Guilherme Carvalhal — O mendigo

 

 

 

Seu olhar mirou as centenas de pessoas protestando ao longo das ruas e não soube ao certo se começou o carnaval. Elas bradavam vestindo verde e amarelo e ficou em dúvidas se estaria em época de Copa do Mundo.

Um manifestante parou e lhe entregou um panfleto explicando que estavam ali nas ruas para mudar o Brasil para melhor e que gente do seu estilo em breve viveria bem, quando acabassem com a corrupção no país. Se fosse alfabetizado, leria o panfleto. Apenas o amassou e jogou no lixo.

Tentou por um momento entender aquele mundaréu de gente em clima empolgado, como se uma grande ruptura estivesse por acontecer. Lembrava de seu pai quando comprou uma TV velha e levou para seu barraco ma favela. Puxaram um gato de energia e assistiram novela. Situações bastante diferentes nas suas vidas, cada um a seu modo.

Tentando se misturar na multidão, ele ouvia gente clamando por prisão e pelo fim da corrupção. De novo lembrava, dessa vez de seu pai preso por assalto, que ficou na cadeia por três anos, saindo para morrer pouco depois da tuberculose contraída lá dentro. Enquanto isso, aquele agiota que tomou sua casa seguia livre.

Parou diante de um trio elétrico. Uma mulher de microfone na mão berrava palavras de ordem. Dizia que o povo unido recuperaria a nação. Que a junção de forças por parte da população traria de volta os bons rumos do país. Ele olhou ao redor com a nítida certeza de que não fazia parte daquele grupo. Jamais estaria unido a elas.

Deslocado, se afastou com seu passo manso. Um grupo de rapazes pediu para tirar foto dizendo que ele era o típico brasileiro por quem lutavam. Não compreendia o porquê de aparecer em uma foto com jovens tão bem vestidos. Pensou em forçar um sorriso, mas desistiu por vergonha de mostrar seus poucos dentes.

Parou em frente à vitrine da loja de eletrodomésticos onde sempre assistia uma TV ligada do mostruário. As imagens mostravam o protesto e o apresentador do telejornal comentava a extensão dele pelo Brasil. Um repórter entrevistou uma líder, aquela mulher do microfone:

— Esse é um dia histórico. Estamos limpando a corrupção do Brasil, estamos acabando com essas ratazanas e com isso temos a crença de que tudo irá melhorar.

Ele olhou ao seu redor. O mesmo esgoto fedido. Os mesmos mendigos nas ruas. As mesmas crianças cheirando cola. Os mesmos assaltantes. Os mesmos traficantes. Não sabia ao certo o que estava mudando.

 

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