“É como se fosse uma crise anunciada. Em que você vê muita gente que pensa assim: ‘Ah, ninguém imaginava que isso nunca poderia acontecer’. Ninguém, porque não estão prestando atenção no que os pesquisadores estavam falando na última década, que a gente estava vivendo uma situação muito clara de que isso era uma questão de tempo. Não era questão ‘se’ ia acontecer, mas de ‘quando’ ia acontecer. E agora a gente está em uma situação de ter que lidar com isso, já que o processo de prevenção não foi feito de maneira adequada. De alguma maneira isso vai passar pela gente, o mundo inteiro está correndo atrás de tentar resolver isso. Mas existe a chance de que vai ocorrer em um curso mais logo do que a gente gostaria”. Foi assim, como algo até certo ponto esperado e evitável, que Leandro Rabello, professor de biologia evolutiva da Uenf, analisou a pandemia da Covid-19 no Folha no Ar do início da manhã de hoje, na Folha FM 98,3.
Indagado se uma segunda onda da doença pode ocorrer, como há suspeita de estar se iniciando na China e Coréia do Sul, com base no que ocorreu com a última pandemia enfrentada pela humanidade, a da gripe espanhola do Influenza do H1N1 entre 1918 e 1920, Leandro fez algumas ressalvas do ponto de vista científico:
— Uma coisa que os coronavírus de uma maneira geral diferem dos vírus Influenza, que é de uma outra família, é que a taxa de mutação dos coronavírus é menor. O que determina essas ondas de infecção é o parâmetro do R0, que é a medida de transmissibilidade média. Isso depende muito de quantas pessoas tem doentes, quantas saudáveis, suscetíveis e quantas estão imunizadas. Essa imunização pode ocorrer porque a pessoa teve a doença e se recuperou, ou porque foi vacinada. Então, os epidemiologistas estão tentando fazer medidas para mudar esse parâmetro, para tentar evitar o espalhamento dessa doença, sem você ter a ferramenta da vacina. Então o número de doentes, suscetíveis e imunizados vai variando ao longo do tempo. É claro que você pode ter uma segunda onda. Mas, por enquanto, não tem nenhuma evidência que essa segunda onda seja de um vírus geneticamente diferente dessa primeira onda que está indo.
Mesmo se o vírus da Covid-19 não sofrer nenhuma mutação, o que nada até agora indicaria, a questão do isolamento social ainda vai variar de acordo com a diminuição e aumento do número de casos, para evitar o colapso dos sistemas de saúde do mundo. Foi o que professor da Uenf, à qual voltou após lecionar Ciência Naturais quatro anos na Universidade de Hull, na Inglaterra, explicou:
— Com o isolamento, as pessoas estão deixando de pegar o vírus agora e vão pegar mais para frente, numa segunda situação. É de se esperar que, com o isolamento sendo relaxado, você vá tendo outras ondas acontecendo. Mas se você não mudar grande coisa no vírus, o que parece ser por enquanto o caso, essas ondas não serão tão grandes assim. Mas vão acontecendo e esse isolamento tem que ser reimposto para você ter certeza que não vai sobrecarregar o sistema de saúde. Por isso os países estão pensando em relaxar, mas têm que ficar de olho para não sobrecarregar o sistema de saúde. Enquanto você não tiver como mudar a proporção de pessoas imunizadas, por vacinação, você tem que ficar fazendo esse controle para evitar o colapso. Mas o cenário mais perigoso, mais mortal, até agora não tem nenhuma evidência de que seja o caso. Pelo histórico evolutivo dos coronavírus como um todo, pode ser que não aconteça isso em um período relativamente curto. Mas a gente não tem como ter certeza.
Com os trechos da matéria extraídos do segundo bloco, confira nos vídeos abaixo os três da entrevista do Folha no Ar de hoje com Leandro Rabello Monteiro, professor de biologia evolutiva da Uenf. No terceiro, ele esclarece as dúvidas geradas por teorias conspiratórias no Brasil e mundo afora: qual é a origem no novo coronavírus?