Guilherme Carvalhal — O avô e o neto

O avô lhe contava sobre seus quarenta anos na mesma montadora. Entrou aos 19, aposentou aos 60, esse tempo todo atuando na área metal-mecânica. A mesma turma que embarcou na época trabalhou unida ao longo dos anos. Enquanto isso, o neto, aos 27 anos, já estava no quarto emprego, sem contar os estágios.

Além disso, o avô não possuía quinta série. Mesmo iletrado, conseguiu seu cargo como operário e aprendeu na marra a mexer com solda e tornearia. Já o neto, formado e pós-graduado, cogitava se um MBA ajudaria a garantir sua posição na empresa.

O avô se casou aos 22 anos e permaneceu a vida inteira junto a uma única mulher. Por sua vez, o neto rompia o segundo noivado e as expectativas de filhos tão aventadas pela família se atrasavam.

O neto escutava ao seu redor todos os comparativos possíveis acerca das diferenças de gerações  dos quais, evidentemente, conclui-se a juventude de hoje como fraca em comparação à das gerações anteriores. Portanto, cada vez mais se fazia necessária a presença de lideranças fortes, capazes de criar novos referenciais, justificavam.

Concomitantemente a tais indagações, o neto não deixava de notar o quanto o mundo mudava e o quanto a mentalidade geral não acompanhava essas mudanças. Assim, em uma realidade de robôs executando tarefas braçais, de sistemas informatizados, de relações hiperconectadas, uma ideologia da época de Henry Ford permanecia intacta. E pensamentos arcaicos visavam recuperar um mundo passado que não cabe mais na atualidade.

O avô dizia, essa garotada não tem mais colhões. Antes, para se fazer um homem de verdade, tinha que trabalhar arduamente. Nascia predisposto a dar de cara com os desafios. Não choramingava nem reclamava. O neto lembrava, nos tempos do seu avô um garoto de 10 anos sabia exatamente como seria sua vida aos 60. Um menino da roça envelheceria na roça. Uma menina da cidade passaria a vida cozinhando pro marido. Hoje, o leque de opções é tão vasto e o mundo é tao fluído que ninguém tem expectativa de absolutamente nada.

Seu avô acreditava ser urgente resgatar os governos antigos, que estabeleciam padrões sólidos de comportamento e formavam pessoas honradas e leais. O neto, entretanto, pensava em tantas histórias de golpistas, de políticos corruptos, de roubos e homicídios que ocorriam antigamente, que não compreendia ao certo de qual passado ele sentia falta nem de qual governo que estabeleceu essa tal ordem.

Em muitas décadas atrás, talvez seu bisavô ou tataravô criticassem o avô por ouvir rádio, dirigir um carro ou por trabalhar em fábrica ou invés de capinar pasto. Até um mais venerando ainda sentisse falta da monarquia, pois nessa época havia valores tangíveis, com direito até a trabalho sem salário.

Pensou caso rejuvenescessem seu avô e ele, com a mesma mente, fosse embarcar no mercado de trabalho dos dias de hoje. Imaginou-o cru, sem estudo, sem curso técnico, sem conhecimento de segurança no trabalho, tentando entrar em uma montadora. Apenas de olhar cada aspecto informatizado, a série botões, todas as tarefas pré-determinadas, ele se converteria no mesmo padrão de jovem fraco que vivia criticando e se agradaria ao final do dia com um comprimido de benzodiazepínico.

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