Igor Franco — A Ursal e o SPC

 

 

A última semana parece ter decretado o início da corrida presidencial — pelo menos, para a maioria do eleitorado, que teve seu primeiro contato com os candidatos em rede nacional. Considerando seu formato engessado e cansativo de longas três horas de duração, o debate da Bandeirantes reservou poucas surpresas agradáveis para seus espectadores.

Candidato líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro vestiu suficientemente bem a carapuça de um político equilibrado e foi pouco atacado, tendo, inclusive, trocado piadas com Ciro. Enquanto Álvaro Dias mostrava um estranho sorriso rasgado, Henrique Meirelles não parava de gesticular um só segundo enquanto tinha a palavra. A dose de sonolência e monotonia, como não poderia deixar de ser, ficaram a cargo de Marina Silva e Geraldo Alckmin.

O destaque da noite ficou por conta do candidato folclórico da vez: Cabo Daciolo (Patriota), deputado eleito pelo Psol de carona nos votos de Jean Wyllys e posteriormente expulso do partido. Mesmo considerando seu histórico inusitado — comandou uma greve militar de bombeiros e exortou a deputada cadeirante Mara Gabrilli (PSDB) a levantar e andar durante uma sessão legislativa —, Cabo Daciolo adaptou a Bíblia para uma versão nacional e acusou os engravatados de corrupção enquanto vestia uma desajeitada…. gravata. Numa das cenas mais cômicas do debate, Daciolo fulminou Ciro Gomes com a acusação de participar de uma tal iniciativa Ursal (União das Repúblicas Socialistas da América Latina), que nem o mais fanático dos anticomunistas devia fazer ideia do que seria.

No dia seguinte, os memes da Ursal de Daciolo passaram a dividir espaço com uma não tão nova proposta anunciada por Ciro: limpar o nome de 60 milhões de brasileiros do SPC. Numa bisonha tentativa de fugir da agenda negativa criada pelo isolamento imposto à sua candidatura por Lula, Ciro lançou sua bala de prata, seu Bolsa Família, para tentar angariar o apoio de um segmento bastante representativo do eleitorado.

A proposta final foi divulgada esse fim de semana. Após muitas especulações sobre uso de dinheiro público diretamente na liquidação dos débitos, Ciro informou que pretende promover grandes eventos de renegociação em que teria preferência o credor que oferecesse o maior desconto sobre o valor devido. Ainda, os bancos públicos federais e estaduais financiariam a renegociação uma taxa de juros de 12% ao ano, habilitando os outrora negativados a voltar a consumir e fazer girar a economia outra vez.

Na verdade, o que Ciro propõe é, novamente, mobilizar esforços estatais para intervir no mercado perseguindo o aumento de crescimento econômico. O uso dos bancos estatais é a cereja num bolo idêntico ao da antecessora que foi preparado pela impedida ex-presidente Dilma. No fundo, a visão de mundo de ambos parte da equivocada noção de que basta vontade política e mobilização para alterar a dinâmica da economia e chegar a um resultado desejado.

Não custa lembrar que os bancos públicos foram usados há poucos anos, exatamente, para abrir a torneira do crédito e impulsionar o PIB. O resultado foi um crescimento desordenado da carteira de crédito que quase resultou na necessidade de aporte de capital público para dar conta do desembolso. Inclusive, não assustaria se parte considerável da dívida que seria financiada por BB e CEF seja detida por estas próprias instituições.

Além do mais, a medida acabaria sendo inócua. Atualmente, os bancos têm várias ferramentas para determinar a qualidade dos pagadores. Bastaria impor um marcador negativo no CPF de cada cliente que somente conseguiu a renegociação através de uma quase imposição estatal. A necessidade de atender a um chamado compulsório teria o efeito de fazer subir a taxa de juros — que, entre outras coisas, serve para fornecer um prêmio pelo risco do não-pagamento do empréstimo feito. No fim, o tiro teria grandes chances de sair pela culatra e gerar ainda mais pessimismo e retração.

Como não custa lembrar, para todo problema econômico complexo existe uma solução simples, aplicável e errada. Na disputa entre um maluco e um sedizente gênio, talvez seja menos pior preferir o inocente da história. Quem sabe na Ursal?

 

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Este post tem 3 comentários

  1. Leon

    O primeiro colocado nas pesquisas de presidente é Lula. Não é Bolsonaro. O “esquecimento ” denuncia o resto.

  2. Igor Franco

    Leon, Lula não é presidente, mas ex. Além disso, é um corrupto condenado em segunda instância, sendo inelegível sob os termos da Lei da Ficha Limpa. A lembrança do encarcerado denuncia o todo.

  3. Leon

    A pesquisa não é de ex. É de presidente. Se colocar Lula for denúncia toda pesquisa é culpada.

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