Por Aluysio Abreu Barbosa e Matheus Berriel
Na piada sobre a morte do gato da avó que viajou, para prepará-la homeopaticamente à realidade fatal, o neto começa contando na primeira ligação: “Olha, vovó, o gato subiu no telhado”. É a analogia usada pelo reitor Luis Passoni para falar da realidade da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Sem verbas de manutenção desde outubro de 2015, com atraso nos salários dos servidores e bolsas dos estudantes, a maior instituição de ensino superior de Campos e região hoje passeia pelo telhado. Nesta entrevista, feita na quinta (04), ele detalhou a crise na universidade e falou de parcerias com a comunidade e a iniciativa privada. Na sexta (05), após reunião com o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), Passoni considerou “boa notícia” a promessa de regularizar os salários e bolsas de abril em diante e acertar os atrasados após a aprovação no Congresso da ajuda da União aos Estados. Se bastará para o gato descer do telhado, só saberemos nas ligações seguintes.
Folha da Manhã – Na matéria publicada na Folha no último domingo, você disse (aqui): “É difícil saber até quando conseguiremos manter a Uenf funcionando nestas condições. A rigor, já estamos nos descontos da prorrogação”. Quando acaba a prorrogação?
Luis Passoni – O que eu quis dizer com essa expressão é que, a rigor, a gente já deveria ter fechado. Nós estamos sem condições plenas de funcionamento já há muito tempo, e a situação vem piorando. Iniciamos a nossa gestão em janeiro de 2016. A gente tinha três meses de atraso em todas as contas.
Folha – As verbas de manutenção estão atrasadas desde outubro de 2015.
Passoni – Sim, mas os salários estavam em dia. Desde outubro de 2015 não há nenhuma disponibilização de verba de manutenção. Quando você se fala em custeio, inclui alguns auxílios em folha e a bolsa do cotista. Esses recursos a gente está recebendo. A parte de manutenção, destinada aos contratos dos terceirizados, a pagar contas, comprar papel, tinta, caneta, enfim, esse recurso é que não vem nada desde outubro de 2015. O total é de R$ 3 milhões ao mês para custeio. Destes R$ 3 milhões, R$ 2 milhões (para manutenção) não têm aparecido. A gente tem conversado insistentemente com o Governo do Estado. Mesmo que ele não consiga honrar com os R$ 2 milhões por mês, o que ele conseguir mandar, já dá um alívio. Mas não tem sido enviado nada. Nessa situação, eu não sei te dizer. Na condição de funcionamento, a gente reduziu a ter um mínimo de vigilância e de limpeza. Já estamos sem vigilância desde setembro do ano passado. Estamos com colaboração da Polícia Militar e da Guarda Civil Municipal. Tem sido suficiente meio por milagre.
Folha – Não tem sido, porque na madrugada do último dia 27 foi registrado outro roubo (aqui), de duas motobombas no valor de R$ 8 mil, no P-5 do campus, que deixou a Casa Ecológica sem água em pleno ano letivo.
Passoni – Essa questão da segurança não está bem resolvida, mas com a presença da Guarda e da PM, os únicos problemas têm sido de furtos. A gente não está tendo nenhuma ação agressiva, como tivemos problema de vandalismo no final do ano, quando depredaram alguns veículos. Temos constantemente problema de invasão da nossa piscina. Em cada evento desse, a gente tenta, insiste com a PM e a Guarda Municipal, que intensifica as rondas, o problema se acalma. Aí eles diminuem as rondas, o problema volta, a gente volta a conversar. Estamos tratando o funcionamento na base do dia a dia. Aparece um problema, a gente resolve.
Folha – E até quando dá para aguentar assim? Há um deadline?
Passoni – O dia que tiver um assalto violento aqui no campus e alguém sair ferido, nesse dia eu não consigo mais convencer o pessoal a continuar trabalhando. Quanto ao deadline financeiro, já passou. A empresa que faz a limpeza aqui não recebe há 18 meses.
Folha – Qual é o passivo atual dessa empresa?
Passoni – O cálculo muda muito. Na atualização do começo de março, era de R$ 16 milhões, no total de dívidas da universidade com fornecedores terceirizados. Só com a Ferthymar, é em torno de R$ 6 milhões. Essa empresa de limpeza não recebe desde outubro de 2015. A gente recebeu uma doação da Alerj de R$ 1,5 milhão no ano passado, pagamos alguma coisa a eles. No começo desse ano, dos R$ 6 milhões que a gente tinha, o Estado conseguiu pagar R$ 300 mil. A paciência dessa empresa se esgota todo mês. Aí temos que fazer um trabalho de diálogo, de convencimento. Quando a gente recebeu R$ 1,5 milhão da Alerj, R$ 1,2 milhão a gente gastou com os terceirizados, a Ferthymar e a K9, que era a de vigilância. A K9 não aguentou e rompeu o contrato em setembro. A Ferthymar ainda segurou a onda. Em fevereiro, conseguimos mais um pagamento de R$ 300 mil. Eles esperavam um novo pagamento em abril, mas não saiu. Fui com eles conversar e temos um novo deadline para 11 de maio em relação à Ferthymar. O dia que ela parar de trabalhar, em uma semana a gente já não tem mais condições de funcionar.
Folha – Falamos dos fornecedores. E até onde vai a paciência do servidor?
Passoni – A paciência do servidor esteve por um fio. No dia 17 de abril, véspera da Páscoa, recebemos o salário integral de fevereiro. Nesse momento, a gente desarmou uma bomba relógio, renovando um pouco com o servidor, que já estava no limite. Então, com esse novo atraso, chegando em 11 de maio, dependendo de como for o calendário do pagamento do salário de março… A data do pagamento deveria ser no 10º dia útil do mês subsequente. Deveríamos ter recebido março na primeira quinzena de abril, e já estamos em maio. Esse é um agravante. Eu também estou sem receber, assim como todo mundo.
Folha – Há ameaça de greve?
Passoni – Sim. A adesão à greve geral do dia 28 foi total. Foi um fenômeno nacional, mas o estado de ânimo interno ajudou muito. Mesmo quando há uma greve na universidade, ela nunca é total. Alguns setores funcionam durante as greves. No dia 28, você não encontrava uma viva alma aqui. Isso sugere o estado de ânimo do pessoal. Há uma perspectiva assombrando a gente de greve na universidade, em função do atraso do pagamento do salário.
Folha – Na matéria da Folha você também disse que, “em reunião realizada em abril, o Conselho Universitário, órgão máximo deliberativo da Uenf, decretou o ‘estado de calamidade’, devido à situação altamente precária em que se encontram a universidade e seus servidores”. Já estamos em maio. O que mudou?
Passoni – Não mudou nada, só piorou. A cada mês que passa, a situação só piora. O estado de calamidade do Conselho Universitário veio em função dessa navalha que estamos caminhando. Estamos num fio de navalha, a qualquer momento cai tudo. Então, o estado de calamidade decretado no Conselho Universitário veio em função dessa situação complicada que estamos enfrentando. É uma tentativa de fazer uma denúncia e dar respaldo ao discurso que a reitoria vem fazendo. A reitoria tem um discurso avisando que o gato subiu no telhado. Com o Conselho Universitário decretando o estado de calamidade, é uma forma de toda a comunidade universitária dizer para prestarem atenção, porque o gato subiu no telhado.
Folha – A Uenf subiu no telhado?
Passoni – A Uenf subiu no telhado e a qualquer momento ela vai cair. Se no dia 11 pagarem o salário de todo mundo, beleza, a gente consegue um pouco mais de fôlego. Se a Ferthymar não observar nenhum pagamento esse mês, nós vamos ter dificuldade de convencê-la a continuar trabalhando, e, se ela sair, em uma semana estamos sem condições de trabalhar. O gato subiu no telhado porque estamos tendo problemas constantes de furtos na universidade, problemas de segurança. O dia que tiver algum ferido, a gente também vai ficar sem condição de funcionar. São vários fatores em que estamos na corda bamba, tentando equilibrar. Se alguma coisa dessas der errado, o gato cai do telhado.
Folha– Na mesma edição de domingo da Folha, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) disse e repetiu em entrevista (aqui): “Reconheço a importância da Uenf”. Mas ressalvou que sua prioridade é o pagamento de todos os servidores estaduais. Se isso acontecer, já que os da Uenf estão sem receber o 13º de 2016 e mais março de 2017, aliviaria o suficiente para esperar pelo resto?
Passoni – Alivia muita coisa, mas alivia a parte do servidor da universidade. O pessoal terceirizado continua muito no limite. Diminui um fator de pressão, mas a questão do terceirizado também é urgente.
Folha – Pezão também afirmou à Folha que seu plano de recuperação fiscal, além da ajuda da União, são as únicas alternativas à crise financeira do Estado. O governo federal condiciona sua ajuda à aprovação do plano de Pezão, que tem vários itens contrários aos interesses do servidor, como aumento da alíquota previdenciária de 11% para 14% e congelamento de reajuste salarial. Como conciliar o problema com a proposta de solução?
Passoni – Na Câmara (Federal), já caiu esse negócio, por exemplo, de 11% para 14% da contribuição previdenciária do servidor…
Folha – Mas Pezão afirmou que vai continuar brigando para aprovar isso na Alerj.
Passoni – Beleza. A questão do congelamento já está em efetivo. Nosso último reajuste salarial foi em 2015. Em 2016 não houve, e agora acabei de receber um comunicado devolvendo pra gente processos de enquadramento, progressão de carreira. Não é exatamente um reajuste, mas a classificação da pessoa no plano de cargos e vencimentos. A mobilidade no plano de cargos, que representava R$ 200, alguma coisa assim a mais no salário, também foi congelada.
Folha – Ainda na entrevista à Folha, Pezão disse ser equivocada a visão de que o fechamento da Casa de Cultura Villa Maria (aqui e aqui), por falta de energia elétrica, entre 18 e 24 de abril, seja a vanguarda de desmonte da Uenf. E você, o que acha?
Passoni – Ele talvez não tenha entendido o que a gente quis dizer com essa questão do fechamento da Villa Maria. É importante a gente ter clareza de que, se houvesse a manutenção correta da estrutura elétrica, da subestação, esse problema não aconteceria, ou não seria dessa magnitude. Foi um evento externo, que afetou a rede na rua e teve reflexos na Villa Maria. Se houvesse a manutenção correta, esse evento não teria assumido a dimensão que assumiu. É nesse sentido que falamos. Voltando à questão do deadline… Um evento inesperado antecipa isso.
Folha – Depois de oito anos com a Villa Maria sem um diretor, você foi o primeiro reitor a indicar alguém ao cargo: a professora da Uenf Simonne Teixeira. Qual foi sua intenção com esse resgate?
Passoni – Primeiro que uma universidade pura não existe. A universidade tem que ser universal, a cultura tem que permear as ações. A universidade não é só um local de fazer pesquisa, desenvolver o conhecimento técnico e formar mão de obra. Ela é um espaço de pensar a sociedade, pensar o ser humano, e a cultura é um aspecto muito importante para a gente se entender enquanto ser humano. É um dos aspectos que nos diferencia de outro animal. A Casa da Villa Maria tem essa importância por ser a Casa de Cultura. Além disso, é uma interface com a cidade muito importante, pelo significado que a casa tem para a sociedade de Campos, pela localização.
Folha – Sim, pelo seu simbolismo de prédio histórico de um dos mais belos entornos arquitetônicos da área central da cidade, que já serviu de sede à Prefeitura de Campos em quatro governos, a questão da Villa sensibilizou o campista. Tanto que, após sua reabertura, o evento “Choro na Villa”, no dia 29, registrou grande quantidade de público. Como continuar a sensibilizar?
Passoni – A população está sensibilizada, está apoiando e torcendo pela gente. Precisamos sensibilizar é o Governo do Estado. A Villa Maria tem um papel muito importante nessa aproximação da universidade com a cidade, com a sociedade. A tendência é a gente continuar desenvolvendo essas atividades, com essa intenção da aproximação.
Folha – Lançada em 11 de abril, na sua presença, o que a campanha “Somos todos Uenf” já promoveu de lá para cá? O que pretende ainda fazer?
Passoni – A campanha “Somos Todos Uenf” é uma campanha de propaganda da universidade, de sensibilização das autoridades. Tivemos o dia de ação em abril, agora estamos com as vinhetas no rádio e na televisão, nas redes sociais, chamando a atenção para a universidade. A função da campanha é demonstrar o carinho, o apoio, que a Uenf tem em Campos e na região.
Folha – No blog “Opiniões”, hospedado na Folha Online, uma série de colaboradores passou a tratar sobre a crise na Uenf. A primeira (aqui) foi a professora da universidade e presidente da Aduenf, Luciane Silva, que pregou: “Manter a Uenf aberta é uma forma de resistência e acima de tudo uma aposta de que o futuro de Campos pode ser muito mais luminoso. Mais humano e justo”. É isso?
Passoni – Sim. A universidade foi pensada como um fator de desenvolvimento da região. Quando o Darcy Ribeiro descreveu o projeto da Uenf, fez referência à Unicamp. A partir dela, Campinas e aquela região do interior de São Paulo alavancou um desenvolvimento fantástico. A Uenf veio para cá com a mesma intenção e, de certa maneira, vem cumprindo esse papel. Campos é hoje, no Estado do Rio, o maior polo universitário fora da capital. E todas essas universidades têm egressos da Uenf no seu quadro de docentes. O foco da Uenf na questão da pesquisa, da pós-graduação, foi muito importante.
Folha – Em outro artigo na Folha (aqui) sobre o mesmo tema, o professor José Luiz Vianna da Cruz ponderou em comentário (aqui) nas redes sociais: “Com todo o respeito ao Darcy, no início, a Uenf, por ter começado pelo doutorado e pela pesquisa laboratorial, não tinha conexões com a realidade regional e provocou até uma certa rejeição, porque os acadêmicos de então ‘não se misturavam’ e viviam mais fora de Campos”. Mas depois completou que, com o tempo, a Uenf se tornou “vanguarda acadêmica, social e política” de Campos e região. Quando e como se deu essa transição?
Passoni – Ele começa dizendo que a Uenf chegou aqui como um corpo estranho. Eu acho que o pessoal tinha uma expectativa um pouco diferente quando pediu a criação de uma universidade. A gente tinha uma visão no Brasil de que as universidades são criadas com a junção de faculdades existentes. Tenho a visão de que existia essa expectativa, como foi com o Uniflu, e em casos da UFRJ, da USP e outras. Havia essa expectativa por parte da intelectualidade. Quando foi decidido promover diferente, isso foi um choque. Em 1993, a estrutura aqui na cidade de Campos era muito ruim. O pessoal que veio sentiu um pouco esse impacto. Havia muito disso do pessoal não viver a cidade. Ficava aqui durante a semana e na sexta-feira se mandava. Isso dificultou um pouco, no início, essa integração. Mas, na medida que a universidade foi aumentando, com a entrada de docentes da cidade, isso foi mudando. Agora o pessoal está ficando aqui, morando aqui. Isso tem facilitado a integração. De parte a parte, o tempo dirimiu uma má impressão inicial e possibilitou essa aproximação.
Folha – Jornalista e diretor adjunto da superintendência municipal de Igualdade Racial, o Rogério Siqueira propôs em outro artigo (aqui) que a Uenf partisse para uma mobilização maior, junto às demais instituições de ensino superior, além do ensino médio de Campos. E essa estratégia de comunicação sofreu críticas de pessoas diretamente ligadas à Uenf. Isso não revela certo defensivismo?
Passoni – Não. A universidade é um espaço muito plural. Essa é uma grande característica, até difícil de compreender. Ela não tem um pensamento único. Cada indivíduo aqui tem um pensamento diferente. Qualquer iniciativa vai sofrer crítica, de um lado ou de outro. A crítica faz parte da universidade e não pode ser vista como um defensivismo, mas como a essência da universidade. Esta nossa entrevista, quando for publicada, vai sofrer críticas. Não sei o que, mas alguma coisa que eu falei aqui, vai gerar críticas, quem sabe até severas, por parte da própria comunidade interna. Não vai ser unânime.
Folha – Engenheiro e ex-candidato a prefeito de Campos, na eleição de 2012, José Geraldo Chaves tem proposto (aqui) a criação de uma comissão paritária que envolvesse setores da sociedade civil e representantes políticos de todos os municípios onde atua a universidade, além de seus ex-reitores e o atual, você. Qual a sua opinião?
Passoni – A gente já conversou alguma coisa parecida com isso. Numa conversa aqui com setores da sociedade civil, não vou me lembrar exatamente quem estava presente, a gente discutiu a possibilidade de criar alguma coisa que, mesmo não estando dentro da estrutura administrativa da universidade, funcionasse como um órgão consultor, uma referência, para a gente juntar esses atores para pensar um pouco a universidade e sugerir caminhos que possam ser trilhados, para sairmos dessa situação em que a gente se encontra. Essa sugestão já houve. Estamos simpáticos à ideia, mas ainda não conseguimos tomar nenhuma ação concreta no sentido. Teve um primeiro momento, na própria campanha “Somos todos Uenf”, quando convidamos para o lançamento um conjunto de personalidades e entidades que podem ser a base para esse conselhão. Não seria deliberativo, mas uma comissão de ajudar a pensar. É uma ideia boa, que a gente pretende colocar em prática.
Folha – Outro texto sobre a situação da Uenf que gerou polêmica foi escrito pelo advogado e publicitário Gustavo Alejandro Oviedo, no qual ele propôs (aqui) que a universidade buscasse mais parcerias com a iniciativa privada. Entre pessoas ligadas à Uenf, algumas pareceram aprovar, mesmo destacando iniciativas já feitas neste sentido, enquanto outras opuseram questionamentos. O que você pensa?
Passoni – Penso que vai ser muito difícil a gente substituir o papel do Estado no financiamento. Conseguir R$ 2 milhões por mês não é trivial. Isso sem contar os salários, só para a manutenção. Não é uma coisa trivial. A Uenf tem, de fato, interações com a iniciativa privada, principalmente com a Petrobras.
Folha – Que é uma estatal, com a situação financeira bastante complicada pela corrupção.
Passoni – Mas temos uma interação há bastante tempo com a Águas do Paraíba também…
Folha – Que é uma concessionária de serviços públicos.
Passoni – Procuramos o pessoal do Porto do Açu, o pessoal da Corbion Purac (antiga Purac Sínteses). A gente tem procurado.
Folha – Você falou antes, com razão, que a iniciativa privada não teria como assumir o papel do Estado. Mas não poderia ajudar, sobretudo num momento de crise?
Passoni – A gente precisa dessa ajuda, porque a ajuda não está vindo. Mesmo a Petrobras, que é o principal parceiro, desenvolve vários projetos de pesquisa na universidade, ela financia o projeto de pesquisa de interesse da empresa. Os recursos vão para esses projetos. Mas a questão de pagar luz, água, esse tipo de coisas não entra no projeto. Então, a gente precisa aprimorar esse mecanismo, para que essas colaborações, que já existem e a gente pretende ampliar, revertam recursos para a manutenção da universidade. Hoje é muito pouco o revertido para isso.
Folha – Num debate nas redes sociais, o jornalista Ocinei Trindade, que recentemente concluiu seu mestrado de Cognição e Linguagem na Uenf, testemunhou (aqui) que, num seminário da universidade, ele sugeriu a possibilidade de ajuda da iniciativa privada em pesquisas e patrocínios, mas ouviu de uma professora do CCH: “prefiro morrer a lidar com capitalistas”. O setor privado deve ser encarado como inimigo “mortal” de uma educação superior pública, gratuita e de qualidade?
Passoni – De novo: todo assunto dentro da universidade é polêmico. Você vai encontrar gente que é muito crítica à participação da iniciativa privada. Por outro lado, também vai encontrar gente que busca essa interação com a iniciativa privada. Hoje, a nossa principal carência é o maior interesse da iniciativa privada em colaborar com a universidade, que tem um grande potencial, um grande número de pessoas que estão dispostas a essa colaboração. Citei dois casos emblemáticos de empresas que, embora sejam uma concessionária e uma empresa estatal, são empresas, funcionam dentro de uma lógica de mercado, e que têm encontrado, dentro da universidade, parceiros para desenvolverem ações de seu interesse. A gente tem setores dentro da universidade que estão abertos a essa colaboração. É mais o pessoal da área de tecnologia, não o do CCH. O pessoal da área de humanas tem alguma dificuldade na interação, porque o tipo de pesquisa que eles fazem não é o tipo que interessa muito ao setor produtivo.
Folha – A iniciativa da parceria deveria partir, então, do setor privado, não da universidade?
Passoni – A iniciativa privada é quem tem que colocar para a gente as suas demandas, para que a gente possa entender.
Folha – Por qual canal?
Passoni – Temos, por exemplo, a agência de inovação, que faz essa interface. Já fomos procurar o pessoal do Porto, o pessoal da Corbion. A gente tem uma interação muito boa com a Firjan, com a Acic, com a CDL… Estamos de portas abertas, com um potencial muito grande de ter ações de interesse que possam reverter algum recurso para a manutenção da universidade. Agora, quem tem o dinheiro é a iniciativa privada. Ela tem que mostrar também a disposição de investir na universidade.
Folha – Voltando à Villa Maria, além do “Choro na Villa”, que terá edição mensal, ontem foi organizado (aqui) nos jardins da Casa de Cultura o “Dia do Rock Goitacá”, Isso sem contar o “Bazar da Villa”, agendado para 7, 8 e 9 de julho. Todas as iniciativas são frutos de parcerias. Em entrevista à Folha, Simonne Teixeira afirmou (aqui): “a parceria entre a Uenf e a comunidade é fundamental”. Concorda?
Passoni – Concordo plenamente, e estamos nessa trajetória de ampliação. A Villa Maria passou pelo menos oito anos sem direção, fechada no sentido de que não acontecia nada lá. E nada iria acontecer se dependesse só da universidade. A universidade está sem condição de bancar qualquer iniciativa. É com a colaboração e a participação que esses eventos têm acontecido, muito em função da dinâmica da professora Simonne. Está aí um exemplo de como a universidade está aberta, buscando interações com a iniciativa privada. Buscamos essa interação com atores externos e ampliar isso, mas esbarramos também na nossa capacidade. Quantos eventos a gente conseguiria fazer na Villa Maria? Acho que estamos chegando no limite do número razoável de eventos que a gente consegue fazer durante o ano. Aqui dentro da universidade, na questão dos laboratórios, da pesquisa, de interesse da iniciativa privada, a gente ainda tem muito potencial para crescer. E aí percebo pouco interesse da iniciativa privada em desenvolver pesquisas.
Folha – Há possibilidade de sobrevivência à Uenf se ela não for abraçada pelas comunidades na qual está instalada? Em contrapartida, há futuro promissor para Campos e região sem a Uenf?
Passoni – A resposta é não para tudo. Acho que está claro que a gente precisa inclusive até de um apoio mais veemente. A gente precisa colocar, de maneira muito mais clara, a importância da Uenf para Campos e região ao Governo do Estado, que ainda não está sensibilizado com a situação da universidade. A universidade ainda não é prioridade dentro de todas as carências do Estado. A gente só vai conseguir isso com toda a sociedade solicitando essa prioridade, essa valorização. E a questão do futuro da região, eu acho que depende muito dessa nossa capacidade também de conseguir traduzir em coisas práticas o conteúdo, a excelência da nossa pesquisa. A gente tem conseguido, com muito sucesso, na questão de formação de pessoal, de pessoas qualificadas. As universidades usam professores formados na Uenf, as empresas usam profissionais formados aqui. Agora, precisamos que se tenha mais inserção dos resultados da pesquisa na produção local. Cito, por exemplo, a introdução da uva, a questão do mamão. A gente tem, por exemplo, o milho. Temos a semente, mas não temos ainda o mecanismo para que essa semente chegue ao produtor e ele consiga produzir. Temos vários programas de extensão na área rural, auxiliando os pequenos produtores, que precisam ser integrados, e ficar clara a contribuição que eles dão hoje na produção campista e da região.
Folha – O que representa para a Uenf a PEC apresentada pela Comissão de Educação da Alerj, para que o repasse do orçamento das universidades aconteça em duodécimos, ou seja, dividido em 12 meses?
Passoni – Existem alguns mecanismos que, aplicados hoje, ajudariam a universidade a superar esse momento. Um desses mecanismos é o seguinte: A Constituição do Estado do Rio de Janeiro fala em 6% da arrecadação para as universidades. Isso não é cumprido. Todo ano, a Comissão de Educação apresenta uma emenda do orçamento para que seja cumprido o mecanismo dos 6%, e todo ano a base do governo consegue rejeitar. Hoje, não estamos recebendo nada. A questão do duodécimo vai no mesmo sentido. É pegar o orçamento, que não está sendo cumprido, e repassar todo mês a parte que nos cabe, em recurso financeiro, em papel moeda. Com isso, a gente conseguiria se organizar. Hoje, a gente tem orçamento, mas não tem dinheiro. Se o Governo do Estado começar a acertar a partir daqui, tendo a garantia de algum aporte mensal, eu consigo conversar, renegociar e resolver a questão. O problema é que eu não tenho nenhuma garantia de aporte mensal. A questão do duodécimo é, de novo, uma garantia do aporte em dinheiro, de um recurso mensal para a universidade, que vai poder exercer autonomia, eleger prioridades e começar a sair desse buraco. É um mecanismo muito importante, similar ao do financiamento das universidades paulistas, que são consideradas as melhores do Brasil em qualquer avaliação. Muito desse sucesso tem a ver com a forma de financiamento, que é um percentual de arrecadação repassado em duodécimos. O Estado do Rio de Janeiro tem se recusado a usar esse modelo.
Folha – Em reunião na última sexta, o governador Pezão prometeu (aqui) pagar em dia servidores e bolsistas das universidades estaduais, de abril para frente. E estimou acertar os atrasados para trás até o final de junho, quando deve ter sido aprovada no Congresso Nacional a ajuda da União aos Estados. Com isso o gato começa a descer do telhado?
Passoni – O governador disse que sem aprovação no congresso da ajuda aos estados, ele não tem como prever ainda quando e como poderá pagar os salários de março. Disse que vai tratar as universidades como educação (as instituições estaduais de ensino superior são ligadas à secretaria de Ciência e Tecnologia, não de Educação), que vamos receber junto com o pessoal da educação a partir do mês que vem. E que saindo pacote de ajuda no fim até o final de junho ele coloca em dia os atrasados. O pacote de ajuda já foi aprovado no primeiro momento faltam os destaques Então eu acho que é uma boa notícia: a gente pode esperar para breve que seja acertado a questão do salário.
Folha – Pezão também disse que só depois que acertar o pagamento dos servidores, vai saldar o atrasado com os fornecedores, mantendo pagamento mínimo até lá, do qual a Uenf ficou de receber entre R$ 100 mil e R$ 200 mil nos próximos dias. Com essa perspectiva, consegue negociar e se manter funcionando?
Passoni – Com relação aos fornecedores, é isso mesmo. Vai ser feito algum pagamento esse mês e, a partir de quando o salário for posto em dia, vai começar a ser feito acerto com os fornecedores também.
Pubicado hoje (07) na Folha da Manhã
Existem cadeiras no Conselho Universitario da UENF para a Sociedade Civil Organizada e Comunidade Científica e Tecnológica que estão desocupadas.Somos todos UENF!