Brasil baila entre a Coreia de Son e a Croácia de Modric

 

Vini Jr, Raphinha, Lucas Paquetá e Neymar bailaram no Qatar após os quatro gols marcados na segunda para despachar a Coreia do Sul (Foto: Carl Recine/Reuters)

 

Maestro da Croácia e do Real Madrid, Modric foi eleito o melhor jogador de futebol do planeta em 2018, após levar o seu país à final da Copa do Mundo com a França

O Brasil arrasador que goleou a Coreia do Sul por 4 a 0 no primeiro tempo, ou o time burocrático que tomou um gol e não marcou nenhum do segundo tempo, encerrado em 4 a 1? Esta é a pergunta cuja resposta definirá as quartas de final em que a Seleção Brasileira encarará a Croácia nesta sexta (9) , ao meio-dia de Brasília, no estádio Cidade da Educação, na Copa do Mundo do Qatar. Cujo resultado terá outro elemento aparentemente contraditório na equação. Baixinho, franzino e narigudo, o maestro croata Modric não tem força física, explosão ou velocidade. Mas só com base na inteligência e na técnica, ele é, aos 37 anos, um dos maiores meias da história do futebol. E brilhou recentemente na conquista da Champions como maestro também no Real Madrid, ao lado dos brasileiros Vini Jr, Éder Militão e Rodrygo.

RAIO CAIU DUAS VEZES — Na disputa das oitavas de segunda (5), no Estádio 974, o dito popular “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar” teve exceção na formação que o técnico português da Coreia do Sul, Paulo Bento, levou a campo para enfrentar o Brasil. Do qual já tinha levado de 5 a 1, no amistoso disputado em 2 de junho deste ano em Seul, capital sul-coreana, após assumidamente tentar enfrentar o único pentacampeão mundial de futebol de igual para igual. Aparentemente, ele não aprendeu a lição. E, contra a força do mesmo adversário, no lugar da equipe retrancada que se esperava na disputa de um jogo oficial e eliminatório de Copa do Mundo, armou um time preparado para também agredir, com o ataque comandado pelo craque Son e o centroavante Cho. Para quem esperava repetir a fórmula e obter algo diferente, o resultado saiu muito parecido. E, após tomar de 4 a 1 e ser eliminado do Qatar, Bento se demitiu.

GOL DE VINI JR — O motivo da demissão do treinador luso da Coreia do Sul mostrou seu cartão de visitas logo aos 6 minutos de jogo. Após triangulação com Lucas Paquetá, em boa jogada de Raphinha pela direita, ele cruzou. A bola passou por Neymar na entrada da pequena área, mas acabou nos pés de Vini Jr na esquerda. Mesmo com quatro jogadores coreanos entre ele e o gol, o jovem atacante teve calma e categoria para colocar com categoria, com a parte interna do pé direito, no canto oposto das redes. O atacante titular do Real Madrid e da Seleção Brasileira desencantou no Qatar, marcou seu primeiro gol na Copa e abriu a porteira à boiada que passaria depois.

GOL DE NEYMAR — Quatro minutos depois, aos 10 do primeiro tempo, Vini Jr tentou cruzar da esquerda. A bola foi prensada pela zaga coreana e Richarlison mostrou a malandragem, no bom sentido, que destaca os grandes atacantes dos meramente normais. Ao antever que o volante Jung iria espanar a bola rebatida em sua área com um chutão, o centroavante brasileiro correu para se colocar entre a ação do adversário e a bola, sofrendo o pênalti, na frente do bom árbitro francês Clément Turpin. Dono do time e também precisando desencantar numa Copa em que seus parceiros do PSG Mbappé e Messi têm brilhado, o camisa 10 do Brasil bateu com paradinha e colocou no canto esquerdo do goleiro Kim para marcar gols em três Mundiais.

“GOL” DE ALISSON — Aos 16 minutos, após ter sido um mero espectador das vitórias de 2 a 0 sobre a Sérvia e de 1 a 0 sobre a Suíça, e de ter assistido do banco a derrota de 0 a 1 para Camarões, Alisson provou porque é titular do Liverpool e considerado um dos melhores goleiros do mundo. Ele espalmou pela linha de fundo o belo chute de fora da área do atacante Hwang, que iria morrer no ângulo esquerdo do gol brasileiro.

GOL DE RICHARLISON — Aos 28 minutos, se deu o lance mais marcante do jogo, tanto pela habilidade individual que o iniciou, como pela virtude coletiva e polivalente da sua linha de passe. Após uma bola ser rebatida de cabeça, Richarlison a disputou e ganhou com o “drible da foca”, que depois de segunda pode passar a se chamar “drible do Pombo”, apelido do atacante. Com três toques malabaristas de cabeça, ele driblou um coreano, depois outro com os pés e passou a Marquinhos. Como faz diante da área de defesa, ele passou diante da área de ataque ao colega de zaga, Thiago Silva. Com a categoria de meia, não de zagueiro, ele enfiou ao ambidestro Richarlison, que matou de direita e bateu de canhota para fazer 3 a 0. Após correr para comemorar com o banco, até o técnico Tite entrou na “dança do Pombo”.

 

 

GOL DE PAQUETÁ — A tampa do caixão da Coreia do Sul e a demissão do seu técnico seriam seladas aos 35 minutos de jogo, em outra bela linha de passe. Na transição rápida do contra-ataque que deveria a ser arma adversária, também se apresentou no arsenal brasileiro. Richarlison serviu à corrida de Neymar pela esquerda, que serviu adiante a Vini Jr. Como nos tempos das divisões de base do Flamengo, em que ambos foram formados, o atacante deu uma bofetada na bola para levantar da esquerda da área à penetração de Lucas Paquetá. Em sua primeira grande exibição no Qatar, o meia canhoto bateu de primeira com a perna direita para fazer 4 a 0. E se pôs a bailar diante do mundo, como ele, Neymar, Vini Jr e Raphinha, todos também com boas atuações com a bola, fizeram após os gols brasileiros.

 

 

FAVORITO CONTRA A CROÁCIA — Com sua classificação garantida, a atuação burocrática da Seleção Brasileira no segundo tempo, com o gol de honra sul-coreano marcado em belo chute fora da área do meia Paik, pode ser até justificada. Mas, mesmo com as várias tentativas de Raphinha de também fazer seu primeiro gol no Qatar, não deixou de ser um anticlímax à exibição exuberante da primeira etapa. Com seu time classificado após a disputa de pênaltis contra o Japão, o técnico da Croácia, Zlatko Dalic, disse em coletiva após o Brasil ser definido como seu adversário nas quartas de final de sexta:

— Olhando realisticamente, o Brasil é o melhor time da Copa do Mundo. Eles têm um time brilhante, um grande elenco, é aterrorizante. Estão jogando um futebol aberto, ofensivo, possuem muita qualidade, velocidade, então temos que nos preparar bem. Não temos medo. Vamos jogar contra o Brasil numa Copa do Mundo… Não fica melhor do que isso. Claro que queremos chegar à final, estamos pensando nisso, então não vamos nos render antes do jogo começar, obviamente. Queremos jogar futebol e enfrentar o Brasil.

DESAFIO SEM FAVORITO SÓ NA SEMIFINAL — Jogar e deixar jogar, característica da Croácia como maior herdeira da escola de futebol clássico da antiga Iugoslávia, é o problema que Dalic tem até sexta para resolver. Com seu favoritismo admitido pelo treinador adversário, só se o Brasil conseguir confirmá-lo dentro do campo sobre a atual vice-campeã do mundo, irá se credenciar ao seu primeiro desafio sem favoritos na semifinal de terça (12), contra o vencedor de Argentina e Holanda, que disputam as quartas às 16h também na sexta.

A DANÇA — Até lá, além da goleada sobre a Coreia do Sul, o assunto é a dança dos jogadores brasileiros após os gols. Que foi alvo de crítica do ex-jogador da Irlanda e do Manchester United, Roy Keane, que considerou a repetição das coreografias como “desrespeitosa”. Outro ex-jogador, que marcou a seleção dos EUA na Copa de 1994 sediada naquele país, eliminada em um duríssimo jogo com o Brasil nas oitavas de final daquele Mundial, definido no passe de Romário para Bebeto, Alexis Lalas inverteu o jogo:

— Se você é alguém por aí que resmunga sobre jogadores de futebol dançando depois de marcar um gol ou sobre jogadores de futebol brasileiros dançando depois de marcar um gol, tenho um conceito equivocado sobre espírito esportivo em uma Copa do Mundo. Sinto pena de você, sinto muito pela vida que você leva, que não tem alegria, nem amor, nem paixão.

REI NEGRO E BRASILEIRO DO FUTEBOL DO MUNDO — O irlandês Keane, não o atacante da Inglaterra Harry Kane, deve conhecer o Maracanã. Mas provavelmente nunca leu a grande obra do jornalista Mário Filho, que batiza o maior estádio do mundo, “O Negro no Futebol Brasileiro”. Que foi muito bem representada na homenagem dos jogadores brasileiros a Pelé, internado por conta de um câncer, após a goleada sobre a Coreia do Sul. E seria melhor resumida por outro jornalista, Pedro Bassan, no Jornal Nacional de segunda, após a Seleção Brasileira garantir sua classificação às quartas de sexta no Qatar: “O Brasil não dança porque faz gols, o Brasil faz gols porque dança”.

 

Página 8 da edição de hoje da Folha da Manhã

 

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