Igor Franco — A Reforma Superfaturada

 

 

 

A Comissão Parlamentar que analisava a “reforma política” aprovou seu texto-base na semana passada. Entre diversos pontos poucos relevantes, as eleições para deputados e senadores passam a ser feitas com o chamado “distritão”. Na prática, tornam-se majoritárias, ou seja, os candidatos mais votados serão os eleitos. Hoje, com o quociente eleitoral, temos a absurda situação de apenas 36 deputados federais desta legislatura terem sido eleitos com votos próprios. Todos os outros foram “carregados. Enquanto sepultamos o sistema proporcional, corremos o risco de favorecer medidas populistas que se revertam em maior número de votos.

Além disso, será criado um fundo que receberá algo em torno de R$ 3,5 bilhões para o financiamento eleitoral. Num país de tantos bilhões perdidos para a corrupção, para inépcia administrativa e para privilégios legais, o valor parece módico. Sem dúvidas, algum leitor respirou aliviado: falando de Brasil, a desgraça esperada nunca é pequena. A carteira dos pagadores de impostos já há algum tempo não é mais batida, mas estapeada. Talvez seja possível contar nos dedos as vezes em que políticos se reúnam e não saiam de lá com uma nova conta a ser paga pelos seus empregadores. A prática do sobrepreço em obras públicas está tão arraigada, que nossos políticos superfaturam até reformas legislativas.

Não há um analista que discorde da necessidade de uma reforma política. O sistema atual, erodido pela corrupção endêmica, atua exclusivamente em benefício dos seus operadores. O Congresso Nacional, de acordo com a ONG Contas Abetas, consome uma média de R$ 1,1 milhão por hora. Mas não somente o sistema político é um grande sorvedouro de recursos: o sistema eleitoral, através da manutenção de uma jurisdição específica e seus fundos de custeio, como o Fundo Partidário, já consome quase R$ 4 bilhões ao ano. A própria existência do fundo pressupõe um círculo vicioso, uma vez que a distribuição do fundo aos partidos existentes estimula a criação de novos partidos para abocanhar o dinheiro; com o fundo diminuindo ao aumentar-se o rateio, aumenta-se também a pressão para que o mesmo aumente de valor. Confiar ao sistema político a tarefa de reformar-se e impor-se limite remete à já desgastada analogia das raposas a cargo do galinheiro.

Embora seja justificável a preocupação com as fontes do financiamento eleitoral no período pós-Lava Jato, que descortinou uma simbiose entre roubo de dinheiro público para fins pessoais e eleitorais num nível jamais visto, não há garantia qualquer de que o “caixa 2” – necessariamente uma operação oculta – não seria realizado novamente. Aliás, há ainda mais incentivos para que ele seja feito, uma vez que toda e qualquer doação privada será ilegal. Mas a ilegalidade já contaminava as antigas práticas e nem por isso deixaram de existir. Enquanto houver morosidade da Justiça e leniência com os crimes eleitorais, leniência essa que aumenta quanto mais poderoso é o criminoso – vide julgamento da chapa Dilma-Temer, jamais poderemos confiar em qualquer boa utilização dos recursos públicos. O grande problema das nossas campanhas não é a utilização do dinheiro ou sua origem, mas a incapacidade do Estado em punir criminosos poderosos com rigor.

Os pretextos para o financiamento público de campanha passam por tudo que há de mais danoso ao Brasil: a concepção de que cabe ao Estado determinar as principais atividades sociais, por parte dos bem-intencionados, e a oportunidade de amealhar recursos públicos sem as devidas satisfações, por parte dos mal-intencionados.  O casamento entre a ignorância e a má-fé produz frutos podres há pelos menos 517 anos em solo pátrio.

 

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