Soube da morte de Tarcísio Meira, mais uma das 566 mil vidas humanas perdidas no Brasil para a Covid-19, enquanto guiava sob a chuva por todo o trecho da BR 101 entre o Rio de Janeiro e Campos. Ele tinha 85 anos e já havia tomado as duas doses da vacina contra a doença, argumento do teatro do absurdo encenado diariamente por quem pensa e age como se a pandemia já tivesse acabado, no ensaio da morte consigo e seu semelhante.
Contracenando com a esposa Glória Menezes, também internada por Covid, mas em caso moderado, Tarcísio foi o galã da primeira telenovela diária do Brasil, “2-5499 Ocupado”, de 1963. Escrita por Dulce Santucci, foi dirigida por Tito Di Miglio na hoje extinta TV Excelsior. Novamente na companhia de Glória, seu personagem mais popular foi João Coragem. Era o protagonista da novela “Irmãos Coragem”, escrita por Janete Clair, grande dama da teledramaturgia brasileira, e dirigida por Daniel Filho e Milton Gonçalves.
Na tela da Globo, o sucesso de “Irmãos Coragem” foi tanto, que entre 1970 e 1971 o folhetim teve mais audiência que a final da Copa de 1970, primeira ao vivo pela TV. E na qual o Brasil ganhou o Tricampeonato, no inapelável 4 a 1 sobre a Itália, imposto na Cidade do México por Pelé, Jairzinho, Gérson, Rivelino, Tostão, Carlos Alberto Torres e grande elenco.
Craque da TV, teatro e cinema brasileiros, Tarcísio, como todo galã, era por vezes considerado canastrão. No cinema, rompeu com esse estigma ao compor o elenco de “A Idade da Terra” (1981), interpretando o Cristo Militar, uma das quatro versões do Cristo no último filme do genial cineasta Glauber Rocha. Como já havia excedido definitivamente o estereótipo do galã na surpreendente cena final de “O Beijo do Asfalto” (1980), contracenando com Ney Latorraca no filme dirigido por Bruno Barreto, com base na peça homônima do mestre Nelson Rodrigues.
Foi com base em outros mestres da literatura, em três minisséries, que Tarcísio teve talvez suas maiores interpretações. Na primeira, ele deu densidade dramática à figura do galã ao encarnar o Capitão Rodrigo Cambará em “O Tempo e o Vento”, minissérie homônima da obra épica do mestre gaúcho Erico Verissimo. Dirigida por Paulo José, Walter Campos e Denise Saraceni, com direito à música de Tom Jobim, a minissérie foi exibida pela Globo de abril a maio de 1985.
No mesmo ano, mais uma adaptação de outro clássico da literatura daria a Tarcísio seu papel mais distante da figura que simbolizava no imaginário nacional. Em “Grande Sertão: Veredas”, baseado no romance homônimo do mestre mineiro Guimarães Rosa, o galã aparece irreconhecível, gordo e feio, na pele do cruel líder cangaceiro Hermógenes, em seu duelo de morte com o Diadorim vivido por Bruna Lombardi. Dirigida por Walter Avancini, a minissérie foi exibida pela Globo entre novembro e dezembro de 1985.
Em “Desejo”, minissérie também exibida na Globo, entre maio e junho de 1990, Tarcísio não vive nenhum grande personagem da literatura nacional, mas um dos seus maiores nomes: Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”. Menos na Guerra de Canudos, maior guerra civil brasileira, narrada por Euclides como testemunha ocular em sua obra-prima, a trama se desenrola no trágico triângulo amoroso que custou a vida de quem melhor entendeu este país. No que foi um escândalo no Brasil daquele início de século 20.
Como Janete Clair, Glauber Rocha, Nelson Rodrigues, Erico Verissimo, Tom Jobim, Guimarães Rosa e Euclides da Cunha, Tarcísio Meira foi uma referência nacional do seu tempo. O nosso tempo! Maior galã da dramaturgia brasileira, foi também muito mais que isso. E deixa seu legado de luz a um país mergulhado em sombras.