Um jogador diferente — Os bastidores da entrevista com Lula

 

(Foto: Ricardo Stuckert)

 

 

 

Por Aluysio Abreu Barbosa

 

Feita na manhã da última quarta-feira (aqui) e transmitida ao vivo na Rádio Continental e, em vídeo, pelo Folha 1 e pelo perfil oficial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Facebook, a entrevista (aqui) com o ex-presidente foi viralizada rapidamente (aqui, aqui e aqui) por grande parte da mídia nacional. E, por óbvio, gerou grande repercussão também em Campos, onde recebi pessoal e virtualmente muitos elogios e também algumas críticas. Mas, manifesta ou não, percebi em quase todos a curiosidade de saber sobre a gênese e os bastidores da matéria.

A importância da entrevista ao Grupo Folha foi óbvia. O maior grupo de comunicação de Campos e da região foi capaz de colher em sua envergadura um popularíssimo ex-presidente da República, por dois mandatos, e primeiro presidenciável de 2018, líder em todas as pesquisas, a visitar o município em pré-campanha.

Quanto a Lula, talvez não seja ilógico supor que foi uma chance para ele também falar com um repórter e um grupo de comunicação não chapa branca. Mas sem que se confudisse entrevista jornalística com inquisição, como talvez desejassem fazer alguns dos veículos nacionais que se limitaram a repercutir o que ele disse à Folha.

Se tivesse que apontar a origem da entrevista, diria que ela nasceu de um debate (aqui) que mantive nas redes sociais, entre os dias 9 e 10 de outubro, com os professores Aristides Soffiati e José Luis Vianna da Cruz, amigos de longa data e entre os intelectuais que mais respeito em Campos. A discussão vinha a reboque também da pesquisa Datafolha feita entre 27 e 28 de setembro, que apontou a aparente polarização entre Lula e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC, de mudança ao PEN, que se chamará Patriota) na corrida presidencial.

Ao final daquele despretensioso debate virtual, José Luis confessou: “não tenho resposta”. Admissão que ecoei. Mas como tenho por princípio não me bastar em ausência de respostas, enquanto não entender esgotada a capacidade de buscá-las, mergulhei de maneira profunda naquela pesquisa Datafolha. E dela emergi com a publicação em 22 de outubro, na Folha, da matéria “Brasil entre Lula e Bolsonaro?”.

Certo de que pesquisa é um retrato do momento e “o futuro é algo que veremos amanhã” — como diria o ex-presidente estadunidense George W. Bush, num raro momento de sabedoria —, me voltei ao nosso passado recente. Montei uma linha do tempo para falar sobre a história das manifestações de rua do Brasil no período da Nova República, do final da Ditadura Militar (1964/85) até os nossos dias.

Tomadas como ponto de partida 1) as “Diretas Já”, ainda em 1984 — das quais os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula são os únicos líderes vivos —,  estabeleci uma estrutura de análise que tivesse também como referências: 2) os “caras pintadas” que definiram o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello (hoje, PTB), em 1992; 3) os protestos isolados capitaneados pelo PT durante os dois governos FHC, de 1995 a 2002; 4) a “Primavera Árabe”, entre 2010 e 2012, influenciando diretamente o novo modus operandi que ditou, no Brasil, as “Jornadas de Junho” de 2013; e 5) os protestos de rua de 2015 e 2016 que definiram a deposição de Dilma.

Conversei sobre o que pretendia, além de Soffiati e Zé Luis, com o sociólogo e cientista político George Gomes Coutinho, o antropólogo José Colaço, a historiadora Guiomar Valdez e o cientista político Hamilton Garcia de Lima. E, com base nas análises de cada um deles, como em muito estudo e pesquisa, escrevi em partes a série “Ruas do Brasil”. Em quatro edições dominicais da Folha, ela foi publicada em 29 de outubro (aqui) e 5 (aqui), 12 (aqui) e 19 de novembro (aqui).

No meio dessa trabalhosa, mas necessária análise sobre o relativamente curto retorno do Brasil à democracia, o presente voltou a bater ponto com suas projeções de futuro. No dia 29 de outubro saiu (aqui) uma nova pesquisa presidencial, dessa vez do Ibope, feita entre 18 e 22 daquele mês. E ela confirmou a liderança folgada de Lula, seguido por Bolsonaro.

Do Planalto Central à Planície Goitacá, ouvi líderes locais dos partidos dos presidenciáveis listados na nova pesquisa, para a matéria “Corrida ao Palácio do Planalto Central pelo Ibope vista da Planície”, publicada na Folha em 31 de outubro. Foi na apuração desta reportagem que travei contato pela primeira vez com o presidente do PT em Campos, o petroleiro Rafael Crespo, que demonstrou suas convicções sem embotamento da boa capacidade de análise crítica.

Posteriormente, soube em novembro da vinda de Lula a Campos, para um comício no dia 5 e visita ao Instituto Federal Fluminense (IFF), no dia 6. E retomei o contato com Rafael, para tentar agendar uma entrevista, que já era tentada paralelamente pelo gerente da Continental, o radialista Cláudio Nogueira. Unidos os esforços do mesmo grupo de comunicação, reforçaria depois o contato com o senador Lindbergh Farias (PT), ex-líder daqueles “caras pintadas” de 1992, a quem já tivera a oportunidade de entrevistar.

Senti muita apreensão da equipe de Lula com a possibilidade de qualquer geração de constrangimento. Mas, sem negociar pauta, apresentei meu currículo com entrevistas feitas com líderes políticos como FHC e Leonel Brizola (1922/2004), além de todos os seis governadores do Rio depois dele, soltos e presos. Ainda assim, a previsão inicial da entrevista com Lula era de apenas 25 minutos.

Na noite de terça (05), fui ao comício na praça do Liceu, para ouvir o que o ex-presidente falaria e acrescentar na pauta da entrevista da manhã seguinte. Vi ele ser recebido com entusiasmo por cerca de 1,5 mil simpatizantes, enquanto do outro lado da praça, depois do cordão de isolamento da PM, nas escadarias da Câmara Municipal, cerca de 150 militantes de Bolsonaro protestavam. O campista e ex-presidente Nilo Peçanha (1867/1924), cuja estátua observava tudo impassível, foi lembrado por Lula como fundador em 1909 da Escola de Aprendizes Artífices, hoje mais conhecida como IFF.

Cheguei ao hotel Ramada às 7h30 de quarta (06), onde não me foi permitido subir à sala da entrevista com toda a equipe, limitação que causou problemas no início da transmissão pela rádio. Antes dela, numa rápida conversa informal com Lula e seus dois acompanhantes na mesa, Lindbergh e o pré-candidato petista a deputado federal José Maria Rangel, contabilizamos minha grande desvantagem na composição: eram três vascaínos e um flamenguista.

Sem deixar de fazer a pergunta mais difícil a Lula, relativa ao julgamento do recurso da sua condenação pelo juiz federal Sérgio Moro no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), previsto até abril, que pode impedir sua candidatura pela Lei da Ficha Limpa, a entrevista foi crescendo naturalmente. E, dos 25 minutos previamente acordados, chegou a quase 41.

Sei que não deveria ter rido após o entrevistado dizer “Eu acho que o Moro é surdo”, ou “Quem sabe a Globo conseguisse fazer (…) o William Waack ministro da Igualdade Racial?”. Mas, admito, é quase impossível resistir às tiradas de Lula. Como escrevi (aqui) logo após a entrevista: “Em termos de carisma, no cara a cara, só o compararia a Brizola”.

À parte o que a grande mídia brasileira optou por repercutir, sobre a “surdez” de Moro ou a Previdência Social, para mim, o mais importante que Lula disse sobre o Brasil de hoje foi:

— Como você vai encontrar paz se você está estimulando o ódio, se você está estimulando a disseminação do preconceito? (…) Eu sonho, na verdade, que a gente possa restabelecer a paz neste país. As pessoas têm que aprender que a gente pode ter divergência, que a gente pode não concordar, (mas) que o vascaíno possa ver o jogo sentado ao lado do flamenguista (…) e ir para a casa e tomar uma cerveja juntos, sabe? Sem precisar brigar! (…) A quem interessa essa briga?

Encerrado o trabalho, desligadas as gravações de áudio e vídeo, conversamos um pouco mais. Foi tempo suficiente para que eu lembrasse a Lula de outra entrevista sua, onde ele disse que, quando jovem, gostava de jogar futebol com a camisa 8, por causa do ex-craque campista Didi (1928/2001), gênio da Folha Seca. O meia direita foi o maior jogador da Copa de 1958, primeiro Mundial do Brasil, e bicampeão em 62. Por clubes, jogou no Fluminense e no Botafogo, não no Flamengo ou Vasco.

Como testemunhava meu pai, o ex-presidente assegurou: “Didi era um jogador diferente. Ele se mexia no campo de maneira diferente”.

Em outros gramados, não veria melhor maneira de definir Lula.

 

Publicado hoje (10) na Folha da Manhã

 

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Este post tem 10 comentários

  1. Adriana

    Parabéns e obrigada pela entrevista!

  2. Nádia Prates

    Momentos que ficarão na história de nossa cidade e também na história da imprensa campista. Parabéns pela entrevista e obrigada por nos contar mais um pouco desse encontro.

  3. Guiomar Valdez

    Impecável. Admiro demais pessoas e profissionais sérios.

  4. George Coutinho

    Considerei um trabalho de alta qualidade e ao mesmo tempo nada inquisitorial (questão rara numa imprensa que insiste em adotar uma postura neanderthal). Há uma perspectiva de imprensa carrancuda que confunde seriedade, o que no caso deveria ser a alta qualidade da informação e nada além disso, com cara de quem chupa limão… Portanto Aluysio, não precisa justificar suas risadas. Como diria o bom e velho Nietzsche, “tudo o que é bom ri”. Li a entrevista transcrita e assisti o vídeo. Torço para que vc esbarre com os outros presidenciáveis de 2018 no mesmo clima: permitir que o interlocutor fique tranquilo e apresente suas questões. O resto é nas urnas mesmo….

  5. Robson Tadeu de Castro Maciel

    Falando sobre Didi, meu conterrâneo e vizinho da minha família no Parque Rosário, fiquei muito feliz ontem ao encontrar referência ao mesmo no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

  6. Ronald

    A visita dele por estas bandas foi um fracasso como toda caravana, dá para fazer um paralelo com o Bolsonaro, aonde este vai é ovacionado pela juventude, pelos mais velhos e por todas as classes produtivas do país ao contrário do Lula que só consegue arranjar confusão e fracasso com esta caravana aonde vai como aconteceu em Minas Gerais, no Nordeste (fracasso absoluto da caravana), e na baixada fluminense aonde teve até briga, mesmo assim aqui em Campos foi um fracasso retumbante, até pq uma notória personalidade do PT local disse que esperavam no mínimo 6 mil pessoas, segundo a polícia deu menos de 2 mil pessoas, em compensação os contra eram 200 só não foram em maior número até pq direitista trabalha em dia de semana e só protesta no domingo e olhe lá ao contrário dos esquerdistas….outra coisa, um ex-presidente com 9 processos e podendo ser preso a qualquer momento discursando em uma universidade pública em horário de aula com o aval do reitor só me faz ter certeza que o “Escola Sem Partido” é mais do que necessário neste país.

  7. Ronald

    E outra, as pesquisas da Folha não são sérias e confiáveis, e em todas as vezes que o bicho pega ou pegou para o lado do Lula eles jogam uma ‘pesquisa” dessa de intenção de votos, isto me lembrou que segundo o data folha o Aécio perderia para a Dilma no 1° turno com 16% de vantagem da petista, além de terem errado que não haveria 2° turno ainda viram a candidata vencer de forma apertada no 2° turno com as urnas da smartmartic e tudo, e a outra pesquisa foi para prefeito de São Paulo, onde o data folha disse que o João Dória Jr só teria entre 3% e 5% e nem se cogitava ir para o 2° turno, a moral da história é que ele ganhou com folga no 1° turno, e por estas e outras que a Paraná Pesquisas vem ganhando força, enquanto a FOICE de SP e seu instituto de pesquisas se tornaram piadas nacional.

  8. Luiz Machado

    Parabéns, excelente entrevista, só não concordo com os 150 boçaisnatos, se tivesse uns 50 era muito!

  9. Ronald

    Fazendo uma análise dos presidenciáveis até agora, candidato do Foro de São Paulo e de Cuba que é o Lula mesmo se sair candidato a rejeição dele é tão grande que se a eleição for a vera ele não ganha, e se for substituído pelo Fernando Haddad ao ser impedido de disputar tbm é um nome que patinará nas urnas, já que foi pulverizado pelo povo de SP nas eleições municipais do anão passado, o Ciro Gomes candidato apoiado pelo partido comunista chinês (como está no próprio site do PDT) não decola com a sua candidatura, pois se diz o candidato “mais viável” da esquerda com o seu nacional-desenvolvimentismo keneysiano, e em outros momentos se diz a alternativa ao Lula, o PSDB o pessoal que tem o apoio da Fabian Soiety e dos grupos de investimento árabe bateu o martelo que o único que pode unir o partido é o Alckinin, porém o mesmo está encrencado com em casos de corrupção, então o plano “b” é o João Doria Jr que não tem o apoio de todo partido, principalmente daquela ala que se auto intitula ” esquerda tucana de verdade”, capitaneada pelo Alberto Goldman, José Aníbal e o ex-motorista do terrorista Marighella, o Aluísio Nunes, o Bolsonaro do Patriotas se vende como um “outsider”, alguém que está fora da politica tradicional e da corrupção mesmo estando a anos no congresso, além de tudo marcou um “training point” ao tirar as desconfianças do mercado financeiro como seu nacionalismo ao dizer que escolherá o economista e fundador do Instituto Millenium Paulo Guedes que é formado na Universidade de Chicago, ou seja, um “Chicago boys” um monetarista assim como Milton Friedman, em suma, um liberal clássico, já a Manuela D’ávila do PCdoB e tbm candidata do Foro de SP quer ser a alternativa ao PT porém está mais perdida do que cego em tiroteio, fora que seu partido passou anos sobre as asas do PT.

  10. José Luis Vianna da Cruz

    Excelente. Uau! Aluysinho, que grande jornalista você se tornou. Parabéns! Esse material merece um livro, sobre sua prática jornalística

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