Arthur Soffiati — Primeiro tempo

 

(Robert De Niro)

 

 

Por Arthur Soffiati(*)

 

Desde a eleição indireta de Tancredo Neves, em 1985, nunca houve tanta polarização e radicalização numa eleição presidencial. Nem mesmo o neoliberal Fernando Collor de Melo provocou tanta discórdia. Nesses 23 anos, o regular foi uma posição de centro-direita enfrentar uma de centro-esquerda. Na década de 1990, a centro-direita predominou com Fernando Henrique Cardoso. A partir de 2003, a centro-esquerda com Lula e Dilma governou o Brasil até o impeachment desta última em 2016. Mesmo assim, os dois presidentes do PT buscaram a paz com as classes dominantes, seja com a “Carta ao Povo Brasileiro”, seja com os vice-presidentes José de Alencar e Michel Temer, numa política de alianças com partidos moderados.

Agora, os dois candidatos a disputarem o segundo turno radicalizaram suas posições. No impedimento de Lula, Haddad escolheu Manuela D’Ávila, do PCdoB como vice, e Jair Bolsonaro recorreu ao general Hamilton Mourão. Pelo menos nos discursos iniciais da chapa de direita, a defesa de um programa simples agradou muitos eleitores: combate implacável à corrupção, direito da sociedade se armar contra a violência, privatizações, enxugamento de ministérios, militarização da educação. Já a chapa de esquerda não conseguiu crescer como se esperava. Lula seria o candidato ideal para vencer Bolsonaro, mas impedido ele escolheu Fernando Haddad como seu representante. Houve hesitações. Não é bom um partido forte contar com uma só pessoa carismática. Lula está preso, mas imaginemos que ele estivesse impossibilitado de concorrer por doença. Haddad não também não o substituiria à altura. Houve hesitações em lançar o sucessor de Lula, e este dificultou o surgimento de novas lideranças.

E os eleitores? Os que votam na direita e na esquerda parecem convictos. Eles não mudam de posição. Daí também as taxas de rejeição serem altas de ambas as partes. O crescimento delas parece se alimentar de votos de outros candidatos e dos indecisos. Em ambos os lados, o medo de que um dos lados vença leva ao voto útil, atitude que deve ser relativizada. O voto útil tanto pode ser na direita quanto na esquerda.

E os eleitores? Ouvi de um que aquele que votar em Haddad ou é corrupto ou cúmplice da corrupção. De nada resolvem discursos elaborados demais para convencer o eleitor. A maioria se mostra sensível a argumentos simples. O cérebro humano reduz e simplifica complexidades.

Por fim, Inglaterra e França não poderiam imaginar que as rigorosas condições impostas à Alemanha no final da Primeira Guerra Mundial levariam à ascensão de Hitler. Os governos do PT também não imaginavam que criariam espaço para um discurso radical de direita ao permitirem o crescimento da corrupção, como escreveu o sociólogo petista ontem, e da violência urbana. Mesmo que a realidade seja mais complexa do que se mostra, o PT concorreu para a radicalização política. Na ficção, Dr. Frankenstein era um médico ético, mas, num momento de fraqueza, criou um monstro. Entre nós, o monstro gerou uma filha num momento de fraqueza.

 

(*) Historiador ambiental e colaborador da Folha

 

Publicado hoje (08) na Folha da Manhã

 

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