Em tempos de crise, de ‘deriva’, de violência descomunal, é comum os sentimentos de indignação e de coragem, essas, dizia Santo Agostinho, ‘são filhas diletas da esperança’. Há verdade nisso. O que alimentou muitos dos movimentos que mudaram a História? Indignação e Coragem! O que estava presente nas conquistas sociais para a maioria das pessoas? Indignação e Coragem! Claro, sei, que não apenas estes sentimentos, ou só sentimentos. Mas eles são imprescindíveis…
Estudo/conhecimento, desalienação, organização, táticas, estratégias, comunicação, lideranças, etc., fazem parte do contexto de qualquer luta que preze pela seriedade nos embates que defendem a justiça, os direitos individuais e coletivos, a própria vida. De certo, todos os movimentos que ousaram mudar, e, não, perpetuar, foram movidos pela esperança, pela utopia, traduzidas muitas vezes na expressão criativa de ‘mundo novo’. Acreditavam na ideia, na probabilidade, de CRIAR algo NOVO! Muitos, conscientes, deram a própria vida, acreditavam, que, juntos, de fato, poderiam participar da CRIAÇÃO!
Seja em ‘guerra de movimento ou de posição’, no dizer gramsciano, as ações esperançosas de criação bebiam na fonte dos valores humanistas da modernidade ‘iluminista’, que em muitos casos formulavam sínteses que pareciam impossíveis, como, por exemplo, articulando-se aos valores judaico-cristãos. Na América Latina, e, em especial, no Brasil, temos vários exemplos concretos dessas ‘improváveis sínteses’.
Com certeza, como estamos falando de ações e sonhos de homens e mulheres na História, dada a nossa finitude e a nossa incompletude, as imperfeições, os erros, as incoerências e as incongruências, permearam os movimentos, seus processos e seus resultados. Mas, o ‘prosseguir’ com a esperança não era enterrado, nem contestado. Foram homens e mulheres imprescindíveis, lembrando o pensamento de Brecht sobre os lutadores. Foram eles e elas construtores da História, que ousaram CRIAR!
Ao observar e ao participar do mundo hoje, em especial, do nosso país, percebo que há algo diferente, algo que parece rompido, destroçado, fraturado. De crises, de injustiças, estamos mergulhados. A indignação aparece, mas, predominantemente em conversas que mais parecem de ‘divã’ e nas redes sociais. Mais, ela aparece junto com a apatia, com a ‘vontade fraca’ das ruas e dos movimentos sociais. Como se não tivéssemos mais ‘fôlego’ para agir em busca de um ‘novo criativo’ inspirados nos valores universais, que demandam, talvez, um tempo de ‘longa duração’, de um processo perene de avanços e de recuos, de conquistas e de reconquistas.
De acordo com Frei Betto, hoje, “a indignação se manifesta em expressões de ódio e desprezo; a apatia, na sensação de que é inútil protestar nas ruas, já que se tirou um governo ruim para dar lugar a outro pior”. E, para combater este estado de coisas, é necessário a espiritualidade de grão de mostarda: “Pequeno e insignificante, mas dele pode brotar o que, no futuro, mudará o rumo da história.[…] Não é suficiente reclamar, é preciso agir. De nada vale odiar, falar mal, criticar. Mais vale arregaçar as mangas e, como dizia João Batista, empunhar o machado e centrá-lo na raiz da árvore apodrecida”.
Ouso acrescentar: precisamos também nesses tempos, e, mais do nunca, da ‘espiritualidade’ que vem da Arte, dos artistas, em especial, dos poetas! Necessitamos da espiritualidade que nos ‘religa’ ao mistério à espiritualidade das palavras-poesias que são gritos de humanização! Que pode nos ‘religar’, uma a uma, um a um, um a uma, em unidade indignada e um ativo e vigoroso amor pela vida, ao mesmo tempo! Que pode nos fazer ousar de novo, ter a coragem que parece, perdemos! Que nos faz sair do conforto da alienação, porque a poesia desperta, cutuca, transcende, provoca o sonho!
Sei, sei, não se vai à luta somente com ‘as espiritualidades’, mas, hoje, mais do que nunca em nossa História, depois de corrompido e destroçado os ideais humanistas, necessitamos desse impulso vital ‘das espiritualidades’, que, tenho certeza, nos afastará do nefasto individualismo alimentador da indiferença e do niilismo que ‘conforma’ a apatia. Nos proporcionará a coragem de um coração solícito à vida de todos e de todas.
Seremos generosamente ‘sementes’. Por que, não?
Muito bom Guiomar! É o que estamos realmente precisando. Grande abraço!
Obrigada, prezado Fabrício Maciel! Sigamos em frente e em luta!! Forte abraço!
Olá Guiomar! Infelizmente só tive acesso ao excelente texto hoje, enquanto pesquisava conceitos para um projeto. Gostaria, por gentileza, de conversar um pouco mais contigo sobre tais explanações apresentadas. Pode ser?! Aguardarei retorno. Grato desde já. Saudações, Tim Carvalho.