Favoritos na guerra, na política e no basquete de Paris

 

O francês Victor Wembanyama, com 2,24m, é encoberto pela parábola da bola do armador Stephen Curry, de 1,88m, antes dela cair na cesta e marcar mais 3 pontos para os EUA, na final vencida contra a França na Olimpíada de Paris (Foto Getty Images)

Nem sempre os favoritos vencem. Maior conflito bélico da humanidade, a II Guerra Mundial durou seis anos: de 1939 a 1945. Ao final de junho de 1940, após invadir e conquistar Holanda, Bélgica e França no espaço pouco mais de seis semanas, e entrar com suas tropas marchando em Paris sob o Arco do Triunfo de Napoleão, a Alemanha nazista de Hitler era a grande favorita do confronto. Só que hoje, oito décadas depois, o mundo fala inglês, não alemão.

O favoritismo nazista se inverteu falando russo, na definição da Batalha de Stalingrado, em fevereiro de 1943. Após bater a biltzkrieg germânica, a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) só pararia em Berlim. Onde pôs fim, à bala, ao conflito na Europa. Enquanto todos os outros Aliados juntos, liderados pelos EUA, completavam o serviço do outro lado. É consensual entre historiadores e militares que foi o esforço de guerra em duas frentes que esgotou a Alemanha.

Maior teórico moderno da guerra, o alemão Carl von Clausewitz a definiu como “a política por outros meios”. E, na política, favoritos também acabam derrotados. Antes das eleições presidenciais dos EUA em 2016 e de governador do estado do Rio em 2018, Hillary Clinton e Eduardo Paes eram os respectivos favoritos a vencer em todas as pesquisas. E, como se sabe, Donald Trump acabou eleito à Casa Branca e Wilson Witzel ao Palácio Guanabara.

Seja no voto popular direto do sistema brasileiro ou no mais complexo do colégio eleitoral estadunidense, onde o presidente é eleito na soma de delegados de cada estado, os institutos de pesquisa fizeram ajustes metodológicos a partir de seus erros em 2016 e 2018. Como as companhias aéreas em seus procedimentos de checagem de equipamento e pessoal após cada acidente fatal no meio de transporte comprovadamente mais seguro.

Possíveis só a partir do advento hoje mais compreendido e mensurável das redes sociais, talvez o Trump de 2016 e o Witzel de 2018 sejam a exceção que confirma a regra. Como a endossaram os lulopetistas de 2018, os trumpistas de 2020 e os bolsonaristas de 2022, a regra é quase sempre a mesma: quem questiona pesquisas eleitorais sérias durante a campanha vai chorar a dor de corno no quente da cama com o resultado da urna.

Dos favoritos que se confirmam, nas pesquisas e bolsas de aposta, os exemplos são tão mais numerosos que é difícil escolher. Entre os mais recentes e marcantes mundialmente, há o da seleção de basquete masculina dos EUA na Olimpíada de Paris. À qual só levou sua força máxima após a provocação do velocista estadunidense Noah Lyles. Que disse após o Boston Celtics ser campeão da NBA em 17 de junho:

— Tenho que ver as finais da NBA e vê-los se chamando de “Campeões do Mundo”. Campeões mundiais do quê? Dos Estados Unidos? Não me leve a mal, eu amo os EUA, às vezes, mas não somos o mundo. Aqui (no Mundial de Atletismo), sim, somos o mundo. Aqui todos os países estão representados, lutando para ganhar. Na NBA não existem bandeiras. Devemos fazer mais. Devemos representar o mundo.

 

 

Após as principais estrelas dos EUA na NBA terem esnobado o Mundial de Basquete de 2023, no qual sua seleção nacional não passou do 4º lugar, o veterano astro LeBron James viu na provocação de Lyles uma janela de oportunidade. Convocou seus maiores rivais de geração na NBA, Stephen Curry e Kevin Durant, e os outros grandes jogadores estadunidenses da liga para Paris. E naturalizaram o pivô camaronês Joel Embiid para o jogo de garrafão.

Na estreia contra seu adversário sabidamente mais duro, os EUA bateram a Sérvia por 110 a 84. E fecharam a fase de grupos com 103 a 86 contra o Sudão do Sul e 104 a 83 sobre Porto Rico. Nas quartas de final, amassaram o Brasil por 122 a 87. E quando todos pensaram que viria outro passeio na semifinal, em outro confronto com a Sérvia, veio o maior susto do basquete masculino dos EUA em Paris.

Atrás do placar nos três primeiros quartos de jogo, os EUA só conseguiram virar no último após o astro sérvio Nikola Jokić cometer a quarta falta. Pendurado, ele não pôde ajudar mais na marcação efetiva, sob o risco de ser eliminado pela quinta falta. E, com quatro jogadores de fato na defesa adversária, brilhou a estrela de Stephen Curry. Que virou o placar com a última das suas 9 bolas de 3 pontos no jogo, a 2 minutos do fim. Final: EUA 95 a 91 Sérvia.

Curry impressionou não só pelo que jogou contra a Sérvia. Mas porque, até ali, em Paris, não tinha sido nem uma pálida sombra de quem comandou o Golden State Warriors em quatro títulos da NBA. E, pelo que fez na final do último sábado (10) contra a França, dentro da França, ele passou à história do basquete e das Olimpíadas. Acertou quatro arremessos de 3 pontos nos últimos 3 minutos de jogo. E deu a vitória e o ouro aos EUA por 98 a 87.

Na guerra, na política, nos esportes e na vida, nem sempre os favoritos vencem. Nem o brilho do ouro costuma ser tão contraditório e complementar quanto o de Nyles, nos 100 metros rasos de Paris, e de LeBron. Como se fossem EUA e URSS irmanados na II Guerra.

Mais rara que a vitória dos azarões é a parábola da bola de Curry.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

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