Com sua foz no Pontal de Atafona fechada em 2019, o rio Paraíba do Sul, como o conhecem os habitantes do Norte Fluminense, corre o risco de se tornar uma lagoa alongada. Como são hoje as lagoas de Grussaí, Iquipari e do Açu, que já foram braços do antigo delta do rio Paraíba. Do qual e só restou a foz principal entre São João da Barra (SJB) e São Francisco de Itabapoana (SFI), agora parcialmente fechada com a união do Pontal com a ilha da Convivência. Foi o que alertou na manhã de hoje, no programa Folha no Ar 1ª edição, da Folha FM 98,3, o ecohistoriador Aristides Soffiati. Para ele, desde que foi inaugurada (em 1952) a barragem de Santa Cecília, em Barra do Piraí, o Paraíba não é mais um, mas dois. E o segundo, no trecho que formou e corta planície goitacá, está morrendo:
— Esse foi o golpe final. A transposição de Santa Cecília (inaugurada em 1952, causando o início do avanço do mar em Atafona) criou dois rios Paraíba. O primeiro começa na sua nascente mesmo, na (serra da) Bocaina (em São Paulo), e termina na Baía de Sepetiba, através do rio Guandu (que recebe o desvio, para abastecer de água as indústrias e a população do Grande Rio). O outro rio Paraíba começa no rio Paraibuna de Minas (Gerais) e termina na foz de Atafona. As lagoas de Grussaí, de Iquipari e do Açu não são mais extravasores auxiliares do Paraíba em período de cheia. Se o Paraíba encher, esses braços não são reativados mais. E agora a gente vê o fechamento de mais um braço (entre o Pontal e a Convivência). E ficou só um braço estreitinho, que é o braço de Gargaú.
Segundo Soffiati, o fechamento gradual da foz natural do Paraíba pode afetar a captação d’água, que já acontece em SJB. E o processo de salinização, avançando com a perda de oposição do rio ao mar, pode também atingir a economia rural dos municípios da região, salinizando terras e impedindo seu uso para agropecuária:
— Em Campos, eu acho que a captação de água ainda não corre risco. Mas em São João da Barra já está acontecendo para abastecimento público. Em toda costa, que vai de Barra do Furado ao rio Paraíba, a salinização já está acontecendo, está avançando, está afetando a agropecuária. Na década de 1970, houve a intenção de levar o processo de levar o processo de drenagem adiante, de maneira radical. Uma empresa contratada pelo (antigo) Departamento Nacional de Obras e Saneamento, para fazer uma avaliação das obras, entendeu que a drenagem excessiva das lagoas pode acarretar a eliminação de água doce que faz contrabalanço à penetração da língua salina, tanto pela superfície. A recuperação dessas lagoas, a de Dentro, a do Luciano, a da Ribeira, deveriam ser restabelecidas e revitalizadas, para cumprirem essa função de retenção da língua salina, por cima e por baixo, pelo lençol freático.
EUA x IRÃ
Historiador, Soffiati abriu sua entrevista no Folha no Ar falando sobre as tensões entre Estados Unidos e Irã, a partir do assassinato do general iraniano Qasem Suleimani. Ele foi morto em um ataque com drone no Iraque, em 3 de janeiro, ordenado pelo presidente americano Donald Trump. O país dos aiatolás respondeu com um ataque de mísseis a bases militares dos EUA no Iraque, no dia 7, sem matar ninguém. No meio da tensão, um dia depois, o Irã acabou abatendo por engano um voo comercial da Ucrânia em seu próprio espaço aéreo, matando 176 pessoas. E depois de admitir o erro no sábado (11), o governo teocrático enfrenta protestos da própria população:
— O grande projeto do Suleimani estava sendo levado adiante, que é levar a expansão do Irã ao Oriente Médio. E cercar de uma certa maneira Israel. Nesse conflito, o que pode ser considerado como vitória? Acho que o Trump entende que vitória foi ter matado o general e não perder nenhum soldado. E não levar adiante, acho que alguém chamou a atenção do Trump nesse momento: “Não revida, porque essa coisa não vai parar. Não morreu ninguém e a gente sai de forma honrosa desse conflito inicial”. Mas eu acho difícil que o Irã se detenha nesse momento. De fato, o outro passo que o Irã deu foi nesse bombardeio. E a possibilidade de manter seu programa nuclear é uma vitória também. Mas é difícil falar em vitória definitiva — analisou Soffiati.
CRISTO NO PORTA DOS FUNDOS
No bloco intermediário da entrevista, o historiador e também crítico de cinema opinou sobre o polêmico especial de Natal “A Primeira Tentação de Cristo”, do grupo de humor Porta dos Fundos. Feito e exibido pela Netflix no Brasil, o filme satirizou Jesus em uma relação homossexual ficcional. E foi por isso censurado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), em 8 de janeiro. Mas seria liberado no dia seguinte, em decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli:
— Não assisti ao especial de Natal. Não por motivos religiosos. Não assisti simplesmente. Mas acho que um religioso, contra isso, o que ele pode fazer é não assistir também. Ele estabelece seu limite. Não é necessário que alguém impeça que a obra de arte, a peça, seja encenada. Estou aqui me lembrando do debate que eu travei com Dom (Fernando) Rifan (bispo católico tradicionalista de Campos) por conta de “A Última Tentação de Campos” (1989, dirigido por Martin Scorsese). Que não foi exibido o Cine Veneza (que então funcionava no Campos Shopping) por conta disso. Eu tive esse debate com ele pela imprensa, pela Folha da Manhã inclusive. O cristão que não gosta, que acha que não deve assistir, não assiste. É a censura que ele faz. Mesmo que (o filme) não seja grande coisa, acaba ganhando muita projeção quando a censura entra em cena — advertiu Soffiati.
Confira abaixo os três blocos da entrevista: