O longo e emaranhado fio que hoje levou à outra prisão (aqui) do casal Garotinho, por conta do Morar Feliz, como noticiou toda a mídia nacional, começou a ser puxado pela Folha da Manhã ainda em 29 de maio de 2009. Naquele dia a coluna Ponto Final, ainda com o falecido jornalista Aluysio Cardoso Barbosa como seu titular, antecipou que a primeira licitação do Morar Feliz no governo Rosinha (hoje Patri) teria sido montada com critérios para garantir a vitória da Odebrecht.
Confira na reprodução abaixo:
O impacto daquela revelação foi tanto que a licitação, cujo resultado seria anunciado naquele mesmo 29 de maio de 2009, acabou adiado quase quatro meses. Até finalmente ser publicado em Diário Oficial em 23 de setembro do mesmo ano. O que não mudou foi o resultado: a Odebrecht levou a primeira bolada de quase R$ 358 milhões do Morar Feliz. Até o final dos oito anos do governo Rosinha (hoje, Patri), o programa de construção de casas populares levaria quase R$ 1 bilhão dos cofres públicos de Campos, maior licitação dos 184 anos de história do município.
A denúncia inicial da Folha em 2009 não gerou nenhuma investigação do Ministério Público local. Até que, em 22 de fevereiro de 2016, a 23ª fase da operação Lava Jato, batizada de “Acarajé”, encontrou na residência de Benedicto Barbosa da Silva Júnior planilhas com as doações da Odebrect a cerca de 300 políticos de 22 partidos. Entre eles, Anthony, Rosinha e Clarissa Garotinho, que teriam recebido dinheiro de caixa dois da construtora em suas campanhas eleitorais. Como executivo da Odebrecht, foi Benedicto quem assinou (aqui) com Rosinha o primeiro contrato do Morar Feliz. O mesmo cujo resultado o Ponto Final antecipou.
Confira o contrato e suas assinaturas na reprodução abaixo:
No inquérito da Polícia Federal assinado à época pelo delegado Filipe Hille Pace, ficou evidenciado o papel de Benedicto como elo de ligação do dinheiro que circula entre a Odebrecht e os políticos: “É possível verificar que Benedicto é pessoa acionada por Marcelo Odebrecht para tratar de assuntos referentes ao meio político, inclusive a obtenção de apoio financeiro”
Em 28 de março de 2016, as investigações da Lava Jato avançaram. As empresas Leyroz e Praiamar seriam usadas (aqui) como “laranjas” para os repasses da Obebrecht a políticos. As duas empresas eram distribuidoras de bebidas que trabalham com o grupo Petrópolis, da cerveja Itaipava. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 1º de setembro de 2010 a Leyroz doou R$ 800 mil ao diretório estadual do PR (á época, partido do Garotinho), enquanto a Praiamar, no mesmo dia, fez uma doação registrada ao mesmo beneficiário no valor de R$ 200 mil.
Confira baixo a reprodução das doações registradas no TSE:
Já nas planilhas da Odebrecht apreendidas pela Lava Jato na casa de Benedicto, Anthony Garotinho apareceu como “beneficiário” de uma doação no valor de R$ 1 milhão em 1º de setembro de 2010 — mesmo dia e valor das duas doações somadas da Leyroz e Praiamar. Ambas foram declaradas pelo PR ao TSE, que não registrou nenhuma doação da Odebrecht a Garotinho em 2010, ano em que disputou e ganhou seu último mandato, como deputado federal.
Confira abaixo a reprodução das doações do PR a Garotinho registradas no TSE, no mesmo dia e valor das doações da Leyroz e Praiamar:
Encurralado pela Java Jato, na qual chegou a ser preso e fazer companhia a Marcelo Odebrecht, Benedicto se preparou para entregar o que sabia também sobre Garotinho. Em 09 de julho de 2016, a jornalista Vera Magalhães anunciou na coluna Radar Online, da revista Veja:
Quase um ano depois, após extensas negociações entre os advogados da Odebrecht e os procuradores do Ministério Público Federal (MPF), saiu a chamada “delação do fim do mundo”, divulgada à imprensa nacional em abril de 2017. Nela os executivos da maior construtora do país contaram o que sabiam sobre as relações promíscuas com os políticos brasileiros.
Além de Benedicto, Leandro Andrade de Azevedo foi outro executivo da Odebrecht que também assinou com Rosinha o contrato do Morar Feliz. Em dezembro de 2016, os dois delataram (aqui e aqui) o pagamento em favor de Rosângela Barros Assed Matheus de Oliveira (Rosinha Garotinho), nos anos de 2008 e 2012 de vantagens não contabilizadas, quando da campanha eleitoral para a Prefeitura Municipal de Campos (…) No mesmo contexto, narra-se o repasse de recursos também em favor de Anthony William Matheus de Oliveira (Garotinho), para fins da campanha eleitoral do ano de 2014, quando candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro”.
Confira nos dois vídeos abaixo as delações dos dois ex-executivos da Odebrecht sobre os repasses feitos pela empreiteira ao casal Garotinho:
Designado por Benedicto para operacionalizar os pagamentos aos Garotinho, Leandro relatou o repasse de caixa dois no valor de de R$ 5 milhões para a primeira campanha de Rosinha a prefeita, a pedido do seu marido, o ex-governador Anthony Garotinho (PR). Nos cálculos de Leandro, o repasse foi de cerca de R$ 20 milhões, sem contar a campanha a deputado federal de Garotinho em 2010.
Leandro destacou, também, que o dinheiro era entregue, em espécie, no escritório de Garotinho do Palavra de Paz, o Rio. Durante a delação, ele citou que a empresa do ex-governador vendia bíblia. Só um repasse, que atrasou, foi deito em um escritório de obras da Odebrecht na Tijuca. De acordo com Leandro, Garotinho designou uma pessoa para buscar o dinheiro no dia 13 de agosto de 2012: só nesse dia, R$ 1,5 milhão.
O ex-executivo da Odebrecht também falou sobre o contrato do Morar Feliz. Após o início da obra, apesar de a prefeita ser Rosinha, todos os assuntos eram tratados com Garotinho:
— Existia uma dedicação minha, como empresário, de estar sempre cobrando ele: olha, a fatura venceu; o cara não pagou esse mês, preciso que pague no próximo. Isso eu não fazia com a Rosinha Garotinho, nem com o secretário de Obras. Talvez minha equipe fizesse com o secretário. Eu procurava o ex-governador Garotinho para tratar isso. Ele sempre atendeu, com presteza, os meus pedidos de reuniões.(…) Eu acabei tendo uma convivência com o ex-governador Garotinho, operacional, por causa do programa Morar Feliz.
As delações de Benedicto e Leandro foram publicados no Diário Oficial da Justiça, do TSE, em abril de 2017, na petição em que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o envio à instâncias inferiores para que fosse decidido pelo juiz a instauração do inquérito. Fachin declinou competência porque o casal não tinha (nem teve desde lá) foro privilegiado.
Com o caso de volta à Justiça de Campos, os dois ex-executivos da Odebrecht foram obrigados a vir ao muncípio em 26 de junho de 2017. E aqui confirmaram na 1ª Promotoria de Tutela Coletiva do Ministério Público Estadual tudo que haviam delatado ao MPF, em dezembro de 2016, na “delação do fim do mundo”.
Confira abaixo os principais trechos do que Leandro e Benedicto confirmaram ao MP de Campos sobre as relações do casal Garotinho com a Odebrecht:
Do que foi revelado pelo Ponto Final em 2009 até ontem, mais de 10 anos depois, isso é o que se conhecia sobre o caso. A novidade veio na manhã de hoje, com a nova prisão do casal Garotinho, no Rio de Janeiro, por determinação da 2ª Vara Criminal de Campos.
Confira a reportagem completa na edição desta quarta (04) na Folha da Manhã