometimento da ordem pública, o qual, segundo a literatura constitucionalista, estará presente quando a situação de descontrole for notória, incontestável e as autoridades estaduais demonstrarem incapacidade de reação diante da realidade subjacente.
Como ponto ainda digno de nota, assevera-se que, decretada a intervenção, deverá o Poder Legislativo tomar ciência de tal ato e exercer verdadeiro controle político sobre a medida interventiva, podendo concordar ou discordar da medida adotada. Em caso de discordância legislativa, deverá a intervenção cessar imediatamente, sob pena de configuração de crime de responsabilidade do presidente.
Assentados todos estes pontos, cabe ainda realizar dois questionamentos: pode a intervenção federal alcançar apenas uma determinada área de atuação do ente que sofre a intervenção, como a segurança? Seria constitucional a suspensão do decreto interventivo para a aprovação de uma emenda à Constituição?
Quanto à primeira indagação, a resposta, em minha opinião, é positiva. Considerando a excepcionalidade da medida e a regra hermenêutica de que quem pode o mais, pode o menos, não haveria óbice à intervenção delimitada a um determinado setor, visto que a intervenção poderia, em tese, alcançar todos os âmbitos de atuação do ente que sofre a medida interventiva.
Em relação ao segundo questionamento, não vejo campo para tal manobra por dois motivos. O artigo 60, parágrafo 1º, da Constituição impôs uma clara limitação circunstancial à modificação do seu texto, uma vez que vedou qualquer alteração durante a vigência da intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio. Não obstante a vedação expressa, conclui-se que a modificação da Constituição no decorrer de um período de intervenção federal, mesmo que suspenso por curto período de tempo, contraria todos os valores que informam a medida interventiva, bem como o contexto histórico-social que lhe confere respaldo, qual seja, verdadeira anormalidade institucional, que não desaparece em um passe de mágica.
(*)Advogado e professor da Faculdade de Direito de Campos
Publicado hoje (18) na Folha da Manhã