Diagnóstico: câncer nos testículos. Precisaria removê-los antes que se espalhasse para o resto do corpo. Calma, doutor, preciso pensar bem para autorizar. Sim, pense, mas não demore, quanto maior o atraso, pior.
Um sujeito sem suas bolas consistia em homem pela metade, disso sabia. Sem sexo, eunuco de agora em diante. Mas, o incomodava principalmente não poder realizar seu sonho de ser pai.
Augusto nem havia chegado aos trinta anos. Perambulava de emprego em emprego, morando num quarto e sala claustrofóbico, ganhando coisa de salário e meio ao mês. Confuso com o próprio estado de saúde, recorreu à mãe e essa o convidou a voltar para casa enquanto se tratasse, não deveria haver preocupações, pois ela daria todo suporte.
Difícil foi a conversa com Janaína. Com ela tentaria resolver a mais crucial das incertezas, a dela engravidar antes dele operar. Consultou um banco de sêmen e não conseguiria pagar o valor do armazenamento até um futuro em que pretendessem ter filhos. A solução prática era conceberam a criança de uma vez.
Ela não soube responder, pediu um prazo. Não havia tempo, precisava logo de uma definição. Ela teimou: não se decidiria assim, de supetão. Uma semana ao menos.
Janaína perambulou pensativa pelas ruas. A alameda arborizada pela qual crianças atravessavam de bicicleta e patinete aproximou-se, sugada abruptamente para uma nova realidade em que comprava chupetas e algodão-doce. Diante daquele espetáculo de gritos infantis ela ponderou se estava pronta para aceitar a maternidade.
Vinte e dois anos. Admitida há pouco como embaladora de pegue e pague, salário mínimo acrescido de cesta básica e vale-transporte, dividindo o aluguel do apartamento com uma colega, saindo às pressas após bater o cartão para chegar no curso de auxiliar administrativo. Caberia um bebê nessa rotina?
Sabia o quanto uma decisão desesperada dessas afetaria sua vida. Augusto em tratamento, seu corpo debilitado por causa de tantos efeitos colaterais, sem condições de ampará-la. Concomitantemente sua barriga cresceria, viriam enjoos, dificuldades, e recairia sobre si, é só sobre si, o peso da responsabilidade.
Mas como se livrar do espírito pesaroso do namorado, do tom melancólico de quem realiza o último pedido precedente à cadeira elétrica? Como negar a única possibilidade de conquistar a sonhada paternidade, o sonho forçosamente antecipado? Seus comentários ao longo desses três anos de relação, os nomes cogitados, os planos de colocá-lo na aula de piano e na natação, não desprendiam-se de sua mente e a enredavam nessa grande confusão, do medo real pelas circunstâncias do momento e a vontade de agradar um homem prestes a ser amputado da capacidade de manter relações sexuais.
Encontraram-se ao fim dessa semana. De certa forma movida através de um surto inesperado, sem exatamente lidar com a situação, ou talvez por razões que a própria razão não ousaria explicar, deitou-se com ele, cientes ambos de seus dias férteis. Praticaram um sexo de baixo desejo, cumprindo uma meta estabelecida ao invés de darem vazão aos ímpetos corporais. Limitou-se ela a receber seus fluídos e contemplar seu rosto de satisfação, em sua crença de tê-la engravidado em um desses cinco dias de tentativas.
Em poucos dias ele entrou para a sala de cirurgia. Ela segurou na sua mão nesse instante, querendo se fazer presente, lhe passar uma forte segurança, um conte comigo. Ele sorriu, aceitando seu destino, aplacado por essa garantia de que seria pai, uma convicção plena de terem feito tudo certo e garantido a gravidez:
— Pelo menos poderei daqui a nove meses ter o nosso filho entre meus braços — ela o ouviu dizer nos minutos prévios à cirurgia, tentando ignorar aquele aperto no peito que a oprimia, a lembrança da cartela de anticoncepcional que tomou em meio a prantos e hesitações.
Caraca .Que sacanagem!!!
Isso não se faz .Traição .Fiquei indignada!