Como fazia todo o final de tarde, ela pegou sua pequena bíblia e se sentou na beira da cama. Afastou os ralos cabelos brancos dos olhos verdes. Abriu na página marcada, leu, rezou, chorou. Refletiu. Novamente, abriu uma página. Aleatória. E, mais uma vez, leu, rezou e chorou. Não mais refletiu. Eram seis da tarde, hora da Ave Maria. No embalo do sino da igrejinha, rogou que a santa lhe desse toda a bênção necessária para prosseguir. Para amanhecer de novo. Para afastar todas as sombras que se puseram em sua frente. Pediu a Maria que, como mãe, protegesse essa filha perdida.
Às seis horas e dois minutos, quando o soar do sino havia cessado, colocou a bíblia sobre a mesa ao lado da cama. Andou pelo quarto. Olhou as paredes, cheias de manchas e histórias. Pensou em Maria. “Mãe, rogai por nós. Rogai por mim.” E, em meio às súplicas, repetiu o caminho até a bíblia. Segurou. Abriu. Leu. Rezou. Chorou. Deitou. E, agarrada à fé, acreditou que amanhã seria melhor. Mas, desconfiando da fé, ela sabia que amanhã seria uma repetição de hoje, que imita o ontem, que reproduz o anteontem. Era o eterno retorno de Nietzsche. Era a reprise das piores telenovelas. Era a mesmice de sua vida.
Esta menina vai longe