Na partilha republicana, coexistem, harmonicamente, mas independentes, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Esta máxima está impressa na grande Carta de Leis e, em tese, assegura o tão decantado e incensado Estado Democrático de Direito, nome, quase sempre, usado em vão, cheio de pompa e circunstância, salvaguarda dos direitos individuais, proteção às minorias, fórmula basilar para o processo civilizatório.
Tudo bem se fosse assim, mas “a teoria na prática é outra”. O Poder Judiciário é olímpico, inatingível e coorporativo até não poder mais. Há tempo, que a sociedade brasileira, na voz de grandes cientistas políticos e mesmo de juristas renomados (poucos) discutem o seu controle externo. Toda vez que esta questão é levantada, o corolário de argumentações contrárias adverte para o risco da interferência dos poderosos, do perigo de se botar antolhos em quem para julgar precisa, necessariamente, da visão holística.
Rasa razão.
O homem comum se deu conta disso, no momento em que o Judiciário “emerge da lagoa” e mostra que “nem tudo é como dantes, na bodega de Abrantes”; que o tempo da hibernação muito mais que lindo, é findo.
O literato e sociólogo, Antonio Cândido, morto, recentemente, aos 98 anos de idade, lamentava o século perdido. Segundo ele, as instituições naufragaram, as ideias mais obtusas preponderam, a intolerância domina os púlpitos e as tribunas, à despeito do avanço tecnológico, das proclamadas conquistas sociais e trabalhistas, os regimes de direita e esquerda fracassaram e o sonho da perseguida democracia está longe de equilibrar e compatibilizar o querer e o poder. A sociedade vive acuada pela violência, dividida em castas, num modelo que “não deu certo”.
Que parte cabe ao Judiciário nesse latifúndio de desordem? Afinal trata-se de um executor de leis e não, formulador de padrões e limites de comportamentos. De verdade, a Justiça brasileira começou a ser notada agora, com sua exposição nas vitrines do Poder. E, ao mesmo, tempo ficou evidente a falta que ela fazia e ainda faz. Somos do tempo em que “castigo era para negros e pobres”.
O sintoma mais exposto da fragilidade da Justiça brasileira está nos comportamentos de ofício de juízes, sobretudo, dos juízes de piso. Quando tomam decisões que contrariam “o senso comum”, o establishment, levantam ondas de admiração popular e imediatamente são ungidos à condição de super-homens. Exemplos gritantes são dos juízes Sergio Moro e Marcelo Bretas, que mandaram para a tranca medalhões de uma sociedade desacostumada a perceber a mão da Justiça em colarinhos brancos.
A contaminação do Judiciário, os seus focos de infecção são sinais de uma epidemia civil. A sua clausura, seu exagerado espírito de corpo (punição a juízes corruptos, via de regra, são aposentadorias integrais) podem comprometer a civilização, que, em tese, tende a se aprimorar com seus erros, quando corrigidos. Mas, sobre o pânico da sociedade, estão o sistema prisional, que deveria ressocializar, mas inchado e inadministrável pelo Estado, acabam por comandar presídios, transformando-os em fortalezas do crime organizado, tomando-os por cúmplices. “A Polícia prende, a Justiça solta”.
E há ainda, de forma despudorada, as interpretações mais antagônicas sobre o mesmo delito, na hierarquia de julgamentos. Questão que passa ao largo da discussão social, sob o surrado argumento, que são “visões técnicas”, longínquas da percepção e juízo da população. Ledo engano. O povo sabe mais do que parece. Isso sem falar no indecente “foro privilegiado”, expressão que quando dita, deveria cheirar mal, pelo tanto de desigualdade que encerra.
Mas, ora direis, o Poder Judiciário não edita leis, fazem-nas cumprir. Nos últimos anos, a população brasileira descobriu que a Justiça, quando quer, pode muito. Uma geração resolveu iluminar os porões dos palácios. E cresce a crença que nada será como antes.