MP enquanto classe, eleições, minorias e maconha no STF

 

Procurador de Justiça Cláudio Henrique da Cruz Vianna, campista reeleito ao 3º mandato consecutivo como presidente da Amperj (Foto: Amperj)

 

 

Desafio às urnas daqui a 95 dias

“A eleição municipal é muito mais desafiadora. Em eleição, o Ministério Público desagrada todo mundo. Lembro que numa eleição, como promotor de Campos, fui à Escola Técnica, hoje IFF, que estava com um monte de cartazes de um candidato. Disse ao diretor: ‘isso é crime eleitoral, um órgão público não pode fazer propaganda’”. Recordou na manhã de ontem (2), no Folha no Ar, o procurador de Justiça Cláudio Henrique da Cruz Viana. Campista, ele foi reeleito, no dia 10, ao 3º mandato seguido de presidente da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Amperj).

 

Redes sociais e fake news

“Hoje, temos outra questão: as redes sociais e as fake news; que sempre existiram. Mas era diferente, acontecia no próprio programa eleitoral e gerava direito de resposta. Hoje, o programa eleitoral gratuito (de rádio e TV) é o que menos importa. A campanha vai acontecer em rede social; isso é uma realidade. E com o avanço da tecnologia, agora com a inteligência artificial, é muito difícil ao Direito acompanhar todos esses avanços. Até que ponto o Estado tem que intervir? Isso não está regulamentado no Brasil, mas tem avançado mais na Justiça Eleitoral”, disse o procurador.

 

Impunidade desmoraliza Justiça

“A grande questão da Justiça é a impunidade, o seu caráter desmoralizante. Quando era professor de Direito Penal, eu dizia: ‘a certeza da pena é muito mais importante que o tamanho da pena’. Não adianta criminalizar tudo, essa tendência de dizer: ‘tem que aumentar a pena’. No trânsito, há a certeza de que a multa vai chegar se você avançar o limite de velocidade no radar. Você não vai ser preso, vai receber a multa, perder pontos na carteira. Mas é uma certeza, se for uma Ferrari ou um Fusca. Essa mensagem é muito importante na Justiça. E na política é o mesmo”, comparou Cláudio Henrique.

 

“Vingança” do PT e Centrão derrotada

Sobre seu terceiro mandato à frente da Amperj, o presidente disse: “É um novo mandato, mas é uma continuidade. Ser reeleito é um recado da classe, os promotores e procuradores, ativos e aposentados, do Ministério Público do Rio de Janeiro: o caminho que estamos trilhando é o melhor caminho. Tivemos nesse período um grande desafio nacional, que foi a PEC 05 (de 2021, também chamada de “PEC da Vingança”, numa resposta à operação Lava Jato), uma Proposta de Emenda Constitucional (de deputados do PT e do Centrão) que seria muito ruim ao interesse público e ao Ministério Público”.

 

Da questão nacional à estadual

“Essa PEC (05) visava tirar autonomia dos membros do Ministério Público para agir. Seria um grande retrocesso. Tivemos que trabalhar fortemente para impedir essa emenda constitucional. E obtivemos êxito graças à ajuda, principalmente, da imprensa e da sociedade civil. Outro momento que tivemos importante, no Rio de Janeiro, foi a reforma da Previdência Estadual (também em 2021). Trabalhamos junto a outras entidades de classe, da magistratura, da defensoria, da procuradoria do estado. E mostramos que era possível compatibilizar os interesses”, recordou o procurador.

 

Maconha no STF e crise entre Poderes

Indagado sobre a crise entre Poderes no Brasil, agora entre Judiciário e Legislativo, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a quantidade de maconha portada para se diferenciar usuário de traficante, gerando acusações do Congresso Nacional de atropelo de atribuição legislativa, Cláudio Henrique ponderou: “O avanço das leis e direitos sociais trouxe o Judiciário a discussões que antes eram dos outros Poderes. Essa é a ideia original de judicialização da política. A questão é quando isso passa ao ativismo judicial. O Judiciário é um Poder inerte, só age quando provocado”.

 

Judiciário legisla sobre Direito Penal?

“O ativismo judicial é quando o Judiciário passa a agir não a partir de uma provocação. Um exemplo forte foi quando o STF deu interpretação extensiva na lei de discriminação racial para entender como crime também a homofobia. Até em situações como essa, em que há um consenso positivo que deveria ser crime, teria que vir através do Congresso, não de decisão do STF. Aquela decisão pode nos ter agradado no varejo, por impedir a discriminação, mas pode ser um precedente no atacado para que o STF possa legislar sobre o Direito Penal, tirando isso do legislador”, explicou o presidente da Amperj.

 

Casamento homoafetivo, maioria e minoria  

“Quando o STF reconheceu o casamento de pessoas do mesmo sexo, se dependesse do Congresso Nacional, isso nunca seria votado e regulamentado. Porque a sociedade brasileira é conservadora nos costumes; essa é a verdade. E o Congresso é eleito por essa maioria para representá-la. O STF viria para defender o direito de uma minoria que não estivesse bem defendida pelo legislador. O problema todo é a medida. Até quando isso faz parte do sistema de freios e contrapesos, em que um Poder equilibra o outro; ou até que ponto um Poder avança sobre o papel de outro Poder?”, questionou o procurador.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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