
Projeção de março
Quase seis meses atrás, a coluna projetou (relembre aqui) em 19 de março: “O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) será condenado por tentativa de golpe de Estado pelo STF. Possivelmente, em setembro, com pena que pode chegar a 40 anos de prisão. Provavelmente, pela unanimidade dos cinco ministros da 1ª Turma do STF. Talvez com o contraditório do ministro Luiz Fux na dosimetria”.
Bolsonaro, generais e almirante condenados
Em 11 de setembro, a condenação de Bolsonaro se confirmou (confira aqui) no STF, a 27 anos e três meses de prisão. Como foram condenados os outros sete réus do “núcleo crucial” da trama golpista. Entre eles, três generais do Exército: Walter Braga Netto (26 anos), Augusto Heleno (21 anos) e Paulo Sérgio Nogueira (19 anos). E um almirante da Marinha: Almir Garnier (24 anos).
Inédito na História do Brasil
A República foi parida no Brasil em um golpe militar de Estado, em 1889. E de lá aos outros seis golpes consumados e outras 16 tentativas nos mais de 130 anos depois, contado o 8 de janeiro de 2023, foi a primeira vez na História do Brasil que um ex-presidente, três generais e um almirante foram julgados. E condenados à prisão por atentarem contra a democracia.
Sem unanimidade, por 4 a 1
Diferente do previsto, a condenação de Bolsonaro não se deu por unanimidade da 1ª Turma do STF, mas por 4 votos a 1. O contraditório de Fux foi muito além da dosimetria. Ele votou pela absolvição de Bolsonaro, Heleno, Paulo Sérgio, Garnier, do deputado federal Alexandre Ramagem (pena de 16 anos 1 um mês) e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres (24 anos).
A contradição de Fux
Fux só considerou culpados Braga Netto e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, com pena reduzida a 2 anos na condição de colaborador. Ao votar pela absolvição dos outros seis réus, o ministro foi contraditório com toda sua postura punitivista no STF, da operação Lava Jato aos invasores da Praça dos Três Poderes no 8 de janeiro.
O contraditório de Fux
Se foi contraditório como juiz, Fux ofereceu contraditório à relevante parcela dos brasileiros que acham que Bolsonaro foi submetido a um julgamento político. Em seu voto longo e bem sustentado, o ministro divergente ofertou caminhos jurídicos à reversão da condenação no futuro: de lacunas da acusação à própria competência do STF para julgar o caso.
Fachin com Lula
Não é preciso ser jurista para lembrar: foi por incompetência de foro que outro ministro do STF, Edson Fachin, anulou em 8 de janeiro de 2021 a condenação de Lula pela Lava Jato. O que devolveu os direitos políticos ao líder petista para voltar a concorrer a presidente. E vencer Bolsonaro no 2º turno de 2022, por apenas 1,8 ponto dos votos válidos.
O Fachin de Bolsonaro?
Se Fux será o Fachin de Bolsonaro, o tempo dirá. Ao que parece, o voto pela absolvição foi tão político quanto o da condenação pelos ministros Alexandre de Moraes, singular exemplo de juiz relator de um caso em que se planejou seu homicídio, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Os dois últimos, respectivamente, ex-ministro da Justiça e ex-advogado pessoal de Lula.
Heróis e vilões à direita e à esquerda
Na bipolaridade política brasileira, Fux se tornou herói à direita e vilão à esquerda. Como foi na Lava Jato o hoje senador Sergio Moro. Ou o substituto deste, em mão ideológica invertida, como novo “herói” jurídico do Brasil: Xandão. Que sempre foi politicamente conservador e punitivista. E, como tal, foi indicado ao STF pelo presidente “golpista” Michel Temer (MDB).
Aposta em Tarcísio em 2026?
Da esquizofrenia ao pragmatismo político: o voto pela absolvição de Bolsonaro pode ter sido uma aposta de Fux, que se aposenta do STF em abril em 2028. Mas aposta em quê? A eventual eleição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (REP), a presidente em 2026, mesmo que Lula seja hoje (confira aqui) favorito nas pesquisas, talvez não pagasse muito em nenhuma bet.
Carmén Lúcia de 2018 a 2025
Diferente de Fux, Moraes, Dino e Zanin, o único voto que pareceu despido de caráter político foi da ministra Cármen Lúcia. Que, tão logo fechou a tampa do caixão de Bolsonaro com base nos autos, foi alçada a “heroína” pela mesma esquerda que atacou sua residência (relembre aqui) em abril de 2018. Quando deu o voto de Minerva no STF que negou, por 6 a 5, o habeas corpus a Lula.
Publicado hoje na Folha da Manhã.
