Como a morte da rainha Elizabeth II, na quinta (8), aos 96 anos, 70 anos dele ocupando o trono da Inglaterra, marcou seu país e o mundo que se acostumou a tê-la como referência? Para tentar entender o legado da mais longeva soberana britânica, que se transformou num ícone da cultura pop, a Folha entrevistou o economista William Pretyman, nascido e criado no Brasil, entre Campos e o Rio de Janeiro, mas também cidadão britânico. O empresário e pordutor rural é filho de um lorde inglês, que era primo de Elizabeth. Ele lembrou que Elizabeth assumiu o trono por acaso. Foi após o tio, o rei Eduardo VII, abdicar do trono para se casar com uma estadunidense divorciada. E do pai, o rei Jorge VI, morrer precocemente aos 57 anos. “O que a ajudou foi ela reunir qualidades ímpares, tendo ao longo do seu reinado se comportado de maneira conciliadora e equilibrada, colocando o bem de seu país antes de seu próprio bem-estar”, avaliou William. Ele vê o engajamento ambiental do novo rei Charles III como positivo. E criticou as “esquesitices” patriarcais da Inglaterra do seu pai: “Como o fato de nas famílias mais abastadas prevalecer o direito do filho mais velho à herança familiar”.
Folha da Manhã – Com a morte da rainha Elizabeth II, após 70 anos no trono, chegou ao fim uma era? O que fica e o que vai? Qual o legado dela e seu reinado à Inglaterra, à Grã-Bretanha e ao mundo?
William Pretyman – Sim, penso ter chegado ao fim uma longa era. Quando nasceu, Elizabeth era apenas a terceira na linha de sucessão: portanto acabou tendo que assumir ao trono sem nenhum preparo. O que a ajudou foi ela reunir qualidades ímpares, tendo ao longo do seu reinado se comportado de maneira conciliadora e equilibrada, colocando o bem de seu país antes de seu próprio bem-estar. Com a sua morte a monarquia inglesa se mantem como a mais importante e reverenciada das monarquias ainda existentes.
Folha – O que esperar de Charles, agora III, no trono da monarquia parlamentar ainda mais importante do mundo? Seu engajamento nas questões ambientais pode marcar seu reinado?
William – Sim, penso que sim. Charles, ao contrário de Elizabeth foi educado e preparado para assumir o trono, tendo em vários momentos da vida se frustrado com a longa espera, o que é justificável. Seu engajamento nas questões ambientais é tido como fator positivo no mundo conturbado no qual vivemos.
Folha – A Inglaterra foi marcada por três rainhas: Elizabeth I, na afirmação do país na Europa e da sua língua com Shakespeare; Vitória, no auge do poder do Império “onde o sol nunca se põe”; e, agora, por Elizabeth II. Como elas foram precursoras no empoderamento da mulher?
William – A Inglaterra, no aspecto de empoderamento da mulher, não chegou a ser propriamente inovadora, pois é um país que sempre valorizou a tradição. Portanto, ainda tem algumas esquesitices, como o fato de nas famílias mais abastadas prevalecer o direito do filho mais velho à herança familiar.
Folha – Elizabeth II assumiu o trono com 25 anos, em 1952, quando o primeiro-ministro era Winston Churchill. E morreu após dar posse à 14ª ocupante do cargo executivo durante seu reinado, Liz Truss. Como esse equilíbrio entre Estado e governo marcou o reinado dela?
William – A busca do equilíbrio entre Estado e governo foi um dos mais importantes legados deixado pela rainha. Ela foi soberana sem querer se impor. Ouvia atentamente quando surgiam crises e com sua sabedoria buscava sempre o melhor para o seu país.
Folha – Elizabeth II sempre foi tida como referência de devoção à vida pública, da primazia do Estado sobre a vida pessoal. Como ela inspirou e continuará a inspirar pessoas que ocupam posições de poder no mundo?
William – As pessoas que ocupam posições de poder no mundo costumam, por razões óbvias, ter uma visão de curto prazo. Durante seu longo reinado, por ter convivido com líderes de toda espécie de ideologia, a rainha pode transmitir a eles uma visão mais equilibrada.
Folha – Seu pai, Walter Frederick Pretyman, foi ordenado lorde por Elizabeth II. Como ela funcionou como elo entre gerações de nobres e plebeus, na Inglaterra, no mundo anglo-saxão e no que tem o inglês como sua segunda língua?
William – Meu pai, Walter Frederick Pretyman, foi ordenado com o título de “Sir” em 1972. Filho caçula de uma família que, para aristocrática, só faltava o título. Percebendo que nada herdaria, deixou a Inglaterra assim que se formou em Oxford. Meio por acaso veio parar no Brasil, onde vislumbrou oportunidades. Seu pai o ajudou a adquirir terras em Campos. Casou-se com Vera, uma paranaense e constituiu uma família, tendo casas em Campos e Rio. A rainha que por sinal era prima de meu pai, concedeu-lhe o título pela dedicação à comunidade britânica no Brasil.