No texto de hoje, não poderia escapar da obrigação de escrever sobre o grande evento que foi a vinda da Caravana do ex-presidente Lula a Campos, mesmo que não seja esta uma tarefa das mais simples. Escrever sobre uma das figuras mais significativas da história política do Brasil requer grande responsabilidade além de, evidentemente, conhecimentos sobre política, história, economia e sociologia. A grandeza do “fenômeno Lula” não poderia ser apreendida em toda a sua complexidade num artigo de poucas linhas. Ciente disto, caro leitor, busco resumir aqui as minhas principais impressões sobre a breve passagem do ex-metalúrgico pela cidade.
Foi a primeira vez que vi o Lula a poucos metros de distância. Apesar de seus dois mandatos terem transcorrido no período em que eu ainda transitava da infância à adolescência — época na qual as questões políticas não me despertavam tanta curiosidade —, desde que tomei consciência da importância capital desta figura para a política do país, nutro o desejo de poder vê-lo sem a mediação das telas.
Senti-me eufórica quando o vi chegar ao Jardim do Liceu na última quarta. Contagiada pela efervescência daquela aglomeração de pessoas, senti que fazia parte de um momento histórico importante para nossa cidade, que naquela noite tornava-se palco de um acontecimento de relevância nacional. Além disso, como cientista social, poder testemunhar a olhos nus o “carisma weberiano” encarnado naquele homem, quase que produzindo uma “aura”, algo como um brilho que emanava de seu corpo, produziu em mim uma satisfação intelectual muito peculiar. Ao final do evento, contudo, a euforia se esvaziara como um balão e, ao chegar à casa, fui me deitar sentindo cansaço e tristeza.
“Por que tristeza?”, você pode se perguntar. Eu explico.
Lula afirmou que, se eleito, fará muitas coisas que considero que sejam positivas para o Brasil, sobretudo para as camadas menos abastadas da população. Disse que dará continuidade a um projeto político de país que em oito anos logrou fazer com que a desigualdade de renda chegasse ao menor índice já calculado (1). Afirmou que vai tentar reverter a situação em que se encontra o Estado do Rio, inclusive o desmantelamento de nossas universidades públicas, bens tão caros à população. Falou em redistribuir terras e se opôs ao discurso odioso de Bolsonaro que propõe distribuir fuzis contra a atuação do movimento dos Sem Terra. Criticou Temer e a privatização de setores estratégicos do Brasil. Falou de referendos revogatórios para consultar a população sobre importantes mudanças que foram realizadas neste breve período de mandato do presidente golpista. Defendeu a democratização dos meios de comunicação, tema que cabeceou para Dilma ao final do seu segundo mandato. Tratou gastos públicos em políticas sociais como investimentos imprescindíveis; criticou o desmonte de empresas como conseqüência nefasta de investigações de vestígios de corrupção.
Todas essas pautas me interessam e me parecem justas. Mas, fico com a sensação de que esse momento histórico não é inédito. Soa como um déjà vu de 2002 e o ponto é que não estamos mais em 2002, época na qual o entusiasmo diante dessas palavras talvez fosse ainda mais genuíno. Tanta coisa aconteceu de lá pra cá, tantos foram os acertos e os erros do PT… será possível recomeçar novamente e aprender com os erros? Será que Lula será condenado em segunda instância? Como dar continuidade ao projeto iniciado em 2003, num contexto onde expressões de ódio contra pobres, negros, mulheres, homossexuais e outras minorias são explicitadas com ainda menos constrangimento do que há alguns anos atrás?
É verdadeiro que um quantitativo expressivo de apoiadores de Bolsonaro se reuniu em frente à Câmara dos Vereadores para gritar palavras de ordem contra o ex-presidente Lula e o campo da esquerda, em geral. É triste ver tantas pessoas defendendo um candidato francamente apoiador da ditadura, da tortura e de discursos outros que violam os direitos humanos. Foi triste ver o cordão de policiais militares separando as “torcidas”, que se enfrentavam com palavras, gestos e olhares carregados de raiva. Dentre os cartazes levantados pelos manifestantes, um defendia a volta do CCC, o Comando de Caça Comunista, organização paramilitar que se reuniu durante o período ditatorial brasileiro para perseguir e matar pessoas consideradas “comunistas”.
Um empresário da cidade, em sua página do facebook, comentou jocosamente que a noite de Campos seria tranqüila naquela quarta, pois se encontravam reunidos no Jardim do Liceu todos os ladrões do nosso município. A princípio, este comentário me pareceu apenas ridículo. No entanto, logo em seguida comecei a pensar no perverso processo de construção da imagem do PT, de Lula e de seus apoiadores como os símbolos máximos da corrupção brasileira, mesmo que essa relação determinista careça de comprovação empírica. É curioso notar como anos de um discurso midiático quase uníssono e politicamente orientado puderam construir tantas noções que não se sustentam ao serem confrontadas com a realidade. O brasileiro já possui provas de que a corrupção perpassa todo o nosso sistema político, sendo uma característica estrutural da política e não peculiaridade de um partido ou de um grupo de políticos. Mesmo assim, o PT é enxergado por muitos como o mal em forma de organização e Lula como o próprio diabo. Um novo mandato de Lula, portanto, seria uma “maldição”. Do outro lado dessa moeda, aparece o poder judiciário, personificado na figura do juiz Sérgio Moro, como símbolo máximo da moralidade da nação.
As paixões despertadas pela política muitas vezes impedem que possamos analisar friamente um fenômeno, levando em consideração toda a sua complexidade, seus pontos positivos e negativos, o que acaba por nos conduzir à adoção de narrativas reducionistas e, portanto, equivocadas. Para muitos que enfatizam os casos de corrupção atrelados aos governos do PT em seus discursos, as virtudes desse período político parecem questões irrelevantes. O fato de milhares de pessoas terem experimentado um estilo de vida mais confortável e mais digno aparece — quando aparece — como coisinha pequena, um mero detalhe no discurso de muitos indivíduos. E, para tantos outros, a promoção da ascensão social de grande parte da população brasileira nem sequer pode ser considerada um ponto positivo da política conduzida pelo PT, mesmo que muitas vezes não se possa assumir esta idéia de maneira explicita.
O cientista político André Singer inicia seu paradigmático livro “Os sentidos do Lulismo” sentenciando que “o lulismo existe sob o signo da contradição”, reunindo em seu seio “conservação e mudança”, “reprodução e superação”, “decepção e esperança”. O filósofo Marcos Nobre fala sobre a “peemedebização do lulismo”, sobretudo no segundo mandato do ex-presidente. O cientista social Luiz Werneck Viana analisa que o PT não quis ousar assumir os riscos de sua vitória, em 2003, adotando na prática muito do conteúdo programático do PSDB contra o qual construiu seu discurso de campanha, contra o qual construiu sua identidade mesma. Singer, tal como todos os outros intelectuais supracitados, reconhece a necessidade de construir alianças e coalizões para se governar um país, mas observa que existiu para o PT a possibilidade de escolher, em diversos momentos, se deveria ou não fortalecer o seu “reformismo fraco”. Não ter logrado avançar na mobilização e conscientização política de suas bases foi um dos maiores equívocos do partido, segundo o cientista político.
Penso que seja possível avançar com o projeto político iniciado por Lula, sobretudo no que tange à diminuição da desigualdade brasileira. Para lograr avançar um projeto progressista, o apoio dos parlamentares e de diversos setores da sociedade civil é peça fundamental. Se Lula for a opção mais viável para darmos continuidade a esse projeto e tentarmos reverter os estragos empreendidos pelo governo Temer, então é dele o meu voto em 2018.
(1) http://www.cps.fgv.br/cps/bd/clippings/nc0568.pdf
Lula nunca mais!
Lula 2018!!
Como disse Tiririca so a juventude pode mudar esse Pais, porque esses politicos que ai estao, se gritar pega ladrao nao fica um