Pesquisas, amor e ódio: Brasil de Lula ou Bolsonaro?

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

“As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam/ Porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões”. Os versos de Sérgio Natureza para a música de Tunai se imortalizaram na voz de Elis Regina, em “As aparências enganam”, clássico da MPB. E talvez seja a melhor definição da eleição presidencial de hoje. A mais polarizada desde a redemocratização do país, após sua última ditadura militar (1964/1985). Durante todo este ano eleitoral de 2022, a Folha buscou se afastar das paixões, olhando o complexo processo pela objetividade dos números das pesquisas. E, para tentar projetar o 2º turno de hoje, busca as duas de ontem (29) dos institutos que mais acertaram no 1º turno de 2 de outubro: MDA e AtlasIntel. Ambas reforçam a incerteza sobre o resultado final da apuração na noite de hoje.

MDA e ATLASINTEL — A MDA registrou ontem um empate técnico entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL): 51,1% a 48,9% dos votos válidos (excetuados os brancos e nulos). A diferença entre os dois seria de 2,2 pontos, exatamente a margem de erro da pesquisa. Por sua vez, a AtlasIntel de ontem deu a Lula 53,4% dos votos válidos, contra 46,6% de Bolsonaro. Pela pesquisa, a diferença entre os dois seria de 6,8 pontos, muito acima da margem de erro e 1 ponto para mais ou menos.

DO 1º AO 2º TURNO — No 1º turno, a MDA ficou distante da urna por 1,82 ponto; a AtlasIntel, por 2 pontos. Mas essa diferença desprezível de 0,18 ponto nas projeções dos dois institutos, 28 dias depois, subiu para 4,6 pontos no 2º turno. Na prática, a MDA de ontem mostrou uma eleição hoje sem favoritos entre Lula e Bolsonaro, enquanto a AtlasIntel apontou um favoritismo relativamente confortável ao petista.

TENDÊNCIAS — Mais do que os números de intenções de voto, as pesquisas revelam tendências. E elas também são bem diferentes. Entre as duas MDA do 2º turno, de 16 e 29 de outubro, Lula perdeu 2,4 pontos (53,5% a 51,1%) nos últimos 13 dias, enquanto Bolsonaro cresceu os mesmos 2,4 pontos (46,5% a 48,9%). Já nas quatro pesquisas AtlasIntel do 2º turno, Lula confirmou em cada uma a tendência de alta moderada, ganhando no total 1 ponto aos 52,4% que tinha em 13 de outubro. Bolsonaro em evolução igual em número, mas na direção inversa, veio caindo nas quatro pesquisas até perder 1 ponto dos 47,6% que tinha há 16 dias.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

BOCA DO JACARÉ — Em outras palavras, a MDA mostra que vem caindo a vantagem de Lula a Bolsonaro em todo o 2º turno, com o primeiro em viés de baixa e o segundo de alta. Na imagem dos analistas de pesquisas, é a boca do jacaré se fechando. Por sua vez, a AtlasIntel mostra que vem crescendo a vantagem do petista ao capitão, com o primeiro em viés de alta e o segundo de baixa. Na imagem oposta, seria a boca do jacaré abrindo.

QUAEST, SEM PESQUISAS DA “GLOBOLIXO” — Para saber qual tendência está correta, necessário se olhar para outras pesquisas. Sem usar a Datafolha carimbada pelo bolsonarismo, tampouco a Ipec (antigo Ibope), também contratada pela “Globolixo”, que ontem também soltaram novas pesquisas, o dia também trouxe a nova consulta do instituto Quaest. Nela, Lula apareceu com 51,4% dos votos válidos, com 48,6% de Bolsonaro. A diferença de 2,8 pontos entre os dois é bem mais próxima dos 2,2 pontos da MDA do que dos 6,8 pontos da AtlasIntel.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

REFORÇO NA TENDÊNCIA — Com margem de erro de 2 pontos para mais ou menos, a Quaest também revelou tendência mais próxima da MDA. Como ela, indica viés de baixa de Lula e de alta de Bolsonaro. Nas seis pesquisas Quaest no 2º turno, o petista perdeu 2,5 pontos dos 53,9% que tinha em 6 de outubro aos 51,4% de ontem. Por sua vez, o capitão ganhou os mesmos 2,5 pontos, de 46,1% a 48,6%, no mesmo período de 23 dias. Na imagem dos analistas, a boca do jacaré também vai para a urna de hoje se fechando.

REJEIÇÃO — Considerada fundamental para definir qualquer eleição de 2º turno, a rejeição não é mais liderada por Bolsonaro em todas as pesquisas. Na MDA, pela primeira vez na série desde julho, Lula aparece à frente numericamente no índice negativo: 47,3% a 47,2% do capitão. Na AtlaIntel, Bolsonaro ainda lidera a rejeição, por 53% a 48%. Ele também lidera na Quaest, com 48% que não votariam nele de maneira nenhuma, contra 44% de Lula. O empate quase exato na MDA é um empate técnico na Quaest, no limite da margem de erro. Só na AtlasIntel, Bolsonaro permanece com rejeição em diferença destacada para Lula. Na dúvida, a certeza aritmética: com rejeição igual ou próxima, qualquer resultado é possível na urna de hoje.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

ABSTENÇÃO — Outro fator que também vem sendo considerado como fundamental à definição da eleição é a abstenção. Historicamente, ela é maior no 2º turno. Em 2014, por exemplo, os 19,39% de eleitores ausentes no 1º turno cresceram para 21,10% no 2º turno. Em 2018, os 20,32% de abstenção no 1º turno cresceram para 21,29% no 2º turno. No 1º turno de 2 de outubro de 2022, a abstenção foi de 20,95%. Como todas as pesquisas evidenciam que o eleitor majoritário de Lula é o mais pobre, geralmente sem veículo automotor para ir ao local de votação, quanto maior for a abstenção, mais o petista será prejudicado.

George Gomes Coutinho, cientista político e professor da UFF-Campos

ANÁLISE DO CIENTISTA POLÍTICO — “Sobre o resultado em si, precisaremos ver as abstenções com tudo o mais constante. Utilizando o recorte populacional de até 2 salários mínimos de renda familiar mensal, eis o grosso do eleitorado de Lula. E é também o público que tem maior risco de não ir cumprir o rito da votação. Falta de dinheiro inclusive para seu deslocamento, precariedade de manutenção de direitos, tanto faz sanções por ter ido ou não votar, podem causar estragos nos votos lulistas. Algo que não vejo no caso dos eleitores de Bolsonaro. Muitos estão em estado de ‘vigília‘ neste dia 30, tendo até mesmo coerção do grupo, caso alguém ouse se abster. Com tudo isso, ainda aposto que a liderança nas pesquisas irá se refletir em votos válidos favoráveis para Lula”, projetou o cientista político George Gomes Coutinho, professor da UFF-Campos.

APÓS A APURAÇÃO — Vista pelo prisma da razão, a passionalidade inflamada que marca até aqui esse pleito, com recorde de assédio eleitoral de patrões sobre empregados no país, inclusive numa Campos bolsonarista em que funcionários de padaria são obrigados a trabalhar vestidos de amarelo 22, restam duas certezas. A primeira? No sigilo inviolável da urna, a sua decisão é apenas sua, intransferível e a mesma em valor a de qualquer outro eleitor, rico ou pobre, na maravilha da democracia. A segunda? Encerrada a apuração, caberá aos perdedores que já tinham perdido a razão pela paixão, outro verso de Sérgio Natureza à música de Tunai, imortalizado por Elis: “Não há mais nada pra se fazer, senão chorar sob o cobertor”.

 

 

Página 2 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

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