Dia da Mulher? (I)
Hoje é o Dia Internacional da Mulher. E as mulheres de Campos têm pouco a comemorar. A violência masculina contra o universo feminino da planície causou consternação e revolta na execução a tiros da gestante Letycia Peixoto da Fonseca, de 31 anos, na noite da última quinta (2), no Parque Aurora. Grávida de sete meses, ela estava em um carro da empresa em que trabalhava, conversa com a mãe do lado de fora, quando uma moto se aproximou com dois homens e o carona atirou, a sangue frio. Atingiu tórax, rosto, ombro e mão esquerda da vítima. Sua mãe tentou protegê-la e também foi atingida por um tiro na perna esquerda.
Dia da Mulher? (II)
Dentro do carro, a tia-avó de Letycia, portadora de síndrome de Down, ficou banhada do sangue da sobrinha. Que morreu após dar entrada no Hospital Ferreira Machado, onde uma cesariana foi feita para tentar salvar o bebê. Com nome já escolhido, Hugo chegou a ser transferido à UTI neonatal da Beneficência Portuguesa, mas também não resistiu. O suspeito de conduzir a moto foi preso no sábado (4); o de ser o atirador, na segunda (6). Companheiro de Letycia e suposto pai do filho que ela levava no ventre, o empresário e professor do IFF Diogo Viola de Nadai, 40 anos, foi preso ontem (7), como suspeito de ser o mandante.
Dia da Mulher? (III)
Na segunda, Diogo tinha deposto e se negado a fornecer material genético para checar a paternidade de Hugo, cujo caixão carregou no sepultamento de sexta. O caso de Letycia gerou nota oficial do IFF, do qual era ex-aluna: “Agradecemos o esforço da Polícia Civil na elucidação de tão bárbaro crime. Confiamos na rigorosa aplicação da lei”. Ressalvada a presunção da inocência, é no que todos confiam. Mas o caso não foi o único de violência contra mulher na cidade. A endossar que, a despeito de eventuais radicalismos, o feminismo está certo em seu cerne: o machismo estrutural está na sociedade. Vê a mulher como posse, agride e mata!
Dia da Mulher? (IV)
No domingo (5), dois dias após Letycia e seu Hugo serem sepultados no Campo da Paz, a comerciante Flaviana Teixeira de Lima, 23 anos, foi morta a facadas dentro do seu bar em Travessão. Foi assassinada pelo ex-companheiro, 46 anos, que não aceitou o fim do relacionamento. Ele passou por cima de uma medida protetiva de restrição, de janeiro deste ano. Na segunda (6), outro homem foi preso por agredir a esposa e mantê-la em cárcere privado. Ele também é investigado por estuprar as próprias filhas, duas maiores de idade e outra de apenas 12 anos. A esposa chegou a sofrer um AVC em decorrência das agressões.
Dia da Mulher, sim, senhor!
Emblematicamente, à frente da investigação dos três casos, estão três mulheres. São as delegadas titulares da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Madeleine Dykeman; da 146ª DP de Guarus, Pollyana Henrique; e da 134ª DP do Centro, Natália Patrão. Que, em nome do humanismo que não difere o direito entre os gêneros, e de um grau mínimo de civilização, provam que o lugar da mulher na sociedade é onde ela quiser estar. E o homem que agir em sentido oposto, na base da covardia e da força bruta, enfrentará a coragem da imensa maioria de mulheres e homens dispostos a não regredir à barbárie.
Deus e o samba da Villa (I)
A falta de boas opções culturais é queixa constante de Campos. Desde que passou a funcionar como Casa de Cultura da Uenf, nos anos 1990, a Villa Maria é uma exceção. Mas, desde o final de 2022, tem sofrido com o som potente de eventos neopentecostais na Câmara Municipal, nos mesmos dia e horário, há poucos metros de distância. Promovidos pelo pastor e vereador governista Marcos Elias (PSC), têm apoio do poder público municipal. Foi assim na tarde/noite do último sábado (04), quando o “Ressaca da Villa”, com samba pelo fim do carnaval, foi sonoramente sufocado pelo evento gospel “Aviva Campos”, nas escadarias da Câmara.
Deus e o samba da Villa (II)
Como o que aconteceu no sábado já tinha ocorrido em 10 de dezembro do ano passado, quando o “Brota na Villa” foi também sonoramente sufocado por outro “Aviva Campos”, a dúvida foi gerada: coincidência ou ato doloso de enfrentamento? Procurado, o pastor e edil Marcos Elias garantiu ontem à coluna que a duplicidade dos eventos não foi proposital: “Pode acreditar, não foi intencional. Formalizamos a criação do evento junto ao presidente (da Câmara), Marquinho Bacellar (SD), em todo o primeiro sábado do mês. Mas vamos conversar com a direção da Villa Maria, para ajustar nossas agendas, sem nenhum problema ou conflito”.
Deus e o samba da Villa (III)
Professora da Uenf e diretora da Villa Maria, após ter o som novamente abafado no sábado pelo evento religioso em sede de Poder laico, Priscila Castro chegou a atravessar a rua até a Câmara. E pediu que o volume do gospel fosse abaixado. O que ocorreu por 10 minutos, antes de voltar à altura máxima. E incomodou também vários moradores do entorno do Liceu. Marcos Elias, como Priscila, reiteraram que seus eventos se encerram antes das 22h, preservando o limite legal do silêncio em área urbana. A religião é parte indissociável da cultura. Como louvar a Deus não significa atravessar o samba.
Publicado hoje na Folha da Manhã.