Ficção com absolvição real
O ex-governador Anthony Garotinho (PRP) reverteu na quarta-feira (6), no Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJ-RJ), a condenação de primeira instância por danos morais contra o prefeito Rafael Diniz (PPS). Em 17 de junho de 2017, ainda ressentido pela vitória eleitoral de Rafael no ano anterior, que acabou com quase 30 anos de domínio do garotismo na cidade, o ex-governador postou em seu blog (aqui) uma conversa fictícia entre o prefeito e outras pessoas. Apesar de não postar o suposto áudio, Garotinho atribui trechos a Rafael. Este chegou a ser chamado de “desqualificado” e “bandido” na postagem de quem já foi preso três vezes.
“O moleque”
Em junho de 2018, pelas ofensas feitas na postagem, Garotinho foi condenado (aqui) a pagar R$ 30 mil de indenização por danos morais a Rafael. A decisão foi do juiz Paulo Simão, da 3ª Câmara Cível de Campos. Na quarta, a condenação foi reformada por unanimidade na 27ª Vara Cível do TJ-RJ. Seus outros dois membros votaram com o relator do caso, desembargador João Batista Damasceno, que usou para justificar sua decisão um artigo do sociólogo Gilberto Freyre, publicado no Diário de Pernambuco em 1926. Usado como ponto de defesa de Garotinho, o título do texto é: “O moleque brasileiro tem exercido uma função social”.
Negro crucificado e baleado na parede
João Batista Damasceno já se envolveu em muitas polêmicas em sua carreira na magistratura, antes do seu relatório favorável a Garotinho. Em agosto de 2013, o jornal carioca Extra revelou (aqui) que o juiz tinha pendurado em seu gabinete, na 1ª Vara de Órfãos e Sucessões do TJ-RJ, uma gravura de um negro crucificado e baleado no peito por um PM, que empunha um fuzil AR-15 com cano ainda fumegante. O presidente da Associação de Ativos, Inativos e Pensionistas da Polícia Militar, Miguel Cordeiro, disse na ocasião: “Muito me admira essa ação por parte de um juiz, uma pessoa que deveria se mostrar imparcial perante à sociedade”.
Juiz puxa arma contra colega
A polêmica gravura era do cartunista Carlos Latuff. Seu título era “Por uma cultura de paz”. Mas não parece ter inspirado o juiz. Em fevereiro de 2015, João Batista Damasceno puxou uma arma (aqui) numa discussão dentro do TJ-RJ, com o desembargador Valmir de Oliveira. Ele tentou investir contra Damasceno, que filmou o ato com o celular em uma das mãos, enquanto sacou uma pistola com a outra e ameaçou o colega. O vídeo pode ser visto abaixo, na reprodução digital desta coluna. Julgado, Damasceno teve (aqui) 12 votos a 9 por sua condenação. Pelas regras do CNJ, faltou apenas um voto para que fosse apenado.
Mais ficção
Mas a última polêmica em que se envolveu Damasceno talvez seja a mais ilustrativa da sua condescendência com Garotinho. Em outubro de 2018, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, reconheceu (aqui) haver indícios de que o juiz debochou de uma promotora de Justiça. E gerou uma reclamação formal do Ministério Público fluminense. A promotora pediu em ofício explicações sobre um evento. Contrariado, Damasceno teria em resposta criado e divulgado nas redes sociais um ofício fictício de um evento fictício, cujo convite foi enviado à promotora pelo e-mail funcional do magistrado.
“Parece loucura, mas…”
Assim, depois de divulgar uma conversa fictícia para denegrir publicamente a imagem de seu principal adversário político, Garotinho foi absolvido por um magistrado que divulga ofícios fictícios, de eventos fictícios, para debochar publicamente de uma promotora que “ousou” pedir explicações sobre um evento real. Como diria Polônio sobre Hamlet: “Parece loucura, mas há método”. Embora o artigo de Gilberto Freyre, sobre “o moleque brasileiro”, pareça realmente apropriado para resumir o caso, seu desenlace na quarta-feira no TJ-RJ lembra outro grande autor do séc. XX: Franz Kafka, de “O processo”.
Novo
O juiz Luiz Antônio Bonat foi escolhido para substituir Sérgio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da operação Lava Jato. O nome dele foi proclamado por unanimidade, ontem, em sessão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Com 64 anos, Bonat atua como juiz federal desde 1993 e o anúncio já era esperado, uma vez que o critério para a escolha é o tempo de serviço.
Publicado hoje (09) na Folha da Manhã
Afinal, a matéria é sobre o processo vencido por Garotinho ou sobre um dos Desembargadores que, por unanimidade, lhe deram ganho de causa.
Caro Luiz Antonio,
Se vc leu a coluna, pôde perceber que é sobre a decisão judicial, quem decidiu e, possivelmente, por quê.
Grato pela participação!
Aluysio