Nazista 1: – O senhor também estudou Direito. Como o aplica?
Nazista 2: – Me serve para desconfiar das palavras. Uma pistola nunca é mal interpretada.
Diálogo do Filme ‘Conspiração’, de Frank Pierson.
Por 3 votos a 2, a segunda turma do STF decidiu ontem que José Dirceu pode aguardar em liberdade o julgamento do seu recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça. Dirceu foi condenado pelo TRF-4 a mais de 30 anos de prisão, por lavagem de dinheiro, organização criminosa e corrupção passiva, e esse tribunal tinha determinado o cumprimento imediato da pena, conforme permissão do Supremo Tribunal Federal.
Os ministros Toffoli, Mendes e Lewandoski — a maioria da 2ª turma — entenderam que havia ‘plausibilidade jurídica’ de que a condenação fosse revisada no Tribunal Superior, e por isso revogaram a prisão provisória, confirmando o Habeas Corpus que Toffoli tinha concedido de ofício, isto é, por própria iniciativa, sem provocação da defesa de Dirceu.
Para o leigo, tudo isto pode parecer complicado de entender. Se esse é seu caso, fique tranquilo: para quem conhece de Direito, também é confuso.
Na prática, quase todo recurso mais ou menos bem fundamentado tem ‘plausibilidade jurídica’ de ser concedido. Como também tem plausibilidade de ser negado. Para definir isso é que existe o julgamento dele, que neste caso cabe ao STJ. Quando o trio de ministros garantistas do STF diz que ‘há plausibilidade’ está fazendo um prejulgamento que não lhe compete. Estão nos lembrando, em palavras simples, ‘não gostamos da prisão a partir da segunda instância’. Essa opinião já era conhecida, pois eles, junto com o ministro Marco Aurélio, foram muito eloquentes na ocasião em que o plenário do Supremo discutiu o assunto. Mas perderam.
Afinal, se é possível adiantar a pena, ainda havendo possibilidade de recurso aos tribunais especiais, é lógico que sempre existirá a chance, por pequena que for, de modificar a condenação. No entanto se, raciocinando como os ministros fazem, a pena não deve ser cumprida porque poderia haver eventual modificação, logo não é possível adiantar nunca a pena — contrariando justamente o que a maioria do Supremo tinha permitido.
Não há necessidade de notório saber jurídico para compreender que se trata de uma artimanha lógica, onde a vontade se antepõe ao Direito. Ou seja, onde o parecer jurídico de um ministro se amolda a uma preferência prévia. É o famoso ‘salto triplo carpado hermenêutico’, expressão do ex ministro Ayres Britto.
Aparentemente, o ser humano, por razões diversas, primeiro gosta ou desgosta (de uma coisa, uma pessoa, ou atitude) e só depois tenta criar uma estrutura lógica que se ajuste a esse gosto/desgosto. Muitas vezes essa justificativa posterior não é suficiente para sustentar o que sentimos, e podemos ser facilmente refutados. No entanto, dado que somos teimosos, seguimos em frente: complicamos o raciocínio, trocamos inteligência por astúcia e dizemos “não é tão assim, é mais complexo, etc”. É uma espécie de catimba intelectual.
Quando a catimba intelectual é utilizada por aqueles que deveriam se ajustar ao Direito, estamos em problemas. Isso pode, Arnaldo?