Morreu Sirkis, exonerado por Bolsonaro que inspirou a queda de Collor e anteviu a de Dilma

 

Alfredo Sirkis em visita a Campos, em 23 de setembro de 2010 (Foto: Antonio Cruz – Folha da Manhã)

Alfredo Sirkis, de 69 anos, morreu ontem (10), em acidente automobilístico na Baixada Fluminense. Viajava sozinho em direção à Via Dutra, quando seu carro saiu da pista, bateu em um poste e capotou. Filho único, estava a caminho de um sítio para visitar a mãe de 96 anos, em isolamento social por causa da pandemia da Covid-19. Iria também rever o filho, que concluiu mestrado nos EUA e estava com a avó. Político, ambientalista, urbanista, jornalista, escritor, Sirkis integrou a luta armada contra a última ditadura militar brasileira (1964/1985). E, como seu colega Fernando Gabeira, soube fazer bem a transição do marxismo dos anos 1960, que sonhava com a Revolução Cubana de 1959, para uma esquerda libertária, não sectária e humanista. Que, na compreensão do homem como parte e inquilino da natureza, não seu proprietário por direito divino, ganha cada vez mais poder político na Europa.

Como político, Sirkis foi candidato à presidência da República em 1998, pelo PV, partido do qual foi um dos fundadores em 1986. Foi vereador da cidade do Rio de Janeiro por quatro mandatos e deputado federal. O conheci pessoalmente ao entrevistá-lo (confira aqui) em setembro de 2010, quando ele fazia essa transição do parlamento carioca ao Congresso Nacional e coordenava a campanha de ex-senadora Marina Silva a presidente. Relendo agora aquela matéria, irônico constatar como ele classificava de “atitude facistoide” uma manifestação do PT em São Paulo, então no governo federal já por dois mandatos, contra a grande mídia brasileira. A mesma que agora é alvo diário do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus defensores, chamados de “petistas de sinal trocado” pela ex-aliada e deputada estadual paulista Janaína Pachoal (PSL). Como é impressionante ler, 10 anos depois e com os fatos já consumados, que Sirkis alertava sobre o “fantasma do PMDB” semanas antes de Dilma Rousseff ser eleita presidente pela primeira vez, com Michel Temer como vice em sua chapa.

 

 

Entre os presidentes ditadores que tomou em armas para derrubar, aos presidentes legitimamente eleitos aos quais se opôs com as armas da democracia, antes de antever a queda de Dilma, Sirkis teve também papel involuntário, mas fundamental no impeachment de outro: Fernando Collor de Mello. Foi com base em seu livro “Os Carbonários” (1980), vencedor do conceituado Prêmio Jabuti de 1981, que a Rede Globo produziu e levou ao ar a minissérie “Anos Rebeldes” em 1992. Seu protagonista, o personagem João Alfredo, interpretado pelo ator Cássio Gabus Mendes em par romântico com Malu Mader, era o próprio Sirkis. No tempo em que a TV concentrava seu atual poder com o que hoje divide com as redes socias, a popularidade da minissérie foi considerada o estopim (confira aqui) para que os jovens “caras-pintadas” saíssem às ruas do Brasil. E derrubassem um populista voluntarioso que buscava unir conservadorismo e moralismo político com liberalismo econômico, eleito presidente para derrotar o fantasma do PT.

Do que pude apreender pessoal e profissionalmente, além de seu leitor, Sirkis era um homem íntegro, inteligente, articulado e profundo conhecedor dos bastidores da política do Brasil. Em que encontraram refúgio seu pais, imigrantes judeus da Polônia, país esmagado entre os totalitarismos de direita e de esquerda durante a II Guerra Mundial (1939/1945). Atualmente, era diretor executivo do Centro Brasil do Clima. Cargo que ocupou após ser exonerado da coordenação executiva do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC) em maio de 2019, pelo presidente Jair Bolsonaro. Por uma vida rica que inspirou tanta gente, sempre em oposição aos dogmas de fé na política, sem medo da autocrítica e da revisão de rumos, Sirkis vai fazer muita falta.

 

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