Por Aldir Sales e Aluysio Abreu Barbosa
Pleito antigo da Uenf, sua autonomia financeira está entre as propostas de Tarcísio Motta, candidato do Psol a governador do Rio. Se eleito, garantiu nesta entrevista que 6% da receita fluminense serão destinados às universidades estaduais. Ele planeja preservar o rio Paraíba do Sul, investindo na captação de água alternativa dos municípios da sua bacia. Tarcísio também fez críticas ao projeto inicial do Porto do Açu — “um delírio absolutamente irresponsável” — e aos adversários que lideram as pesquisas. Sobre Eduardo Paes (DEM), Romário Faria (Pode) e Anthony Garotinho (PRP), frisou: “todos, de uma forma ou de outra, se aliaram à máfia do Cabral”. O candidato defendeu o polêmico governo do Psol no município vizinho de Itaocara.
Folha da manhã – Perto de Campos, no município de Itaocara, foi eleito em 2012 o primeiro prefeito do Psol no país. Mas Gelsimar Gonzaga teve um governo conturbado. Chegou a ser afastado pela Câmara Municipal, teve o registro indeferido pelo TRE, na tentativa frustrada de reeleição em 2016, e acabou condenado por abuso de poder político e econômico. Que balanço o partido fez da experiência?
Tarcísio Motta – O companheiro Gelsimar foi afastado por ter enfrentado os poderosos de Itaocara, que nunca se conformaram de um ex-cortador de cana, ex-sindicalista, eleger-se prefeito e lutar contra o fisiologismo, tentando mudar a forma de fazer política no município. No dia da votação de seu afastamento, houve uma grande mobilização contra a cassação na cidade e na Câmara de Vereadores, porque o povo reconhece os avanços.Valorizamos o funcionalismo público e melhoramos os indicadores sociais. Buscamos desde o primeiro dia fortalecer a participação popular. Diversos secretários foram escolhidos por eleição direta. Mesmo com toda a adversidade, achamos que ali estavam presentes algumas pistas importantes de como construir um novo modo de governar.
Folha – A esquerda fluminense veio com quatro candidatos a governador: o senhor, Marcia Tiburi (PT), Pedro Fernandes (PDT) e Dayse Oliveira (PSTU). Velho pecado da esquerda brasileira, a divisão não deveria ser evitada, sobretudo em meio à onda conservadora no país?
Tarcísio – A necessária unidade no enfrentamento a essa onda conservadora não implica necessariamente em coligações eleitorais. Nossas alianças eleitorais são programáticas. Temos muito orgulho de estar disputando essa eleição ao lado do PCB, do MTST, do PCR, e tantos outros movimentos sociais. Não fazemos alianças simplesmente para obter mais tempo de televisão. É preciso haver convergência no programa. De qualquer forma, o fato de haver diversas candidaturas do campo progressista disputando o pleito não significa que o eleitorado irá se dividir. Nossa campanha não para de crescer. Acredito que na hora do voto os eleitores do campo progressista irão se unir em torno da nossa candidatura para garantir um representante da esquerda no segundo turno.
Folha – Inegável que tanto o senhor, quanto o candidato a presidente do Psol, Guilherme Boulos, passaram a adotar um discurso contra a corrupção e até alguns privilégios do setor público. Pelas beiradas, para não tropeçar na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas não é uma maneira de pegar carona na aprovação popular à operação Lava Jato?
Tarcísio – Tenho críticas à Lava Jato, em especial à forma como garantias constitucionais estão sendo flexibilizadas ou mesmo ignoradas em determinados casos. A luta contra a corrupção é decisiva, porém, ela não pode servir como desculpa para enfraquecermos as instituições democráticas que preservam o devido processo legal. Mas nosso discurso contra corrupção e privilégios nunca foi feito “pelas beiradas”. Pelo contrário: é incisivo. E não ficamos só no discurso, denunciamos aos órgãos de controle o que identificamos como irregular na gestão pública. Em um ano e meio de mandato na Câmara do Rio, por exemplo, entreguei ao Ministério Público análises e documentos que provam que o poder público age em conluio com empresários de ônibus, deixando as tarifas do transporte mais caras para aumentar os lucros indevidos a esses empresários. Foi mais de R$ 3,6 bilhões. E nada disso foi feito de forma tímida, “pelas beiradas”: investigamos, conseguimos provas, fizemos reuniões abertas convocando a imprensa, nos reunimos com Tribunal de Contas, Ministério Público, divulgamos em todos os canais de comunicação possível, inclusive grandes emissoras de TV, democratizando as informações e nossa opinião. Derrotar a máfia da velha política que levou o Estado do Rio para o buraco é uma das nossas missões.
Folha – Em 2016, o filósofo Pablo Ortellado, da USP, publicou o artigo “É possível falar de corrupção a partir da esquerda?”. Em entrevistas anteriores, a Folha perguntou (aqui) a Boulos, formado na USP, e (aqui) ao deputado Chico Alencar, candidato do Psol ao Senado, se era possível. O primeiro tergiversou. Mas o segundo admitiu ter lido e disse ser possível. E para o senhor?
Tarcísio – A corrupção precisa ser enfrentada como um problema sistêmico e não tratada como uma patologia individual. Não adianta culpar o rei quando o problema é o trono. A corrupção é uma forma de governar, sem transparência pública, sem participação popular. A corrupção é inimiga da democracia. Onde tem transparência e participação, a fiscalização é feita pelas pessoas e assim combatemos a corrupção. Nós defendemos o fortalecimento da democracia na gestão do governo. Vamos derrotar a velha política do toma-lá-dá-cá mudando tanto o conteúdo quanto a forma de governar. Pra nós, governar é defender os direitos do povo, e não cuidar do privilégio de meia-dúzia. Governando pro povo, e não pra panelinha, o Rio tem jeito.
Folha – O senhor foi considerado por muitos o melhor no debate da Band, dia 16. Enquanto candidatos como Garotinho e Eduardo Paes (DEM) se atacaram, um ponto positivo foi a sua solidariedade a Pedro Fernandes, que teve o pai desaparecido em acidente aéreo. Falta essa humanização à política de um país cindido entre “coxinhas” e “mortadelas”?
Tarcísio – Os debates entre candidatos transmitidos pelas emissoras de TV são muito importantes para que os eleitores conheçam as propostas dos candidatos de forma igualitária, já que todos têm o mesmo tempo para expor suas ideias e propostas. É, sem dúvida, um momento de disputa, em que cada um quer comunicar ao expectador aquilo que acredita ser a melhor opção. Mas não podemos esquecer que, antes de sermos adversários políticos, somos seres humanos, e a solidariedade não deve ser abandonada em nome de divergências. Não posso dizer, de forma generalizada, que falta humanização na política. Mas posso falar que me esforço a cada dia para ser um ser humano melhor.
Folha – Também entrevistado por este jornal, o candidato Indio da Costa (PSD), mesmo de perfil liberal, elogiou (aqui) as suas virtudes. Em conversas reservadas, outros candidatos admitem o seu potencial de crescimento. Pela Datafolha, ainda que em empate técnico, o senhor passou Indio: 5% a 3%. Dá para ameaçar os líderes Paes, Romário e Garotinho?
Tarcísio – Nossa eleição é pra valer. Acreditamos que é possível tirar o Estado do Rio do buraco se enfrentarmos essa lógica do toma-lá-dá-cá a que esses políticos estão acostumados. Portanto, seguiremos na campanha para continuar aumentando nossas intenções de voto. Na medida em que as pessoas vão conhecendo nossas propostas, reconhecem que se trata de uma candidatura séria e capaz de enfrentar os problemas do Estado.
Folha – O senhor também fez críticas na sua última fala no debate da Band. Sobre Paes: “é cria do Cabral”. Romário: “foi bom de bola, mas votou contra o interesse do trabalhador”. Garotinho: “fez a mesma coisa (que Sérgio Cabral) quando foi governador”. Em seu entender, qual deles representaria o maior retrocesso?
Tarcísio – Que pergunta difícil! [risos] Não consigo escolher um “campeão” no ranking do retrocesso. Os três são páreo duro no quesito “retirada de direitos”. Todos, de uma forma ou de outra, se aliaram à máfia do Cabral que levou o Rio para o buraco.
Folha – A Segurança Pública, sob intervenção militar do governo federal, é hoje um dos principais problemas do Estado do Rio. As execuções da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março, estão ainda hoje impunes. Ironicamente, o problema é uma das principais bandeiras de um presidenciável como Jair Bolsonaro (PSL). Há solução? Como?
Tarcísio – Não vamos insistir nessa política de segurança falida, que trata a favela como território inimigo e mata pobre todo o dia. Esse modelo não gera segurança. Pelo contrário, gera medo, violência e sofrimento, em especial para a juventude negra que está sendo exterminada. E isso a um custo enorme para os cofres públicos. Só na ocupação da Maré em 2014 foram gastos R$ 600 milhões. E a previsão de gastos para a intervenção esse ano ultrapassa a marca de R$1 bilhão. É preciso mudar o modelo como um todo. Vamos modernizar a gestão, integrar os diferentes órgãos de segurança e priorizar o combate ao tráfico de armas. Os agentes de segurança serão ouvidos e, junto com eles, vamos melhorar suas condições de trabalho. Queremos valorizar o salário dos servidores e garantir planos de carreira dignos. Além disso, vamos aprimorar o controle externo e fazer uma limpa nas instituições para retirar das ruas os agentes envolvidos com grupos criminosos. Nosso objetivo será reduzir os índices de violência, em especial, homicídios e estupros, e construir uma rede pública de apoio, acolhimento e denúncia para familiares e vítimas.
Folha – Além da violência, o Estado do Rio vive também um quadro de insolvência financeira. Sobre o regime de recuperação fiscal firmado entre os governos Michel Temer e Luiz Fernando Pezão, o senhor já disse: “não foi socorro, foi agiotagem”. O que propõe?
Tarcísio – Vamos revisar o Regime de Recuperação Fiscal. Faço questão de repetir aqui: o que o governo Temer fez com o Estado do Rio foi agiotagem. Ele simplesmente empurrou a dívida para o próximo governador cobrando juros escandalosos. Isso não é um plano de recuperação. Isso é suicídio fiscal. E não será com cortes na saúde e na educação que vamos conseguir sair do buraco que a máfia do MDB nos enfiou. Precisamos rejeitar as políticas de austeridade fiscal que retiram direitos da população e recuperar as finanças do Governo do Estado investindo na diversificação da matriz econômica, incentivando o adensamento das cadeias produtivas e induzindo a retomada da atividade para ampliar a arrecadação. Além disso, vamos renegociar a dívida do Rio com a União, auditar os contratos, reestruturar a política de isenção fiscal, otimizar o uso dos recursos públicos e garantir a integração dos órgãos estatais de forma que a as ações de governo sejam mais eficientes.
Folha – A face mais cruel da falência financeira do Estado se dá sobre os servidores ativos e inativos. Qual o seu compromisso em honrar mensalmente esses vencimentos?
Tarcísio – Nós vamos garantir o pagamento integral e em dia dos vencimentos dos servidores, aposentados e pensionistas. Nenhum servidor, ativo ou inativo vai ficar sem seu dinheiro. Sou professor de escola pública e posso garantir que a valorização do servidor público é uma das nossas principais bandeiras. Somente assim iremos melhorar a qualidade dos serviços públicos e garantir os direitos da população.
Folha – Outra face do caos financeiro se dá sobre o abandono da Uenf e do Colégio Agrícola Antônio Sarlo. No debate da Band, quando perguntados sobre a Uerj, apenas o senhor, Paes e Garotinho lembraram que a Uenf existe. O que pretende fazer para que a instituição de ensino superior da região continue a existir?
Tarcísio – A Uenf, assim como Uerj, Uezo e os Institutos Superiores de Educação precisam ser valorizados como importantes centros de formação, pesquisa e inovação. A rede pública de ensino superior do Estado deve servir como um vetor de desenvolvimento estratégico que pode, inclusive, nos ajudar a sair da crise e elaborar soluções criativas para resolver os problemas de desemprego no Rio. Nossa principal medida será garantir autonomia financeira para as universidades estaduais, com a ampliação dos recursos públicos reservados ao ensino, à pesquisa e a programas de extensão, destinando, desde o primeiro ano, 6% da receita do Governo do Estado para as universidades estaduais. Além disso, vamos garantir instalações e equipamentos adequados nas unidades da rede. E vamos expandir o ensino superior estadual público para o interior, garantindo a qualidade da educação, a integração entre ensino, pesquisa e extensão e a ampliação da oferta de vagas em cada região do Estado.
Folha – Quais são seus planos para Porto do Açu na questão do desenvolvimento específico do Norte Fluminense?
Tarcísio – Antes de mais nada, precisamos garantir os direitos das centenas de famílias de agricultores familiares e pescadores artesanais no V Distrito do município de São João da Barra que foram removidas para o distrito industrial do empreendimento se tornar uma realidade. O projeto inicial do Porto do Açu foi um delírio absolutamente irresponsável. Mas não será com cortes em investimentos que iremos sair do buraco que a máfia do MDB nos enfiou. Pelo contrário, precisamos investir em setores altamente empregadores, como a indústria portuária, para conseguir sair da crise. Vamos criar um plano estratégico para o setor de minério, óleo e gás no Estado do Rio. Queremos redimensionar a política de adensamento dessa cadeia produtiva no Estado e reduzir os impactos socioambientais dos projetos. Nos últimos anos, o Rio aprofundou a sua dependência em indústrias extrativistas como petróleo e gás. Isso é muito preocupante. Temos que reverter esse quadro buscando soluções economicamente criativas e ambientalmente sustentáveis. Vamos implementar planos regionais de desenvolvimento social em cada região do Estado, considerando o meio ambiente, as culturas locais, a soberania alimentar e a tradição de cada localidade. Nosso objetivo será diversificar a economia, garantir justiça socioambiental e incentivar a inovação. No caso do Norte Fluminense, a agricultura familiar será prioridade: vamos realizar reforma agrária para democratizar o acesso à terra, garantir regularização fundiária para viabilizar o acesso à linha de crédito e isentar a cesta básica de impostos para tornar a comida mais barata. Além disso, vamos investir em obras de construção civil nas áreas de mobilidade urbana e saneamento ambiental para qualificar a infraestrutura das cidades da região, destinando vagas de trabalho para os moradores locais e transformando, assim, os investimentos em obras em uma política de distribuição de renda.
Folha – Com sua foz em Atafona assoreada, o rio Paraíba do Sul sofre bastante em tempo de estiagem. Há registro de língua salina já em Barcelos. Há vida para Campos, São João da Barra e São Francisco de Itabapoana sem o rio que as formou? Como recuperá-lo?
Tarcísio – É preciso investir na recuperação de manguezais, restingas e matas de encosta e implementar os planos de preservação elaborados pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Médio Paraíba do Sul. Além de construir novas redes de coleta e estações de tratamento de esgoto nas cidades do entorno do Rio Paraíba do Sul e seus afluentes, como Volta Redonda e Barra Mansa: os municípios do Sul do Estado despejam mais de 120 milhões de litros de esgoto in natura por dia no rio. Mas nada disso será suficiente se não enfrentarmos os problemas estruturais relativos ao consumo de água na região, que não foi ampliado adequadamente e continua calcado apenas no aumento da captação da água do rio. Além do desastre natural que representa a superexploração do Paraíba do Sul, a falta de planejamento no abastecimento de água de regiões com grande crescimento econômico e demográfico é uma irresponsabilidade absurda dos últimos governos. O rio não pode continuar sendo a única fonte de abastecimento dessas regiões.
Folha – O que Campos, Norte e Noroeste Fluminense devem esperar de Tarcísio governador?
Tarcísio – Nosso programa engloba uma série de ações que irão melhorar a qualidade de vida dessas regiões. Nossas prioridades são reduzir o custo de vida, promover trabalho digno e distribuição de renda para diminuir a desigualdade social, melhorar a qualidade dos serviços públicos para garantir direitos, preservar o meio ambiente e defender a igualdade de todas e todos. Para resolver os problemas na segurança, vamos combater o tráfico de armas, reformar a polícia e investir em inteligência e prevenção, substituindo a lógica do confronto pela investigação. Para superar a crise econômica, vamos reduzir o preço da passagem dos transportes, diminuir o custo com moradia, tornar a comida mais barata e investir em obras que geram emprego, aumentam a infraestrutura das cidades e melhoram a vida das pessoas. O Rio tem jeito, mas não é o das máfias.
Publicado hoje (01) na Folha da Manhã
Excelente discursivo no debate mas na pratica para governar não tem a experiência de Garotinho e de Paes da turma de Cabral