OAB, MPRJ e AIC também questionam repressão da PM de Campos a ato antirracista

 

Diferente de como reagiu às mainfestações bolsonaristas na cidade, PM de Campos usou gás lacrimogêneo para dispersar ato antirracista no Pelourinho (Reprodução de vídeo)

“Inconstitucional, absurda e inaceitável”. Foi como a OAB considerou a ação da PM de Campos (confira aqui) no final de tarde da última sexta (5), usando bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra cerca de 15 estudantes que faziam um ato antirracista no Boulevard Francisco de Paula Carneiro, de maneira pacífica e respeitando as orientações sanitárias da pandemia da Covid-19. A ação da PM também foi questionada pelo Ministério Público de Campos, Associação de Imprensa Campista (AIC), Poder Legislativo Municipal e Conselho Municipal de Cultura (Comcultura). Além de ter sido considerada parcial, inclusive por um especialista em Segurança Pública. Outra manifestação antirracista está sendo convocada para o Centro de Campos, nesta quarta (10). Da repressão policial que a última sofreu na sexta, a OAB garantiu que não poupará esforços “para solicitar as prontas explicações às autoridades competentes, bem como a devida apuração e punições aos agentes envolvidos nos lamentáveis fatos”. Comandante do 8º BPM, o tenente-coronel Luiz Henrique Barbosa garantiu que “as ações direcionadas por mim a frente do 8º BPM são sempre pautadas pela legalidade e não abrimos mão disso”. Ele também informou ter instaurado “um procedimento apuratório interno para verificar os excessos, caso tenham ocorrido”.

Além da OAB-Campos, o direito de manifestação garantido no inciso XVI do art. 5 da Constituição também foi endossado pela promotora de Justiça Maristela Naurath, da Tutela Coletiva de Campos: “Qualquer tipo de manifestação pacífica tem que ser respeitada. Disso não há a menor dúvida. Ainda mais se for pela democracia, pela igualdade racial. A única coisa que a gente pede é que as pessoas façam sua manifestação respeitando a distância, o uso de máscara, por conta da pandemia. Mas se fizer tudo de acordo com as normas sanitárias, a pessoa tem todo o direito de se manifestar”.

 

Promotora de Justiça Maristela Naurath

 

Em nota oficial, assinada pelo presidente da OAB-Campos, Cristiano Miller, e pelo presidente da Comissão de Igualdade Racial da instituição, Jorge Batista de Assis, narrou que “na sexta-feira, dia 5 do corrente, um grupo de amigos que se reuniam pacificamente em torno do monumento do Pelourinho, local histórico no Centro de Campos dos Goytacazes, para protestar contra o racismo no Brasil e no mundo, porém, infelizmente foi absurda e inaceitavelmente reprimido com gás lacrimogêneo pela Polícia Militar (…) Analisando-se as imagens, os vídeos, os depoimentos de jovens estudantes que participaram do protesto antirracista (…) é de se concluir que a ação da Polícia Militar de Campos dos Goytacazes foi desproporcional, desnecessária e inconstitucional”.

 

OAB de Campos, presidida por Cristiano Miller, se posicionou pelo presidente da Comissão de Igualdade Racial, Jorge de Assis (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

A Associação de Imprensa Campista (AIC) também manifestou em nota a sua “preocupação com a violenta ação empregada pelas forças policiais em recente manifestação realizada em Campos contra a violência e o preconceito racial”. A AIC também alertou sobre uma possível parcialidade na ação da PM: “Acreditamos que tenha sido totalmente desproporcional ao tratamento a outras manifestações realizadas neste período”.

 

 

Roberto Uchoa, policial federal e especialista em Segurança Pública

Essa hipótese de orientação política foi também questionada pelo policial federal de Campos Roberto Uchoa, especialista em Segurança Pública: “Ao reprimir de forma diferenciada as manifestações que ocorreram em Campos dos Goytacazes, a Polícia Militar se coloca em uma posição indesejável. A neutralidade político-institucional é essencial para que os policiais possam atuar nos estritos termos da legislação, seguindo as boas práticas nacionais e internacionais. Acredito que tenha sido um caso isolado, mas que deve ser observado com cuidado pelo comando”.

Fabiano Moreira, promotor de Justiça

Além da Tutela Coletiva, a Promotoria de Investigação Penal do Ministério Público de Campos também foi ouvida sobre o fato. O promotor de Justiça Fabiano Moreira disse que o caso caberia às Promotorias que atuam junto à Auditoria Militar. E aconselhou que aqueles que se sentiram vítimas da ação da PM façam suas denúncias por escrito: “Na prática não cabe a mim tomar providências ou iniciar investigações se houver um crime militar. Há dois anos atrás foi promulgada a Lei Nacional 13.491, que ampliou ainda mais as hipóteses de crime militar, cabendo às Promotorias que atuam junto à Auditoria Militar receber reclamações e apurar. Se houve ilegalidade, aconselho que todos denunciem por escrito, para posterior encaminhamento aos Promotores responsáveis”.

 

 

 

Jorginho Virgílio, vereador de Campos

Ontem (08), o Conselho Municipal de Cultura (Comcultura) emitiu uma nota de repúdio sobre o ocorrido. Onde lembrou que “todas as manifestações pacíficas não devem ser só respeitadas, como defendidas pelas forças de segurança”. E repudiou “o uso de spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo para a dispersão dos poucos manifestantes do muito pertinente protesto antirracista”. No dia 6, a repressão da PM de Campos também sofreu duras críticas do vereador Jorginho Virgílio (DC): “O Brasil está muito longe de ter uma democracia estabelecida como os EUA. Muito menos Campos dos Goytacazes… Lamentável! Nós não vamos nos acovardar não! Nós não iremos aceitar a volta da ditadura no país!”

Luiz Henrique Barbosa, comandante do 8º BPM

Antes de dar novas informações hoje sobre o caso, garantindo a legalidade das ações do 8ª BPM sob seu comando e informando sobre a abertura de procedimento interno para apurar eventuais excessos na sexta, ainda naquele mesmo dia o tenente-coronel Luiz Henrique Barbosa justificou a repressão promovida no Boulevard Francisco de Paula Carneiro:

— Está proibido a aglomeração neste período de pandemia e não obedeceram a orientação da PM. Por isso tivemos que fazer o uso progressivo da força com emprego de armamento não letal.

Indagado por que a mesma atitude de força não foi adotada em manifestações de grupos bolsonaristas na cidade, o oficial da PM discordou:

— Discordo, inclusive efetuamos prisões (confira aqui) nos últimos atos.

Perguntado por que o uso de gás lacrimogêneo nunca foi adotado nas manifestações de direita, o comandante justificou:

— Isso são procedimentos operacionais de quem está na ponta no cenário das operações.

 

Já em meio à pandemia, protesto bosonarista de 15 de março em Campos, com pauta antidemocráticas contra o Congresso e o STF, não sofreram repressão da PM (Foto: Genilson Pessanha – Folha da Manhã)

 

 

Um estudante que participou do ato antirracista, que preferiu se identificar apenas pelo nome artístico de Kekere, temendo por sua segurança, deu outra versão:

 

Morte de George Floyd nos EUA, asfixiado pelo joelho de um policial contra o seu pescoço, mesmo depois de algemado, inspirou ato antirracista em Campos

 

— Marcamos o ato pelas redes sociais, de maneira apartidária, inspirados nos protestos antirracistas que acontecem nos EUA, na Europa e no mundo, desde a morte covarde de George Floyd. Éramos cerca de 15 pessoas, jovens entre 19 e 25 anos, à exceção de um senhor que foi com seu filho. Fizemos a concentração no Pelourinho, pois na praça São Salvador haviam duas viaturas da PM. Todos nós usávamos máscaras, alguns até luvas e distribuíamos álcool gel para todos. Primeiro, chegaram três PMs, vindos da praça, dizendo que as manifestações estavam proibidas. Dissemos a eles que estávamos cumprindo todas as determinações sanitárias. Assim mesmo vieram três viaturas, depois mais duas, e cerca de 15 PMs. Que chegaram gritando e atiraram bombas de gás lacrimogêneo sobre os nossos pés. Nossos olhos arderam muito, tivemos muito medo.

Rogério Siqueira, jornalista e embaixador do Brasil no Conselho Pan-Africano

Em entrevista ao Folha no Ar na manhã da última segunda (08), o jornalista Rogério Siqueira, embaixador do Brasil no Conselho Pan-Africano, também questionou (confira aqui) a ação da PM de Campos contra o ato antirracista de sexta no Pelourinho, herança da escravidão dos negros na história da cidade:

— Você fazia a ressalva à contribuição que o 8º BPM dá à segurança pública. E não vou negar. Mas tem que saber reconhecer, além dos méritos, onde está havendo desvio de conduta para corrigir esse curso. Porque se não a gente vai ter um órgão que não pode ser ideologizado e politizado, sendo; como já está sendo na prática. Bolsonaro estimulou isso no país inteiro. As polícias estão muito alinhadas com a narrativa do governo. E essa narrativa da violência, quando vem do presidente da República, ela reveste de legitimidade lá na ponta a violência que acontece na prática. Então eu achei a ação, inclusive, covarde. Porque eram jovens ali. Eram pessoas com 20, 25 anos, em que a Polícia não fez o mesmo tipo de abordagem, quando fez com manifestações pró-Bolsonaro. A gente não viu eles chegando para conversar, para orientar, pedindo com educação para dispersar. Já chegaram com tiro, porrada e bomba. É um tratamento desigual, por uma Polícia que está profundamente ideologizada e descumprindo o cerne do art. 144 da Constituição, que versa sobre a função das forças de segurança.

 

Confira abaixo a íntegra o vídeo da repressão da PM de Campos ao ato antirracista de sexta, bem como as íntegras das notas que o episódio gerou da OAB, AIC e Comcultura:

 

 

 

 

 

 

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Este post tem 2 comentários

  1. Thiago

    No dia 15 de Março não havia sido decretado qualquer tipo de recomendação de órgãos sanitários devido a pandemia. Me perdoe se houve outra manifestação deste grupo depois desta data mas não tenho conhecimento sobre tal.

    1. Aluysio Abreu Barbosa

      Caro Thiago,

      A Prefeitura de Campos anunciou o isolamento social como medida de combate à pandemia desde 13 de março, dois dias antes do protesto bolsonarista cuja foto consta na postagem: http://www.folha1.com.br/_conteudo/2020/03/geral/1258894-prefeituras-publicam-decretos-com-acoes-preventivas-contra-coronavirus.html?fbclid=IwAR3ULg0yiP0PWxABg6m_qrTSzPCxBc2rnjy6HabNEHQIzCwtq9t5Bgdi4MM

      E os apoiadores do presidente voltariam a fazer novo protesto na cidade, em 17 de maio: http://www.folha1.com.br/_conteudo/2020/05/geral/1261552-apoiadores-do-presidente-e-comerciantes-realizam-ato-contra-o-lockdown-em-campos.html?fbclid=IwAR0BMEpTHs3XfC9Sd7p11a49MrBvxtEimCWUCToY3riaOA2EJLXwgiaF2U8

      Abç e grato pela participação!

      Aluysio

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