Qualquer eleição de segundo turno é sempre definida pela rejeição. O que favorece o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas todos os analistas também concordam que a disputa final entre os dois na urna de 30 de outubro, daqui a exatos 15 dias, terá outro fator determinante: a abstenção. Como todas as pesquisas também apontam que a maior vantagem de Lula é entre os votos dos mais pobres e com menor escolaridade, as dificuldades de locomoção naturais desse eleitor podem favorecer a Bolsonaro. Jornalista da Globo News, com fontes nos QGs dos dois presidenciáveis, Gerson Camarotti afirmou ontem: “a abstenção virou o foco principal das duas campanhas”.
ABSTENÇÃO EM 2014, 2018 E 2022 — No 1º turno de 13 dias atrás, não compareceram à urna 32 milhões dos mais de 156 milhões de brasileiros aptos a votar. Foi uma abstenção de 20,95% do eleitorado, que é sempre maior no turno final, sem ter mais o estímulo do voto a deputados e senador. Em 2014, por exemplo, os 19,39% de abstenções no 1º turno cresceram para 21,10% no 2º turno. Em 2018, quatro anos depois, os 20,32% de abstenções no 1º turno cresceram para 21,29% no 2º turno. Se a abstenção no 1º turno de 2022 já cresceu sobre a registrada em 2014 e 2018, nada indica que vá ser diferente no 2º turno. E quem são os eleitores que não compareceram à urna de dois domingos atrás? Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem os dados análogos de escolaridade do eleitor, mas não de renda, 55% dos ausentes no 1º turno completaram, no máximo, o ensino fundamental. Eles representam 40% do total dos votantes.
PESQUISA QUE MAIS ACERTOU — Nas pesquisas que saíram esta semana, com recortes na escolaridade do eleitor, fica evidenciado como Lula foi quem mais perdeu com as abstenções no 1º turno. Como pode perder ainda mais se essas ausências aumentarem na mesma proporção no 2º turno. Entre as pesquisas que mais acertaram o resultado das eleições, está a do instituto Atlas. Divulgada em 1º de outubro, deu a Lula 50,3% dos votos válidos, sem contar os brancos e nulos, com 41,1% a Bolsonaro. No dia seguinte, concluída a apuração do 1º turno, o petista teve 48,43% dos votos válidos (1,87 ponto a menos), com 43,20% (2,1 pontos a mais) do capitão. Na média, a diferença entre projeção e urna foi de apenas 2 pontos.
LULA 52,4% x 47,6% BOLSONARO — Feita de sábado (8) a quarta (12) e divulgada na quinta (13), com 4.500 eleitores consultados pelo inovador sistema de Recrutamento Digital Aleatório (RDA), com margem de erro de 1 ponto para mais ou menos, a última pesquisa Atlas endossou a liderança de Lula em todos os demais levantamentos do 2º turno, com 52,4% dos votos válidos, contra 47,6% de Bolsonaro — 4,8 pontos atrás. Entre aqueles que mais se abstiveram no 1º turno pelos dados do TSE, o petista lidera na Atlas com 56,5% dos votos válidos entre os eleitores, contra 43,3% do capitão (13,2 pontos atrás), entre os eleitores com educação formal até o ensino fundamental. É a maior vantagem de Lula entre os votantes por faixa de escolaridade.
ELEITORA MAIS LULA E ABSTENÇÃO — Em todas as faixas da pesquisa que mais acertou a urna do 1º turno, a Atlas identifica bem a eleitora majoritária de Lula. Além de ter até o ensino fundamental, ela é mulher (60% dos votos válidos, contra 37,3% de Bolsonaro), tem mais de 60 anos (65,5% a 32,1%), é católica (54,5% a 43,7%), da região Nordeste (64,1%), tem renda familiar até R$ 2 mil (66,7% a 31,8%) e recebe o Auxílio Brasil (62,2% a 36,1%). A elevação do benefício federal a R$ 600,00 pelo governo Bolsonaro desde agosto, com os R$ 41,25 bilhões da PEC Kamikaze, foi pensada como a “bala de prata” da tentativa de reeleição do presidente. E, pelo menos até aqui, se revelou um “tiro no pé”. Mas pode não ser se essa eleitora se abstiver de votar em 30 de outubro.
ELEITOR MAIS BOLSONARO E ABSTENÇÃO — Por outro lado, o eleitor majoritário de Bolsonaro não deve ter problemas de locomoção para votar no 2º turno. Além de ter até o ensino médio (49,7% dos votos válidos, contra 46,8% de Lula), ele é homem (57,3% a 40,6%), de 35 a 44 anos (53,7% a 44,5%), é evangélico (65,4% a 31,7%), da região Centro-Oeste (61,6% a 36,5%), tem renda familiar de R$ 3 mil a R$ 5 mil (57,3% a 40,4%) e não recebe o Auxílio Brasil (49,1% a 48,3%). Este eleitor, no entanto, pode ter outros fatores de estímulo à abstenção no 2º turno, que não teve no 1º. Na terça seguinte ao domingo da eleição em 30 de outubro, 2 de novembro, é o feriado do Dia de Finados. O que pode levar parte de classe média, média alta e alta, com carro próprio e mais renda, a aproveitar o final de semana anterior e enforcar a segunda em feriadão prolongado.
ACERTOS E ERROS DO 1º TURNO — À exceção do acerto de institutos como Atlas e MDA — este, ainda não fez pesquisa neste 2º turno —, muitos outros acertaram a votação de Lula em 2 de outubro, mas subestimaram fora da margem de erro a votação de Bolsonaro. Erros que foram justificados pelo “voto útil” pregado pelo PT no 1º turno. Que saiu pela culatra na migração de parte dos eleitores do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), da senadora Simone Tebet (MDB) e indecisos. Seriam antipetistas que, diante da possibilidade de o PT vencer a eleição presidencial no 1º turno apontada em todas as pesquisas, acabaram migrando nas últimas 24 horas ao capitão. Mas como Lula acabou não fechando a fatura em 2 de outubro por apenas 1,47 ponto + 1 voto, a abstenção foi também considerada outro fator determinante.
RESPOSTA DA QUAEST — Divulgada em 1º de outubro, véspera do 1º turno, a pesquisa Quaest acertou de maneira quase exata a votação de Lula, a quem deu 49% dos votos válidos e teve na urna 48,43%. Mas aquela pesquisa também deu 38% ao capitão, que teve 43,20% dos votos válidos, 5,2 pontos a mais que o projetado. Na média, seu erro foi de 5 pontos. Mas, entre os vários institutos que subestimaram a votação de Bolsonaro, o único que passou das justificativas ao erro à ação para tentar filtrá-los foi o Quaest Pesquisa e Consultoria.
FILTRO DA ABSTENÇÃO — Na quinta, saiu a segunda pesquisa Quaest deste 2º turno. Mas a primeira “a trazer uma novidade relevante, que é a utilização do modelo ‘likely voter’ (‘provável eleitor’) junto com os dados brutos da pesquisa. É um procedimento que visa minimizar os efeitos que a abstenção tem causado na capacidade dos institutos de estimar os votos na urna. Por meio de um modelo estatístico, avaliamos a probabilidade de cada eleitor de votar ou não votar. E, a partir daí, conseguimos interagir a chance de votar com a intenção de voto”, explicou o cientista político Felipe Nunes, com doutorado na UCLA da Califórnia e CEO da Quaest.
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LULA 53% x 47% BOLSONARO — As diferenças do novo filtro se revelam no contraste das projeções e alteração das suas tendências. Encomendada pelo banco Genial Investimentos, a nova pesquisa Quaest foi feita entre segunda (10) e quarta, com 2.000 eleitores entrevistados pessoalmente e margem de erro de 2 pontos para mais ou menos. Comparado com a anterior, de 6 de outubro, a consulta induzida mostra uma oscilação para cima de Lula, de 48% a 49% de intenções de voto; e a estagnação de Bolsonaro em 41%. Mas, filtradas pelo “likely voter”, essas tendências da semana anterior se invertem: Lula oscilou para baixo, de 54% a 53%; e Bolsonaro para cima, de 46% a 47%. Comparadas as intenções de votos, com seu peso pela disposição de votar, a vantagem de 8 pontos do petista ao capitão cai a 6 pontos.
SEM E COM FILTRO — Nas fatias, essas alterações também se refletem. No eleitor com escolaridade até o ensino fundamental, em que o TSE atestou ter se dado a maior abstenção no 1º turno, o ex-presidente cresceu 3 pontos entre as duas pesquisas Quaest do 2º turno, de 55% a 58% das intenções de voto. Por sua vez, Bolsonaro caiu os mesmos 3 pontos no mesmo período de uma semana, de 35% a 32%. Já com o filtro à abstenção do “likely voter”, o petista ficou estagnado em 65% na mesma faixa do eleitorado, enquanto o capitão também patinou em 35%.
ANÁLISE DO CIENTISTA POLÍTICO — “Levando em conta os resultados do 1º turno, é boa a iniciativa da Quaest em ponderar a preferência dos eleitores levando em conta sua tendência ao comparecimento, o ‘likely voter’. A tarefa, todavia, não é fácil: como saber, de antemão, qual candidato será mais afetado pelo não comparecimento? Nem todos os entrevistados que declaram ir votar o farão de fato. A participação real é geralmente menor do que a autodeclarada nas pesquisas. Os modelos tenderão a evoluir para o cruzamento da autodeclaração com a estimativa da abstenção, baseada nas abstenções do 1º turno e a predominância do voto por região, aumentando as chances de identificar quais candidaturas poderão ser mais impactadas pela decisão do eleitor de ficar em casa. Esse é somente um dos desafios postos às pesquisas nos dias atuais. Outros são a desestabilização da intenção de voto pela rapidez e descontrole das informações das redes sociais”, advertiu o cientista político Hamilton Garcia, professor da Uenf.
REJEIÇÃO — Considerada fundamental à definição a toda eleição de 2º turno, a rejeição segue liderada por Bolsonaro, como em todo este ano eleitoral. Hoje são 50% os brasileiros que não votariam nele de maneira nenhuma na Quaest, contra 42% de Lula — 8 pontos a menos no índice negativo. A Atlas não fez consulta padrão de rejeição. Mas quando perguntou se o eleitor tem uma imagem negativa ou positiva, 52% disseram ser negativa de Bolsonaro, contra 49% de Lula. A diferença de 3 pontos é bem menor. E será decisiva.