Poemas pretéritos imperfeitos
De Adriano Moura
por que temer as hienas
preparo a massa dos dias
com a farinha do trabalho.
aqueço o forno enquanto
ponho toalha pras hienas
que chafurdam seus focinhos
na prataria da mesa.
disfarçam a fome de carcaças
com o nó bem feito das gravatas.
da cozinha soo
a risada frustrada
sabendo que na sobremesa
das hienas, serei eu:
o homem que trabalha,
a carcaça triturada.
Saudade: SÓ
Olho o vazio de teus sapatos
Recordo as noites em que pisavas
Beijava-me a testa, te recolhias
À solidão noturna do quarto.
Levo-te flores no aniversário
Digo o verso epitáfio sozinho
Como montanha imóvel se sente.
Mas SÓ se tem saudade dos vivos.
Dos mortos, é o profundo silêncio
que se preenche não com o passado
SÓ
Com o presente.
SÓ
Se pode contar a história de um homem
Depois de sua morte.
Por isso levanto agora este tapete de memórias
Em que pisaste.
Quanta poeira, meu Deus, escondeste de mim todo esse tempo!
Corpus Christ
Há dias junto folhas
serragens e sementes
tinjo pedras e areias
pra confecção deste tapete
que hoje pisas sem cuidado.
Meu corpo é o pão
negado aos pobres.
Meu sangue
o vinho que bebes
depois do responsório em procissão.
Cultuas minha morte
e esqueces que voltei.
Sou este que te olha
sem sapatos nem camisa
sem telhado, sem chão.