A estátua inaugurada na praça despertou a atenção de todos em volta, em verdadeiro rito de contemplação de uma invenção inusual. O nível de realismo era ao mesmo tempo atraente e perturbador, remetendo a instintos muito variados da alma de cada um. O corpo da ninfa nua foi revestido em silicone e o grau de verossimilhança dava a impressão de que se tratava de um ser humano paralisado. Sua pele emanava um tom rosa vivo, como se de suas veias de fato pulsasse sangue. Os cabelos eram de uma textura nunca antes vista para uma obra de arte. Espetacular, era o comentário geral.
O tempo todo se mantinha uma multidão ao redor da estrutura montada, posta dentro de uma cápsula de vidro para preservar a imagem das intempéries e do contato do povo. O burburinho sempre se repetia, com direito a gente dignificada e indignada, louvando e xingando. Indiferente, ninguém ficava.
A polícia registrou alguns atos decorrentes da tal réplica. Alguns homens tentaram quebrar a redoma para tocá-la. Algumas mulheres incomodadas com a nudez exposta picharam nos arredores frases questionando a objetificação do corpo feminino. Inclusive foram detidos três sujeitos que se masturbaram em público, ali no meio de todo mundo, e geraram estranhamento quando alegaram um ímpeto irresistível.
Muitos consideraram que ocorria um frisson inicial, que o fato de ser novidade impelia esse entusiasmo: ou seja, logo, logo, esqueceriam. Entretanto, as semanas passaram e o público continuou intenso nas imediações. Na câmara de vereadores chegaram a cogitar a remoção da estátua para a vida voltar à normalidade, mas os ataques contra os vereadores que defenderam essa ideia foi forte e desistiram dessa proposta.
A grande mudança ocorreu com a chegada do verão. À medida em que a temperatura se elevava, a camada de silicone que imprimia vivas cores começou a derreter. Diante dos olhares impávidos se descortinou o esqueleto de bronze que proporcionava sustentação à beleza da obra, isso em um espetáculo que remetia a pesadelos de tortura e sofrimento. E todos se espantaram com a estrutura ferruginosa, deixada pelo autor para oxidar à beira-mar.
Todos então saíram incomodados e retornaram para suas casas fugindo de uma ameaça imperceptível. Pararam frente ao espelho, tocaram o próprio rosto. Aquela carapuça de carne e pele revestia algo de amorfo, constataram, e caso o seu eu interior se revelasse a todos, as reações seriam as mais negativas possíveis. E todos dormiram envergonhados após forçosamente se virem perante suas verdadeiras