Feijoada da Folha — Um outro olhar: ingredientes políticos

 

Capa do caderno especial “Feijoada da Folha — Um outro olhar”, publicado hoje na Folha da Manhã (edição: Aluysio Abreu Barbosa/diagramação: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

“Quantas histórias cabem em uma única história? Sem dúvida, muitas e incontáveis, especialmente quando se trata da histórica e tão repleta de fatos e fotos Feijoada da Folha, que chegou a sua 31ª edição”. Foi como abriu sua análise a jornalista Suzy Monteiro, convidada para uma mesa composta de mais três jornalistas (Edmundo Siqueira, Arnaldo Neto e Matheus Berriel), um economista (Alcimar das Chagas Ribeiro) e um sociólogo (Roberto Dutra), professores da Uenf; e um cientista político (George Gomes Coutinho), professor da UFF-Campos. No evento associado às elites regionais, uma elite intelectual e formadora de opinião.

A proposta é que cada um deles desse a sua visão da tradicional Feijoada, realizada no último sábado (29), no Rancho Gabriela, às margens do rio Paraíba do Sul e da estrada Campos/São Fidélis. Os quatro jornalistas, com suas visões sempre generalistas. E os três acadêmicos, como especialistas, analisando como fenômeno político, econômico e social. Para dividir essas histórias e visões em critério jornalístico, a proximidade das urnas municipais de 6 de outubro, daqui a apenas 93 dias, fez com que a política fosse o primeiro ponto de avaliação comum por essas diferentes visões:

— Na observação sobre o comportamento da classe política no evento em ano eleitoral, inegável e sensata discrição. Flanando entre mesas, os membros da classe política local pareciam reconhecer que o espaço era uma vitrine e o sorriso, um cartão de visitas fartamente distribuído. Caso não fosse possível ampliar alianças, que estas ao menos não fossem rompidas, e os caminhos de diálogo, especialmente com o empresariado local, deveriam ser cuidadosamente preservados e/ou construídos. Eu não faria diferente — admitiu o cientista político George Gomes Coutinho.

— Se cada político presente na tradicional Feijoada da Folha pudesse colocar uma “colherzinha” de sentimento em forma de tempero no prato principal, o sabor predominante seria o de otimismo. Dos mais bem colocados nas pesquisas até aos que, sob a ótica de analistas desapaixonados, dificilmente terão fôlego para a corrida, todos demostraram confiança no resultado das urnas. Como de praxe na festa realizada há 31 edições, a rivalidade fica da porta para fora. E se não há clima para acenos, assessores se esforçam para que os adversários não fiquem frente a frente — observou o jornalista Arnaldo Neto. Que seguiu:

— Atores políticos de Campos, Quissamã, São João da Barra e São Francisco de Itabapoana circulavam pelo espaço junto a empresários e nomes influentes de diversos segmentos. Para muitos, o momento era prioritariamente de descontração, mas político fala de política até quando se diverte. Via de regra: se está bem na pesquisa, a tônica é de ampliar a vantagem; senão, acredita que o jogo começa agora — contrastou Arnaldo.

— A feijoada é um ensopado com carne de porco, acompanhada de arroz, farofa, laranja e couve. A da Folha não era diferente. Embora alguns falem que ela teve origem na África, o Brasil se apropriou de seus significados. O prato, com base no feijão preto, assume contornos diferentes a depender da região, mas é sempre misturado. E assim como o Brasil, não é uma mistura ingênua, tampouco pacífica. Há muito de política em uma feijoada. Não é à toa que Chico já a cantou em verso, relacionando à anistia e ao trabalho da mulher. Uma feijoada pode ser tudo, menos irrelevante. Ela sempre tem algo a dizer — ressaltou Edmundo Siqueira, servidor federal e único jornalista da mesa a hoje integrar o Grupo Folha. Ele seguiu:

— Nessa Feijoada tipicamente campista até as folhas de louro e alhos amassados já sabiam que a classe política ia se fazer presente. E, assim como prega a feijoada, se misturaram. Oposição e situação estavam como convidados da Folha, não como adversários. Cada um fez a sua presença em separado, mas todos sabiam que ali era para misturar. Talvez a Feijoada da Folha seja o melhor momento de Campos para dar uma boa olhada nesses espelhos. Os políticos se veem refletidos em suas oposições, que passam comendo um canapé e entreolhando-se de rabo de olho — constatou Edmundo.

— Por que movimentos da natureza da Feijoada Folha não extrapolam o estágio político/social para uma interferência mais estratégica no ambiente socioeconômico do território? Fica a imagem da falta de sensibilidade das lideranças sobre a importância do coletivo e da evidência sobre esforços cada vez mais acentuados no âmbito da competição individual. É garantido que os resultados de longo prazo desse quadro nos levem a uma condição de perde/perde. É preciso entender a total inter-relação entre as unidades sociais e, sobretudo, que a fragilidade de uma tende a afetar direta e indiretamente a outra — pregou o economista Alcimar das Chagas Ribeiro.

— O esforço de governança observado no evento pode ser extrapolado para a solução de problemas estruturais no âmbito do território. Politicamente, é importante para estreitar os ciclos de aprofundamento da pobreza com oportunidade de trabalho e renda que criam dinamismo econômico e animam investimentos privados com geração de novas ondas de empego — projetou Alcimar.

 

Mesa 10 da 31ª Feijoada da Folha. Em pé: o sociólogo Roberto Dutra, os jornalistas Arnaldo Neto, Matheus Berriel, Suzy Monteiro, Edmundo Siqueira e Paula Vigneron, e o geógrafo e estatístico William Passos. Agachados: o jornalista Aluysio Abreu Barbosa e o cientista político George Gomes Coutinho (Foto: Vilson Correia)

 

— Em ano eleitoral, as atenções estiveram voltadas à movimentação dos pré-candidatos a prefeito, especialmente de Campos, cujo cenário teve movimentos importantes nas últimas semanas. A começar pelo professor Jefferson de Azevedo, ex-reitor do IFF, que fez da Feijoada uma passarela para oficialmente “botar o bloco na rua”. Já sem as limitações impostas pela antes possível candidatura da deputada estadual Carla Machado, Jefferson usou bem o primeiro evento público ao qual compareceu após ser oficializado como único pré-candidato do PT à Prefeitura goitacá. Sua presença em várias rodas de conversa sinalizou para o que deve acontecer nos próximos meses: uma investida maciça por apoio, buscando criar uma frente progressista que possa o conduzir ao 2º turno — registrou o jornalista Matheus Berriel. Ele continuou:

— Mais tímidas do que a de Jefferson, foram as aparições do prefeito Wladimir Garotinho, pré-candidato à reeleição pelo PP, e da delegada Madeleine Dykeman, representante oficial do maior grupo de oposição ao atual governo. Wladimir, por exemplo, cumpriu protocolo ao prestigiar um evento do maior grupo de comunicação da cidade. Quando ele chegou, “o bloco de Jefferson” já estava circulando havia mais de duas horas. Não que o gestor municipal tenha aberto mão de fazer sua pré-campanha. Acontece que, liderando as pesquisas com considerável vantagem sobre os concorrentes, ele pode ter mais a perder do que a ganhar em aparições públicas não oficiais. Daí a rápida passagem pela Feijoada, suficiente para demonstrar prestígio ao ser ciceroneado enquanto caminhava para integrar a foto oficial do evento — completou Matheus.

— Por mais privilegiada que seja a posição de classe de um político, ele não pode ignorar as demandas das classes populares se quiser sucesso na disputa eleitoral. A Feijoada da Folha foi, de certo modo, uma oportunidade para furar as bolhas, assim como vários outros eventos e reuniões informais também podem ser. A cidade tem muito a ganhar com esta combinação de competência com abertura a outras perspectivas, por exemplo, com políticos e cientistas que saibam compreender a importância da atividade alheia. No entanto, para serem mais competentes e mais abertas, nossas elites precisam ser mais populares, recrutadas em amplos setores sociais e não apenas em poucas famílias — cobrou o sociólogo Roberto Dutra.

— Devo ter começado a frequentar a Feijoada, trabalhando ou não, lá pela 10ª edição. E sempre impressiona o fato de o evento ser, desde sempre, disputado por quem quer ou precisa ser visto, lembrado ou reconhecido. Durante todo esse tempo, não foram raros os momentos em que adversários políticos se encontraram e se cumprimentaram, reconhecendo a Feijoada como espaço neutro. Já vi alguns até abraçados como melhores amigos, após ficarem anos trocando acusações — testemunhou Suzy.

 

Página 2 do caderno especial “Feijoada da Folha — Um outro olhar”, publicado hoje na Folha da Manhã (edição: Aluysio Abreu Barbosa/diagramação: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

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