Academia da cidade que votou em Bolsonaro e Witzel analisa seus 100 dias

 

Presidente Jair Bolsonaro e governador Wilson Witzel (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Por Aluysio Abreu Barbosa

 

Os 100 dias de governo se tornaram emblemáticos por terem sido o período em que Napoleão Bonaparte voltou do seu primeiro exílio na ilha de Elba, em 1815, para reconquistar a França e lançar a Europa em uma nova guerra, definida na batalha de Waterloo. A referência a um dos maiores gênios militares da história é oportuna para se analisar os 100 primeiros dias dos governos Jair Bolsonaro (PSL) e Wilson Witzel (PSC), completos hoje.

Bolsonaro se elegeu sete vezes deputado federal e depois presidente da República, com base na experiência como capitão do Exército Brasileiro. Enquanto Witzel pegou carona na onda bolsonarista, que varreu o país nas eleições de outubro, destacando sua passagem como oficial dos Fuzileiros Navais, além de juiz federal, para se eleger governador do Rio. Embora o período seja curto para definir o que aguarda os brasileiros e fluminenses nos próximos três anos, oito meses e 20 dias, a Folha colheu as impressões sobre os dois governos com alguns dos acadêmicos de Campos — polo universitário que orgulha a cidade onde a maioria votou em Bolsonaro e Witzel.

Luciane Soares

Com foco na ciência e tecnologia, quem deu corte mais regional à análise dos governos federal e estadual foi a socióloga Luciane Soares, professora da Uenf:

— Como pesquisadora de uma universidade pública, destaco os cortes na área de ciência e tecnologia. O contingenciamento de 42,27% das despesas do ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) é preocupante. Precisamos consolidar os convênios de cooperação existentes e abrir outras frentes de pesquisa para que o Brasil não retroceda em uma área tão fundamental ao desenvolvimento do país. Sobre a esfera estadual, recebemos em fevereiro, na Uenf, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Leonardo Rodrigues. Ele fez referência à “herança maldita” deixada pelo MDB. A crise enfrentada pela Uenf, Uerj e Uezo não é recente. Alterar este quadro é um desafio para a gestão Witzel. Até aqui, vimos declarações, mas poucos compromissos concretos, particularmente com a Uenf.

Igor Franco

Cada um no seu quadrado, como professor de Economia da Estácio, Igor Franco falou da sua área nas duas gestões:

— As duas quedas prematuras de ministros e uma crise política junto ao Congresso revelaram ao governo Jair Bolsonaro que governar tem pouco a ver com arroubos ideológicos. A dificuldade em articular politicamente está evidente na reforma da Previdência. Mas foi apresentada rapidamente, com uma economia superior à proposta anterior. Mantendo a prática de Temer, os cargos-chave das estatais atenderam a critérios técnicos. Witzel iniciou o mandato determinando reduções de 30% nos gastos. Porém, como a crise das contas estaduais é de folha de pagamento, corre-se o risco de sucateamento da estrutura e agravamento da falta de insumos. Ao não encampar desde o início um programa de privatizações e concessões, sob o pretexto de valorizar os ativos, o governador pode falhar num ponto crucial.

Aristides Soffiati

Geralmente preso ao estudo do passado, ao analisar o presente do Brasil e do Estado do Rio, o historiador e professor da UFF Aristides Soffiati foi incisivo:

— Aos 100 dias de gestão Jair Bolsonaro, o povo já fez sua avaliação: o pior eleito desde a redemocratização do país. A impopularidade decorre da inoperância do governo pelas forças distintas que o compõem. A linha neoliberal aposta na reforma da Previdência. Os conservadores enfatizam a questão ideológica. O ministro da Educação e Cultura Gustavo Capanema, na ditadura Vargas, era conservador. E se cercou de artistas como Drummond, Portinari e Villa-Lobos, sem lhes pedir atestado de ideologia. Já o conservadorismo de Bolsonaro, filhos e alguns ministros é tacanho. A terceira força é representada por militares e tem se mostrado a mais moderada e pragmática. Quanto ao governo de Witzel, ele buscou se associar a Bolsonaro nas eleições. Mas agora, com os atos desastrosos do presidente, começa a se afastar.

Carlos Abraão Moura Valpassos

Quem também falou do afastamento de Witzel de Bolsonaro, após a queda de popularidade do presidente, foi o antropólogo Carlos Abraão Moura Valpassos, professor da UFF:

— Witzel parece já ter iniciado sua campanha à presidência, desvinculando sua imagem da de Jair Bolsonaro. Na Alerj, não são rechaçados políticos do PT e ocorre uma aproximação com o grupo de Anthony Garotinho. Após se eleger com o discurso de combate à “velha política”, o governador se alinha aos modos “tradicionais” de governar. Os primeiros 100 dias de Bolsonaro são marcados pela dificuldade de articulação entre suas fantasias ideológicas e o mundo real. A incapacidade de articular politicamente a reforma da Previdência coloca o governo em maus lençóis. Concessões serão necessárias e o presidente precisará, cedo ou tarde, entender que o palanque já passou. O país se arrasta sem planejamento estratégico, mas com muitas “listas de desejo”, como bem definiu a deputada federal Tabata Amaral (PDT/SP).

Hamilton Garcia

Cientista político e professor da Uenf, Hamilton Garcia analisou os caminhos políticos diferentes dos dois governos, mas com resultados talvez semelhantes:

— Bolsonaro montou um ministério de costas ao fisiologismo do Legislativo e agora precisa aprovar reformas com os votos dele. Grande parte das medidas governamentais que precisam passar pelo Congresso não são do interesse particular dos segmentos que ele representa, inclusive as leis anticrime. Elas devem contar com o apoio social para impedir que o Centrão as sequestre. Nessa aposta inicial no diálogo e na negociação, Bolsonaro perde popularidade. No caso de Witzel, o caminho foi distinto: o apoio à eleição de Ceciliano (PT) à presidência da Alerj parece ser uma composição com o fisiologismo político para governar. Como tal sistema implica em baixa efetividade do governo com altos custos, é de se esperar um desgaste crescente na popularidade do governador.

Hugo Borsani

Também cientista político e professor da Uenf, Hugo Borsani se absteve de analisar o governo Witzel, por passar os primeiros meses do ano em seu Uruguai natal. Mas falou dos 100 dias de Bolsonaro:

— Destaco três características, todas negativas. Em primeiro lugar a falta de capacidade para criar as condições políticas para governar. Essa ignorância do que implica a práxis política no Brasil e em qualquer lugar do mundo, reflete-se nos contínuos desencontros entre os próprios grupos que o apoiam. A segunda característica é a determinação por criar a própria verdade, negando fatos incontestáveis em diferentes áreas do conhecimento: que em 1964 não houve golpe de Estado, que o nazismo é de esquerda, que as mudanças climáticas são questão de opinião, ou que a medição do desemprego que faz o IBGE está errada, se assemelhando às posições de Maduro ou Cristina Kirchner. Por último, a falta de postura presidencial, observada no seu desempenho no Fórum Econômico Mundial, em Davos, e o famoso episódio do vídeo de Carnaval.

Júlio Esteves

Outro que tem acompanhado pouco o governo estadual, preferindo analisar o federal foi Júlio Esteves, professor de filosofia da Uenf:

— Com exceção das inúmeras dificuldades criadas, não pela oposição inoperante, mas por membros do próprio governo Bolsonaro, só poderia destacar as viagens que indicam promissoras mudanças de rumo nas nossas relações internacionais, mas, por ora, com escasso resultado prático. É muito pouco tempo. Não daria mesmo para fazer passar a inadiável reforma da Previdência. Entretanto, ao defender sozinho o projeto de reforma diante de uma esquerda disposta a perpetuar privilégios, Paulo Guedes fez mais por ela num só dia do que Bolsonaro nos 100. Com toda sinceridade, não tenho acompanhado muito de perto o governo estadual, apesar de ser meu patrão. No meu modo de ver, a batalha travada a nível federal sobre a reforma da Previdência é a decisiva até para a viabilidade dos governos estaduais.

Rafael Crespo Machado

Ministro da Justiça e Segurança de Bolsonaro, Sérgio Moro é ex-juiz federal como Witzel. Mas advogado e professor de Direito do Uniflu, Rafael Crespo Machado questionou os governos na área jurídica:

—  Vejo, com muita cautela, a rapidez com que se pretende aprovar projetos que afetam radicalmente o ordenamento jurídico, como, por exemplo, a reforma da Previdência e o pacote anticrime. Na primeira, se preveem valores aquém do salário mínimo para o benefício de prestação continuada, o que fere a dignidade humana. No segundo, embora existam acertos, no Congresso Nacional, tramitam há anos projetos de novo Código de Processo Penal e novo Código Penal. Por que não aproveitá-los, já que passaram por inúmeras discussões com diversos representantes da sociedade? Julgo correta a conduta do novo governador de conferir uma maior atenção às forças policiais. Todavia, reputo como inadequados discursos que lembram a política de tolerância zero, já adotada nos Estados Unidos.

Roberto Dutra

Professor da Uenf, o sociólogo Roberto Dutra destacou a falta de programa das administrações federal e fluminense:

— No lugar do inexistente programa de governo, Witzel aposta na continuidade do clima de “populismo penal” em relação à segurança pública. Na economia, o governo conta com a tendência de retomada do petróleo. Alçado ao poder pela onda conservadora criada por Bolsonaro, Witzel arrisca um distanciamento do presidente, tentando ser opção à direita. Sem programa e sem organização partidária, Bolsonaro aposta na contínua polarização ideológica vitoriosa na campanha para fidelizar sua base de extrema-direita. A vertiginosa queda de popularidade torna a estratégia cada vez mais arriscada. O enfraquecimento das perspectivas de poder alimenta as defecções, não só no Congresso, como também na campanha paralela do vice Mourão. A resposta é esse prolongamento da “guerra cultural”, usando os ministérios da Educação e das Relações Exteriores como linha de frente.

Guiomar Valdez

Historiadora e professora do IFF, Guiomar Valdez foi bastante crítica aos 100 primeiros dias do presidente e do governador:

— A vitória de Bolsonaro não me surpreendeu. Concluo que vivenciamos o “triunfo da razão cínica”. Uma combinação de Nova República inconclusa, com a permanência repaginada de um aparato repressivo traduzido em leis, decretos e instituições, que refuta a ampla liberdade democrática liberal em nome da estabilidade. Suas ações governamentais são centradas no completo abandono das urgentes e dramáticas questões sociais a serem solucionadas. Witzel também não enganou ninguém sobre sua política de Segurança Pública. Os snipers já estão aí. Cem dias depois, ele é um vitorioso do ponto de vista da desumanização, com números recordes: 1.434 tiroteios (fev/mar); 429 mortos (jan/fev), de acordo com o Instituto de Segurança Pública e Fogo Cruzado.

Goerge Gomes Coutinho

Sociólogo e cientista político, o professor da UFF George Gomes Coutinho vê diferenças entre o presidente e o governador:

— Nos primeiros cem dias cabe ao analista tentar encontrar o DNA do governo, suas características invariáveis e persistentes que podem interessar nos próximos anos. Prosseguindo, arrisco dizer que nos casos Witzel e Bolsonaro há núcleos duros discerníveis. A composição orgânica do governo Bolsonaro é bastante diversificada. Para citar apenas um exemplo: os discursos de Ernesto Araújo e Paulo Guedes, suas visões de mundo, não são apenas conflitantes. São antagônicas. O governo Bolsonaro em seus discursos e narrativas é um mosaico. Sobre Wilson Witzel, há menor isolamento. Ele demonstra maior esforço em dialogar com setores que vão muito além dos grupos que o elegeram. Neste tocante há maior elasticidade de sua atuação enquanto governador. Para Witzel o discurso mais propenso a criar cisões se encontra no campo da segurança pública.

 

Página 2 da edição de hoje (10) da Folha da Manhã

 

Publicado hoje (10) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 3 comentários

  1. Fernandino Fernandes

    Academia da cidade votou em Bolsonaro, mas quais dos entrevistados de forma especifica não lacrou 13 nas urnas?

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Fernandino,

      O voto é secreto. Mas como o PT não chegou nem perto de disputar o segundo turno do governo do Rio, creio que vc se refere apenas à administração Bolsonaro. Sobre ela, se ler mais atentamente, vai perceber que pelo menos dois acadêmicos trouxeram análises positivas.

      Abç e grato pela participação!

      Aluysio

  2. Victor

    Está claro no título: foi a cidade que votou em Bolsonaro e Witzel, e não necessariamente a respectiva academia.

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