Por Aluysio Abreu Barbosa, Arnaldo Neto, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel
Não há nenhuma possibilidade de aliança do PSD do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, com o governador Cláudio Castro (PL). A afirmação foi feita no início da manhã de ontem, no programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, pelo pré-candidato a governador do PSD, Felipe Santa Cruz. Ex-presidente nacional da OAB, ele definiu a situação fluminense como a do “rico, mas no Serasa”. Referiu-se aos mais de R$ 14,4 bilhões que a venda da Cedae rendeu aos cofres do Estado do Rio de Janeiro, que se encontra em regime de recuperação fiscal com a União. Não descartou, no entanto, a possibilidade de aliança do seu PSD com o PDT do também pré-candidato a governador Rodrigo Neves, ex-prefeito de Niterói.
Santa Cruz ressaltou a importância de projetos ao estado, sobretudo voltados à recuperação de empregos formais, no que usou como exemplo o Porto do Açu, em São João da Barra. Sobre Campos, embora tenha elogiado o prefeito Wladimir Garotinho (sem partido), que deixou o PSD, ele saudou a entrada na legenda de Caio Vianna e do vereador Bruno Vianna. Também falou de Campos como provável último destino do seu pai, o militante de esquerda Fernando Santa Cruz, preso pela ditadura militar (1964/1985) em 1974. Segundo a livro “Memórias de Uma Guerra Suja”, do ex-delegado Cláudio Guerra, o corpo de Fernando teria sido incinerado nos fornos da antiga usina Cambaíba. Atacado por isso pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), ele disse o que aprendeu no episódio: “Ele (Bolsonaro) é basicamente uma pessoa que não ama o próximo. Ele é um grande porta-voz do ódio no país”.
Na Datafolha, 3% das intenções de voto – Primeiro, falta que eu seja conhecido. Eu sou conhecido de um pequeno setor, setor de classe média basicamente, setor da advocacia, pessoas que têm interesse maior pelo debate público. Nós sabemos que não é essa a realidade da grande maioria da população do Rio de Janeiro, que hoje está mais preocupada em sobreviver. Ela tem problemas maiores para tratar do que saber quem é o Felipe Santa Cruz. A pesquisa de ontem (quinta, dia 7) mostra, e isso é muito preocupante para nós que somos apaixonados pelo nosso estado, que quase 50% dos fluminenses não têm candidato ou não vão votar. Isso já tem acontecido nas últimas eleições, uma abstenção maciça, voto em branco e nulo maciços. O Rio de Janeiro é um dos piores estados, talvez o com o pior percentual, mais baixo percentual de jovens tirando título entre 16 e 18 anos. O que a pesquisa mostra basicamente é desesperança. Nós estamos muito convictos de que, na hora em que a comunicação se der dos projetos que temos para o Rio de Janeiro, da experiência administrativa que o PSD tem, principalmente da Prefeitura do Rio de Janeiro, nós vamos subir nas pesquisas. Já vamos ter agora um espaço para isso, que são as inserções partidárias, que começam no início de maio, onde certamente eu serei mais conhecido. Então, as pesquisas nesse momento não nos preocupam. O que elas mostram para nossa preocupação é essa desesperança.
Liberdade de expressão x fake news – São as contradições do nosso país. Uma qualidade: a liberdade. Nós todos aqui somos filhos de uma geração que lutou pela liberdade de imprensa plena. Na Rússia, Putin controla as notícias sobre a guerra, e a sua popularidade aumenta, mesmo com o descalabro que ele está cometendo. O Brasil tem plena liberdade. Graças a Deus, as pessoas falam o que querem. O Judiciário, claro, quando chamado, pontua e responsabiliza. Não é um território sem lei, mas há uma liberdade, especialmente a liberdade de imprensa, liberdade de manifestação, liberdade de expressão. Também temos aí as nossas contradições: é um país com baixo percentual de formação cultural, formação acadêmica, baixa qualidade pedagógica. As nossas escolas vivem um processo de decadência muito marcante nos últimos 30 anos. Quem de nós aqui não ouviu falar da lembrança dos nossos pais da escola pública? Eu sou filho da escola pública, eu cresci no Rio Grande do Sul, estudei em escola municipal até o terminar o meu primeiro grau. Há essa decadência marcada nos últimos anos, especialmente no Rio de Janeiro, que está nos últimos postos nas avaliações nacionais. E as pessoas têm dificuldade de ler e interpretar a realidade. Então, o Brasil viveu e vive cenas surreais. Nós tivemos no Brasil aliados do vírus. As pessoas foram contra a vacina, foram contra o isolamento. Morreram quase 700 mil brasileiros. Eu, como presidente da Ordem, tive que fazer, em menos de 24 horas, uma ação que garantia aos estados e municípios a capacidade de combater a Covid. Hoje, eu me pergunto quantas pessoas teriam morrido se, naquele momento em que o vírus tinha tantos aliados no Brasil, nós não tivéssemos conseguido aquela liminar.
Critérios para definir candidatura própria do PSD ou aliança com Rodrigo Neves – O critério é político. O critério é uma discussão que passa pelo palanque nacional. O PSD do Rio, hoje, está disposto a apoiar o candidato do PDT. É óbvio que o PSD não pode ser um apêndice do PDT. O prefeito Eduardo Paes, que é o nosso presidente estadual, entende que o PSD deve ter a titularidade da campanha para governador. É esse o impasse hoje. Nós gostaríamos muito de caminhar com os companheiros do PDT, com o Rodrigo Neves. Eu, pessoalmente, sou amigo do Rodrigo, conheço o Rodrigo há mais de 20 anos, desde jovem. Eu sei da capacidade dele, foi um grande prefeito de Niterói. Agora, o critério pesquisa para nós não parece correto. Como eu te disse, nunca fui candidato a um cargo majoritário, nunca fui prefeito de uma grande cidade. E eu tenho dito até para os amigos que eu estou envaidecido com meus 3%, porque eu sou conhecido de 6%. Eu brinco: de cada dois que me conhecem, um está votando em mim. Então, dado esse critério, não seria eu candidato, necessariamente. Então, o critério é político. Espero que siga essa conversa, é importante para o Rio de Janeiro que se construa. Eu não gosto do termo terceira via, porque está ficando meio pejorativo nacionalmente. Mas, se há um estado onde é possível montar uma via alternativa entre a polarização do bolsonarismo e uma visão também polarizada, digamos assim, no campo do presidente Lula, mais à esquerda, é o Rio de Janeiro. Um campo em que é possível construir um palanque progressista. Eu me entendo uma pessoa progressista. Um palanque de centro, centro-esquerda, centro-direita, com chances de vitória.
Por que se candidatar a governador? – Eu, na verdade, fui chamado por pessoas em quem eu confio muito, em especial pelo Eduardo. As pessoas brincam se eu seria deputado federal. Digo que seria para mim um sacrifício ir a Brasília toda semana, eu sou aquela pessoa que ama o Rio de Janeiro. Sofro muito com a decadência do estado. O Brasil está em decadência, mas o Rio de Janeiro, uma decadência muito grande. O que eu posso trazer para esse debate é isso aqui: o que eu entendo do mundo, representação das forças políticas que eu represento, e essa vontade de contribuir com o debate público. De mim, não se espera ataque pessoal. Eu sou um advogado, essencialmente. As pessoas estranharam que eu fui ao aniversário do governador. Existe profissão mais caracterizada pela capacidade de conviver com a divergência que a advocacia? Então, é isso que eu falo em construir uma alternativa à polarização. Eu não estou diminuindo as pessoas que estão polarizadas, mas nós temos que voltar o debate público para o que importa. É isso que me atrai nesse momento. Com o apoio do Eduardo, com a força do PSD e, espero de outros partidos, já tem o PSDB se aproximando, o Cidadania, nós vamos construir uma candidatura forte.
Possibilidade de aliança de Paes com Cláudio Castro – Com Cláudio Castro? Nenhuma. Primeiro que o governo do Cláudio fez uma opção de sobrevivência pela entrega do governo às forças políticas. Eu acho que faz parte, é uma escolha legítima. Mas é um governo que tem muito pouco a oferecer do que nós queremos. Nós queremos um governo com capacidade de realização, um governo técnico, com política também, mas com política voltada a resultados. E nós estamos vendo aí os resultados. Você vê: entregou a secretaria de Transporte unicamente para o mundo da política, e há o colapso na SuperVia. Ele vendeu seu último quadro de valor, que é a Cedae. Se vai dar certo ou não a privatização da Cedae, nós vamos descobrir em poucos anos. A população vai descobrir. Agora, o dinheiro da Cedae já está no caixa do estado. Ele passa a fazer um discurso de riqueza quando está em regime de recuperação fiscal. Rico, mas está no Serasa. Ele está rico, mas está sem crédito. Ele está rico, mas é a União Federal quem está pagando suas dívidas. Então, nos parece que esse projeto não é um projeto a médio e longo prazo aceitável. E, além de tudo, o Cláudio fez uma opção, com todo o respeito, mas uma opção para nós que, parece, não é cabível no PSD, que é a opção pela continuidade do governo Jair Bolsonaro. Volto a dizer: nada pessoal contra o presidente Jair Bolsonaro, mas é o pior governo da história do país. O governo aliado do vírus, o governo que não entregou nada. O presidente Jair Bolsonaro fez uma reunião de ministério no ano de 2022. Para quê? Para tratar da desincompatibilização dos seus ministros. É um governo que faz a política pela política, não tem qualquer projeto para o Rio de Janeiro. O PSD quer e tem projeto para a população. Então, nós não teríamos como apoiar o governador Cláudio Castro, de forma muito franca, de forma direta, e esperamos o apoio ainda do PDT, como vamos ter do PSDB, do Cidadania e de outros partidos que queiram fazer conosco esse movimento de recuperação do estado.
No PSD de Campos, sai Wladimir Garotinho, entram Caio e Bruno Vianna – Estamos muito confiantes com Caio, com Bruno. Como eu disse, é um partido novo, renovado. Quero mandar um abraço ao nosso diretório aí de Campos, aos nossos companheiros do PSD. E, com todo o respeito ao prefeito (Wladimir), uma pessoa muito gentil; nas poucas vezes em que estive com ele, tive uma ótima impressão; nós temos um projeto e esse projeto está, em Campos, muito bem representado pelo Caio e pelo Bruno. Estamos muito animados com a perspectiva do ingresso dos dois ao partido. O Eduardo tratou disso pessoalmente. Para nós, foi uma grande vitória a entrada do Caio e do Bruno em Campos.
Porto do Açu – Eu já ouvi a frase de que esse porto é o verdadeiro projeto do Rio de Janeiro para o século XXI. Ele tem que ser central para a recuperação do nosso estado. Essa frase eu já ouvi de empresários que entendem do tema muito mais do que eu. Então, essa centralidade de emprego e renda eu acho que é a grande resposta que a gente tem que dar para o nosso projeto. No Rio de Janeiro, o que falta é emprego. Segurança pública é um grave problema do Rio de Janeiro. Se nós não dermos esperança e emprego, principalmente à juventude do nosso estado, nós vamos ter um estado em permanente decadência social e um estado que vai gerar um ambiente de violência, necessariamente. Então, é essa centralidade que primeiro vai ser resgatada, com transparência e honestidade. Parece pouco, mas eu fui conversar com empresários de São Paulo, chamado para uma dessas mesas onde você conversa com o PIB, eu e o Eduardo, e as pessoas têm medo de investir no Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro é um estado hostil ao investimento privado. Nós precisamos atrair esse investimento para que a gente possa gerar emprego. A gente tem que fazer uma profunda reestruturação do nosso mapa de crescimento das regiões do estado do Rio de Janeiro. Quais são as nossas vocações? Essas vocações estão esquecidas. O Rio de Janeiro vive hoje uma ausência de projetos a médio e longo prazo. O Porto do Açu foi um dos últimos grandes projetos. Quando o Rio de Janeiro mergulha na crise em 2014, some do nosso mapa a possibilidade de pensar novos projetos para o futuro. Então, nós temos que dar essa centralidade ao Porto do Açu, atrair esse empresariado. Qual é a grande última notícia de geração de empregos do Rio de Janeiro? Não tem. Nós estamos há quase oito anos quase submersos numa realidade negativa, de pessimismo. Vamos recuperar isso. Esse é o grande ponto que nos faz não ter hoje o número de empregos que tínhamos em 2014, com carteira assinada, que possam acudir a nossa população.
Ataques do presidente Bolsonaro, pela morte do pai, Fernando Santa Cruz, na ditadura militar, cujo corpo teria sido queimado na usina Cambaíba, em Campos – Na minha posse (como presidente nacional da OAB) eu falei uma frase de Marcos Freire (advogado, ex-deputado federal, ex-senador e ex-ministro, morto em 1987) que foi um grande resistente à ditadura militar, também da terra originária da minha família, que é de Olinda (PE): “Sem medo, sem ódio”. Eu acho que as pessoas não têm que ter ódio. É olhar para o futuro. Mas eu tenho muito orgulho da história do meu pai. Meu pai resistiu à ditadura. Meu pai não foi da luta armada, era um militante da Juventude Católica. A Juventude Católica funda a Ação Popular, já na ditadura, e parte dela vai depois, nos anos 1970, para a APML, que é a Ação Popular Marxista Leninista. Meu pai nunca foi um militante da resistência armada à ditadura. Não que se justifique o assassinato desses militantes sob guarda do Estado. Mas nunca foi. Meu pai era um estudante de direito, prestes a se formar, com filho pequeno. Ele era funcionário público da companhia de águas e esgotos de São Paulo e tinha vindo ao Rio de Janeiro visitar um amigo de infância dele, da AP, que militou com ele, chamado Eduardo Polier. Os dois desapareceram e os corpos teriam sido incinerados em Campos. Essa história para mim é uma história bem resolvida, com os traumas de qualquer filho que perdeu, muito pequeno, o pai. O presidente da República é uma pessoa cruel, e aí eu acho isso marcante do que penso sobre Jair Bolsonaro, acho que esse episódio me ensinou isso. É uma pessoa sem empatia. Ele é basicamente uma pessoa que não ama o próximo. Ele comunica o ódio. Ele é um grande porta-voz do ódio no país. Ele é o grande porta-voz dos ressentimentos, é muito hábil nisso. Então, ele nos leva a debates superados. O debate da ditadura é da História, pertence aos historiadores. A população tem que saber dele através desses historiadores. Pois o presidente reabre essas antigas feridas, traz para o presente, muito para não ter que responder. O que, por exemplo, ele fez por Campos? O que o presidente Bolsonaro trouxe para o Rio de Janeiro? Me diz aí uma linha férrea, uma estrada, um hospital. Nada. Ele estava debatendo comigo um tema (em julho de 2019) que não tem absolutamente nada a ver com isso (proteção ao sigilo telefônico dos advogados de Adélio Bispo, que esfaqueou Bolsonaro em Juiz de Fora, na campanha presidencial de 2018). A todos os advogados que possam estar nos ouvindo (lendo): é óbvio que é inviolável o telefone do advogado, porque o advogado não trata ali apenas daquele cliente. O telefone de um advogado hoje é um escritório de advocacia. Muitos desses assuntos são sigilosos. É a garantia da democracia, é uma obrigação da Ordem, que o presidente não entende ou finge não entender. Daí ele faz um ataque pessoal a mim, à minha família, extremamente cruel. Não tanto a mim, que sou uma pessoa pública. Mas, por exemplo, em relação às minhas tias, em relação à minha avó, que ainda era viva. Ele pratica um segundo homicídio contra o meu pai. Primeiro, ele distorce a vida do meu pai, que nunca pegou numa arma. Era um estudante de Direito. Usa essa máquina que ele tem de pessoas ignorantes que ficam reproduzindo as coisas nesses grupos de WhatsApp, sem conhecer a História. O meu pai estava sob guarda do Estado, e isso foi reconhecido pelo Golbery do Couto e Silva, que era o principal general de sustentação do governo (Ernesto) Geisel (1974/1979). Então, o presidente reabre essas feridas, leva a discussão a um campo que não interessa a ninguém. Faz isso como estratégia para fugir do debate que importa. Assim, eu aprendi muito sobre Jair Bolsonaro, inclusive sobre a sua covardia. É um presidente extremamente covarde. Ele ataca e depois recua. Como fez no 7 de setembro.
“Quem é Bolsonaro?” – Quem é o Jair Bolsonaro? É o Jair Bolsonaro que pediu desculpas escritas ao Alexandre de Moraes? Ou é o Jair Bolsonaro que quer o fechamento do Supremo? Qual é o Jair Bolsonaro que vai surgir no 1º de janeiro, se ele for reeleito? Esse Jair Bolsonaro que entregou o governo para o Centrão e para os deputados, através do Orçamento Secreto, ou o Jair Bolsonaro pitbull que quer o golpe militar? Mas, o presidente ele ataca e depois ele recua. Então, eu fiz uma peça, assinada por todos os presidentes vivos da OAB, fui ao Supremo e pedi que o presidente me contasse. Ele não disse que ia me contar? Tudo o que eu quero na minha vida é saber o que houve com o meu pai. Eu sei que o meu pai não volta mais. Minha mãe sabe isso. Minha avó sabia isso. Mas para saber o que aconteceu no desfecho, nos últimos momentos da vida do meu pai. Quem perdeu um parente sabe a importância disso. Se chama fechar o luto, encerrar a história, saber o que aconteceu. As pessoas querem essa verdade. O presidente disse que sabia. Ele é o presidente da República, é o supremo mandatário do país. Então, eu fui ao Supremo, e o Supremo pediu que o presidente dissesse. O presidente fez o quê? Como costuma fazer: “não foi bem isso”. O presidente foi covarde, foi mentiroso. Ele explora a ignorância e nos obriga a fazer um debate que não tem mais o menor cabimento. Mas, em vez de estarmos debatendo o que vai acontecer no Porto do Açu, os 700 mil empregos que o Rio de Janeiro perdeu em uma década, nós estamos debatendo o que aconteceu na ditadura militar.
Confira em vídeo, nos três blocos abaixo, a íntegra da entrevista de sexta (08) com Felipe Santa Cruz ao Folha no Ar: