Na morte de Esdras, o jornalismo que ele fez em vida

 

Esdras em seu último grande trabalho, a esposição fotográfica “Flores e Papiros”, no último dia 3, na Femac (Foto: Rodrigo Silveira/Folha da Manhã)

 

 

Esdras e Aluysio (I)

Morreu ontem, aos 63 anos, o repórter-fotográfico e colunista social Esdras Pereira. Enfrentou, em junho de 2020, uma infecção muito grave de Covid. E, cinco meses depois, descobriu um câncer do sangue que lhe tirou a vida. Orgulhoso como poucos em ser Folha da Manhã, ele já era antes dela existir. Na realidade diária das ruas, vivia o sonho do jornalista Aluysio Barbosa, que fundou este jornal em 8 de janeiro de 1978. Cinco meses antes, os dois foram ao mar pescar um furo internacional de jornalismo, que mudaria definitivamente a cara da região: o primeiro carregamento comercial de petróleo na Bacia de Campos. Era 13 de agosto de 1977.

 

Esdras e Aluysio (II)

Aluysio e Esdras se tornaram referência nacional na cobertura dos fatos mais importantes da exploração de petróleo na Bacia de Campos, como a explosão da plataforma Enchova 1, em 18 agosto de 1984 (Fotos: Jorge Arújo/Reprodução do Jornal do Brasil)

Já em processo de gestação da Folha, Aluysio estava adoentado. Esdras foi cobrir uma pauta corriqueira ao meio-dia: buracos na pista do aeroporto de Campos. Ao notar no saguão um estrangeiro falando em inglês, pediu a um piloto de helicóptero que o ajudasse na tradução. O “gringo” revelou trabalhar no dimensionamento do primeiro carregamento comercial de petróleo na Bacia de Campos, que acontecia naquele momento. Deu também a longitude a latitude da operação em alto mar, com as quais Esdras foi correndo à casa de Aluysio. Ao ouvir do que se tratava, o jornalista deu um pulo da cama, em súbita recuperação.

 

Esdras e Aluysio (III)

A questão do petróleo em Campos se tornara de honra profissional para Aluysio. Dois anos antes, no inverno de 1975, ele e Esdras estavam em Atafona. Passando de carro pela av. Atlântica, eles viram duas tendas armadas na praia, com uma grande antena de rádio. Pararam o carro e caminharam até elas. Onde um rádio operador brasileiro revelou que havia sido descoberto petróleo em quantidade comercial na Bacia de Campos. Aluysio emplacou a matéria no Jornal do Brasil (JB), à época o maior jornal carioca, do qual era correspondente em Campos, em dupla afinada com Esdras. Mas a ditadura militar (1964/1985) do Brasil negou.

 

Esdras e Aluysio (IV)

Com as coordenadas conseguidas por Esdras do que tinha antecipado dois anos antes, Aluysio recorreu ao amigo Geraldo Coutinho, proprietário da Usina Paraíso. Ele tinha um avião bimotor e tinha como piloto um ex-militar português, veterano da Guerra de Angola (1961/1974). Ele informou ao controle de voo um plano de ida e volta ao Farol de São Thomé.  Lá chegando, desceu a uma altitude mínima, para não fossem detectados pelo radar. O destino real era o carregamento de petróleo, a 56 milhas do litoral. Quando chegaram à plataforma abastecendo o petroleiro, o avião subiu e fez três voltas para permitir os registros fotográficos.

 

Esdras e Aluysio (V)

Pela lente teleobjetiva, Esdras notou que alguém no deck do navio observava o avião com binóculos, passando seu prefixo para outra pessoa, que anotava numa prancheta. Após o fotógrafo bater dois filmes de 36 poses cada, Aluysio determinou o retorno. Era o final de tarde daquele dia agitado, quando, pelo rádio da aeronave, os três foram comunicados que tinham invadido um espaço aéreo fechado por questão de Segurança Nacional. O Brasil vivia sua última ditadura militar (1964/1985). Na volta, já no cair da noite, perceberam pela janela do avião uma Kombi branca conhecida da Polícia Federal sob um poste de luz do aeroporto.

 

Esdras e Aluysio (VI)

Quando o bimotor pousou, foi até o final da pista para fazer a volta até o desembarque, o piloto desligou rapidamente o avião, para que suas hélices não atingissem Esdras. Orientado por Aluysio, ele desceu pela asa e se jogou sobre o capim-colchão, plantado em volta da pista para tentar amenizar qualquer eventual pouso forçado. Com a máquina numa mão e a chave do carro de Aluysio na outra, Esdras caminhou abaixado até o aeroclube, onde estava estacionado o Chevette amarelo do parceiro. Ligou o carro e, com os faróis apagados, saiu sorrateiramente do aeroporto. Aluysio e o piloto foram presos pela PF ao descerem do avião.

 

Esdras e Aluysio (VII)

Capa do Jornal do Brasil de 14 de agosto de 1977, com a foto de Esdras e as informações de Aluysio, noticiando o primeiro carragemento comercial de petróleo da Bacia de Campos

Esdras chegou à casa, revelou os filmes e ligou ao JB. Avisou que Aluysio e o piloto estavam presos, mas que ele mandaria os negativos por um passageiro embarcando em voo ao Rio. Voltou ao aeroporto, onde o jornalista e o aviador eram interrogados, e pediu a alguém que levasse os filmes. Diante da recusa, quem vinha atrás se ofereceu para levar. O fotógrafo anotou o nome da pessoa, descrição, trajes e passou ao JB. Que, dia seguinte, anunciou na capa o primeiro carregamento de petróleo na Bacia de Campos. A notícia correu o mundo e ditadura, sem ter mais o que fazer, mandou a PF soltar Aluysio e o piloto português.

 

Esdras e Aluysio (VIII)

Aluysio e Esdras formaram a maior dupla repórter/fotógrafo da centenária história do jornalismo de Campos. Quem considerava isso eram os seus colegas da imprensa carioca, onde ambos brilharam em várias outras pautas, várias outras capas. O “furo” da capa do JB em 14 de agosto de 1977 está no livro “Jornal do Brasil, História e Memória — Os Bastidores das Edições mais Marcantes de um Veículo Inesquecível”, da jornalista Belisa Ribeiro. Aluysio morreu em agosto 2012; Esdras, neste novembro de 2021. Aos profissionais e leitores da Folha, o jornalismo que ambos praticaram está vivo. E se escreve todo dia.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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