Ser pobre no Brasil não é uma tarefa fácil. Além da grande chance de nascer em um ambiente moralmente e materialmente deteriorado, receber uma educação básica deplorável que, provavelmente, limitará sua capacidade de reverter a situação e ter uma chance muito maior de sofrer algum tipo de grave violência, o pobre brasileiro precisa desviar constantemente dos ataques de dois inimigos disfarçados de seus redentores: os políticos e os justiceiros sociais. Ser pobre no Brasil tornou-se ainda mais trágico este mês.
Na madrugada do primeiro dia de maio, um devastador incêndio levou ao chão o edifício Wilson Paes de Almeida, em São Paulo, onde viviam quase 180 famílias que ocupavam de modo irregular o imóvel. Teorias sobre o início do fogo ainda são controversas, enquanto cristalina é a sequência de fatos que levou centenas de pessoas a precisarem correr por suas vidas entre paredes escaldantes e obstáculos que incluíam uma porta trancada a corrente.
A mistura de inanição do poder público — que há muito sabia da total falta de condições de habitação da ocupação do Largo do Paissandu, com o oportunismo dos ditos movimentos sociais — que utilizam pessoas miseráveis como massa de manobra e fonte de recursos para seus projetos políticos de poder, explica em grande parte como a tragédia foi construída. A parte faltante envolve a própria parcela de responsabilidade individual dos que se submetem a tal situação degradante.
Logo após a tragédia, as primeiras reações também dão mostras do caráter das pessoas envolvidas: o governador de São Paulo, Márcio França, apressou-se em dizer que se tratava de responsabilidade da Prefeitura. A Prefeitura, por sua vez, divulgou informações de que havia realizado seis reuniões somente este ano para discutir a situação dos ocupantes. Guilherme Boulos, face mais conhecida da indústria criminosa de invasões de imóveis e líder do MTST, alegou que aquela ocupação não fazia parte de seu movimento — e sim de uma dissidência, o MLSM (Movimento da Luta Social por Moradia). Porém, aproveitou os holofotes da tragédia para lançar ainda mais trevas sobre o debate: segundo ele, no Brasil, 6,2 milhões de famílias sem-teto, o que resultaria em 25 milhões de pessoas, número obviamente falso.
Talvez de covardia não possa ser acusado o suposto líder do desconhecido MLSM, que veio à público confessar o crime de que “somente” se dispõe a subornar seguranças de rua para descobrir prédios abandonados para, logo depois, invadi-los. Embora o fosso dos elevadores funcionasse como fossa, tapumes e madeiras cumprissem a função de pares e água e luz fossem obtidas por ligações clandestinas — realidade, provavelmente, não muito distante das outras ocupações pela cidade, a cobrança de uma “contribuição” mensal que varia de R$ 150 a R$ 400 seria apenas para a manutenção dos edifícios. Considerando apenas as famílias do edifício que desmoronou, o faturamento do MLSM variava entre R$ 30 mil e R$ 80 mil. Estima-se haver 70 ocupações apenas na cidade de São Paulo, mostrando claramente que a exploração contínua dos pobres não é um negócio extremamente lucrativo apenas para políticos, mas também para os justiceiros sociais.
Face mais conhecida da tragédia, Ricardo Galvão, o Tatuagem, teve sua morte filmada e exibida para todo país. Ao retornar para o prédio para tentar salvar seus vizinhos, viu-se cercado pelas chamas na cobertura do prédio. Após uma tentativa fracassada de resgate por parte dos bombeiros, Ricardo morreu no desabamento.
Entre fotos de consumos de drogas, exibição das famosas tatuagens de palhaço (que possuem iconografia especial no mundo do crime) e selfies com mochilas de dinheiro vivo, o Tatuagem das redes sociais em muito diferia do rapaz humilde e trabalhador das reportagens televisivas. O verdadeiro Ricardo, mocinho ou bandido, foi tragado pelos escombros e chamas.
No Brasil, até mesmo a redenção é uma batalha perdida para muitos pobres.
Irretocável!
O texto ia bem até o “ditos” dar o tom pejorativo aos movimentos sociais. – Pena! Um simples “alguns” teria soado melhor. No final do paragrafo, a necessidade de imputar responsabilidade aos que “se submetem a tal situação degradante”, confundiu. Afinal, será que aquelas pessoas, nascidas em um ambiente moral e materialmente degradado e que receberam educação deplorável, tiveram escolhas melhores e por pura burrice resolveram se submeter àquilo? Bem, ou era isso mesmo ou o texto estava sucumbindo à parcialidade.
Daí veio o terceiro paragrafo, e nele, a repetição da narrativa do anterior. Sobre os primeiros personagens, o poder público e respectivamente o governador Márcio França, apenas o relato dos fatos. Sobre os segundos personagens, os movimentos sociais e Guilherme Boulos, o editor carregou com o que pensa de negativo sobre eles. Observado este fato, a questão não era sobre méritos ou deméritos dos personagens, mas por que só estes precisaram ser expostos. Será que não haveria o que se criticar do poder público, do governador ou do prefeito?
Há ainda, uma classificação de “trevas” sobre um dado realmente duvidoso, 6,2 milhões de sem teto, seguido de uma afirmação de falsidade irrefletida e proposital. Digo isto porque pesquisei e descobri que déficit habitacional é utilizado para se referir ao número de famílias que vivem em condições de moradia precárias. São moradias precárias aquelas em que não há paredes de alvenaria ou de madeira aparelhada, provocando desconforto e proliferação de doenças devido às condições insalubres. E também, aquelas que não possuem fins de moradia, mas acabam se tornando uma, como em baixo de pontes e viadutos, carros abandonados, barcos e cavernas. O mais engraçado disso tudo é que o cabalístico número de 6,2 milhões advém de um estudo da FIESP. (seguem links abaixo)
Apesar de tudo, daí até o final o texto continua como começou, bem.
P.S. Isto é uma crítica assim como o texto original o foi ao endereçados. Esta foi feita com respeito e entendendo que o contraditório traz benefícios aos que se dispõem com cordialidade.
https://www.infoescola.com/geografia/deficit-habitacional/
http://www.fiesp.com.br/noticias/levantamento-inedito-mostra-deficit-de-62-milhoes-de-moradias-no-brasil/