Contra Bienal do Livro em 2018 na busca de holofote para 2020

 

 

Hoje, o assunto do dia foram as ameaças de militantes da direita de Campos contra a 10ª Bienal do Livro de Campos, que será realizada entre os dias 20 e 25 deste mês. O alvo principal é a mesa “Fake news: Mentiras Verdadeiras”, programada para às 17h do dia 23, e um dos seus integrantes: o coreógrafo Wagner Schwartz.

Schwartz ficou famoso em setembro de 2017, com a polêmica envolvendo sua apresentação “La Bête” no MAM de São Paulo, em setembro de 2017. Na performance, ele se apresentava nu e permitia que os espectadores interagissem com seu corpo. Acompanhada da mãe, uma menina de 6 anos tocou o tornozelo do artista, a cena foi filmada e viralizou nas redes sociais. A partir dali, Schwartz sofreu um linchamento virtual, acusado de pedofilia, e chegou a receber 150 ameaças de morte. Em 22 de fevereiro de 2018, o Ministério Público Federal concluiu que não houve nenhum crime de pornografia infantil no caso e arquivou a investigação.

Por conta da presença de Schwartz, bem como de outros eventos da X Bienal de Campos considerados “esquerdistas”, dois vídeos circularam nas redes sociais locais. Num deles, um professor de pedagogia do IFF — cujo campus Campos-Centro abrigará a Bienal — chegou a criticar até o vale-livro no valor de R$ 10,00, que será distribuído a cada aluno da rede pública presente. No outro vídeo, um líder de um grupo de direita de Campos chegou a dizer que, com a presença de Schwartz, a 10ª Bienal iria sofrer “um atentado de esquerda”.

Nos dois vídeos, chamado pejorativamente de “Peladão do MAM”, Schwartz foi o principal alvo. Atrás de holofotes, seus autores não terão os nomes divulgados. Os dois tentam se tornar conhecidos, surfando a onda conservadora que, em outubro, elegeu Jair Bolsonaro (PSL) presidente e Wilson Witzel (PSC), governador. O objetivo de ambos é se lançar à Câmara Municipal de Campos em 2020.

Com ambições pessoais travestidas de cruzada moral, a intenção é semear ódio e medo para tentar tumultuar o evento cultural mais importante da cidade. O governo de Campos certamente merece críticas. Mas classificá-lo como “comunista” ou “socialista”, por conta da diversidade temática em debate aberto na Bienal, é como um professor ser contra o estímulo à leitura de crianças e adolescentes de baixa renda. Ou um coletivo que pretende representar a direita no município e se identifica não com as iniciais do grupo, mas do nome de quem se diz líder.

 

Com a chegada de Hitler ao poder em 1933, listar obras e autores como proibidos levou à queima de livros na Alemanha nazista

 

 

Se for para tentar boicotar o evento, faz parte da democracia. E não deverá fazer muita diferença. Historicamente, os discursos de ódio só têm eco entre quem nunca foi muito chegado a ler. Agora se for para “cobrar da Prefeitura em forma de protesto do dia da Bienal, impossibilitando que o evento seja realizado”, como o tal grupo de direita chegou a veicular ontem em manifestção nas redes sociais, além da segurança da PM e Guarda Civil, bom lembrar que qualquer problema no IFF terá que ser investigado pela Polícia Federal.

Jornalista Artur Xexéo

Jornalista de O Globo, Artur Xexéo participará da mesa de debate com o artista Wagner Schwartz, assim como os jornalistas campistas Ocinei Trindade e Cláudia Eleonora. Hoje, Xexéo falou ao repórter da Folha Matheus Berrirel sobre as reações nervosas ao debate sobre fake news na Bienal de Campos:

— Enquanto ficar no protesto, tem até o meu apoio, pelo direito de protestar. Sou contra tentar se impedir que o evento aconteça. Neste caso, eu sou contra, porque foi chamado o artista para participar de uma mesa, esse artista tem um histórico.  Você tentar impedir que uma pessoa participe de uma mesa de debate porque ela tem essa história no seu currículo artístico, aí não dá para aceitar. Isso não é democrático, é antidemocrático.

 

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Este post tem 11 comentários

  1. Emar Vigneron

    Li e reli várias vezes. Muita lucidez em seu texto. Parabéns!

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Cara Emar,

      Grato pela generosidade.

      Bj!

      Aluysio

  2. Isaias Martins Silva

    Faltou habilidade dos organizadores do evento. Deveriam convidar um conservador, do tipo Pe. Paulo Ricardo, para contrapor. Agradariam a todos e ficariam menos ideológico os debates.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Isaias Martins Silva,

      Concordo. Qualquer debate que mereça o nome se dá entre visões distintas. Se não, vira monólogo temático. E a unanimidade, como lecionou o gd Nelson Rodrigues, é burra.

      Grato pela chance do debate!

      Aluysio

  3. Adriana

    Parabéns pela lucidez, Aluysio! Obrigada!
    Adriana

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Cara Adriana,

      Obrigado a vc, pela generosidade.

      Abç!

      Aluysio

  4. Ronald

    Lá na entrevista com o Marcos Barcelos você disse que a direita não lê e se baseia no zap e facebook( o que a esquerda também faz muita das vezes), porém a literatura que mais vende neste país nos últimos anos é a ligada ao conservadorismo de direita, isto por causa da chegada do Carlos Andreazza como editor-executivo do grupo da editorial Record, e de editoras como a vide editorial e a armada, o direitista ao contrário do esquerdista lê tanto as obras de direita quanto as de esquerda, já o esquerdista costuma ler só autores e periódicos de esquerda e acaba se fechando em uma bola ideológica, com raras exceções, na questão do Olavo de Carvalho a direita que segue ele não é hegemônica, porém bastante barulhenta, já que existe uma gama grande de intelectuais direitistas que tenham uma até uma certa influência como o filósofo Francisco Razzo, o articulista Gustavo Nogy e o escritor e jornalista Martim Vasques da Cunha, que diga-se de passagem são odiados pelo Olavo de Carvalho e sua megalomania de querer pautar o que toda a direita acha ou deixa de achar… Agora referente a este texto, a questão do IFF é notória que o reitor de lá é petista e ele não esconde isto de ninguém, por isto a bienal com um viés de esquerda, aliás nem dos últimos diretores ou reitores podemos falar que nenhum era petista, pelo contrário, todos petistas desde o final de 80 quanto ainda era escola técnica de Campos, passando por CEFET e chegando até ao atual IFF….A questão do Schwartz é simples, errou os museus por onde a peça dele passou por não botarem a faixa etária mínima para a peça, errou ele por ter permitido a entrada de crianças em uma peça para o público adulto, por exemplo a peça dele é baseada na obra da Lygia Clark, sendo que a obra dela foi feita para crianças com peças pequenas, aonde as crianças poderiam pegar parafusos, pedações de bicicletas e afins para montar o que quisessem de uma forma lúdica.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Ronald,

      Disse várias coisas na entrevista ao Marco Barcelos. Entre elas: “embora haja honrosas exceções à direita, como o próprio Olavão, a verdade é que as pessoas de esquerda geralmente leem mais”. Como também tinha ressaltado antes: “quando saiu a eleição direta a presidente em 1989, a primeira no Brasil desde 1960, o que aconteceu? Fenômeno eleitoral semelhante a Bolsonaro, Fernando Collor foi em primeiro lugar ao segundo turno. A outra vaga foi disputada voto a voto entre Brizola e Lula. Este venceu, mas perdeu para Collor no final. Golbery tinha falecido dois anos antes, em 1987. Mestre da geopolítica, mesmo morto, sua estratégia de ‘dividir para conquistar’ venceu a esquerda”. Em suma, fiz críticas e reconhecimentos à direita e à esquerda brasileiras. E entendo as duas como necessárias à democracia. Para o bem dela, o que tem que ser extirpado são os aloprados de um extremo e do outro, como são os que agora se postam contra a Bienal do Livro, por não concordarem com a presença de um artista que, segundo o Ministério Público Federal, não cometeu crime algum. Na entrevista, falei de Olavo de Carvalho como intelecual de direita, cuja megalomania apontada por vc conta com minha integral concordância. Mas poderia citar vários outros, como Eduardo Wolf, Luis Felipe Pondé, Marco Antonio Villa ou Ricardo Rangel. São todos inteligentes o bastante para lerem autores com os quais concordam, ou não. Léguas abaixo desses intelectuais, confesso: já li o Corão, Mein Kempf, O Capital e A Riqueza das Nações. E, antes ou depois, não me tornei muçulmano, nazista, comunista ou liberal por conta disso. Convenhamos, ler para concordar é limitador e muito chato. Este é o principal problema que quem não excede a leitura das bolhas das redes sociais. E, sim, essas legiões de zumbis intelectuais estão à esquerda e à direita. Por fim, concordo, a apresentação do Schwartz no MAM, pela questão da nudez e da interação física, deveria ter obedecido classificação por faixa etária. Segundo o MAM: “A sala estava devidamente sinalizada sobre o teor da apresentação, incluindo a nudez artística, seguindo o procedimento regularmente adotado pela instituição de informar os visitantes quanto a temas sensíveis”. Mas a mãe da menina, sua responsável legal, julgou apta a entrada da filha. Por mais que respeite o pátrio poder, na minha avaliação pessoal de leigo e pai, foi um erro.

      Grato pela chance do debate!

      Aluysio

  5. Ocinei Trindade

    Esta e outras mesas organizadas para a X Bienal do Livro de Campos servem para reflexão, pois com quatro convidados distintos e diferentes, no mínimo, deve haver contrapontos. É uma oportunidade para rever o conceito do “discordar e respeitar quem pensa diferente de mim”. No entanto,temos corrido riscos por parte daqueles que não querem “concordar com as diferenças de opinião”. O ataque, o falso-moralismo ou pretextos político-eleitorais passeiam pelas timelines e pela provocação de ódios ou violências verbal, física ou emocional Independentemente de credo religioso ou ideológico, o Brasil e vê em um novo desafio. Campos reflete outra vez a nossa crise que não é só moral, política ou econômica. Trata-se de uma crise humana e de civilidade. A arte, a literatura, a dramaturgia e o jornalismo estão aí para contribuir. É preciso gente disposta a contribuir também para o nosso desenvolvimento intelectual.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Ocinei,

      Concordo em gênero, número e grau: “ Campos reflete outra vez a nossa crise que não é só moral, política ou econômica. Trata-se de uma crise humana e de civilidade. ”

      Abç e grato pela participação!

      Aluysio

  6. Ronald

    OK entendi agora o seu ponto de vista, meu questionamento foi no campo destes 2 pontos, o resto da entrevista concordei com sua leitura, principalmente quando você deu um apanhado histórico de como sucedeu as coisas nas eleições pós governo militar…, Inclusive indo na sua linha de pensamento, muitos dizem que o Bolsonaro poderá ser um novo Collor de farda, por enquanto acho que até certa medida ele tem acertado, inclusive ele disse na entrevista que deu ao Datena, que até gente que não gosta dele disse que prefere que ele faça um bom governo, pois se ele for ruim ou péssimo, o PT voltará e não sairá mais, porém a de reconhecer que ele tem 2 calcanhares de Aquiles que são Onyx Lorenzoni (caixa 2) e o Magno Malta (Aspone de tudo que é governo). abraç

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