Começar a escrever este texto não foi fácil. Frequentei cotidianamente a Uenf nos últimos quatro anos. Nela, vivi a maior parte do começo de minha vida adulta. À medida que subi e desci as rampas acinzentadas do Centro de Ciências do Homem, muita coisa em mim nasceu e morreu. Mesmo que, para alguns, o contrário pareça mais óbvio, sinto que é muito difícil opinar de forma coerente e justa sobre um objeto quando o mesmo encontra-se entranhado dentro de nós. Porque pensar o que é a Uenf, inevitavelmente, é pensar também no meu próprio crescimento pessoal levado a cabo nos últimos anos.
A universidade pública possui, como potencialidade, o poder de reforçar ou de reverter trajetórias biográficas individuais marcadas por uma educação precária adquirida no ensino fundamental e médio. Ela pode apenas quase que reproduzir as desigualdades existentes entre os alunos ingressos, em termos de competências intelectuais previamente adquiridas, ou ela pode operar de forma a tentar nivelar o material humano que lhe chega ávido por novas experiências e conhecimentos, todos os anos. À universidade, pois, é imputada esta grande responsabilidade de corrigir, em grande medida, os déficits educacionais dos alunos que pretende formar. Dela, também espera-se uma certa educação para a vida em civilização, uma espécie de “educação moral” que seja capaz de fazer de meninas e meninos, não apenas bacharéis ou licenciados, mas também mulheres e homens, respectivamente, no momento em que recebem o diploma. Em outras palavras, espera-se que a universidade prepare não apenas profissionais que irão atuar no mercado de trabalho, mas também cidadãos que empregarão seus conhecimentos de forma virtuosa, ajudando a alavancar e desenvolver a comunidade na qual esta instituição está inserida. Portanto, espera-se da universidade pública que esta seja capaz de transformar positivamente o seu entorno social.
Nas últimas semanas, uma tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Uenf procurou demonstrar como o Instituto Federal Fluminense (IFF), situado em nossa cidade, possui uma grande capacidade de gerar mobilidade social aos seus alunos egressos. Fiquei curiosa para saber se existe alguma pesquisa semelhante sobre a Uenf (se alguém souber, por favor, me avise). Mas um fato que pode ser atestado mediante uma simples observação é que muitos dos atuais professores doutores que lecionam na universidade cursaram a graduação, o mestrado e o doutorado na instituição. Inclusive, muitos dos meus professores mais brilhantes são “filhos da Uenf”. A Uenf, e isto é fato inegável, atuou positivamente na transformação de nossa comunidade. Mas, é claro, sempre é possível aprimorar esta tarefa a que se propõe desde o momento de sua concepção. Para isso, no entanto, é preciso que haja suficiente investimento financeiro na instituição, tal como o governo federal tem feito com os IFF’s (e torno a evocá-los como exemplo), nos últimos anos. Sabemos que dinheiro sozinho não é sinônimo de gestão eficaz e criativa e a cidade de Campos é um caso exemplar dessa máxima. No entanto, dinheiro não deixa de ser um aspecto fundamental para o sucesso dos programas e projetos desenvolvidos por qualquer instituição.
É difícil encontrar quem concorde com o sucateamento que a Uenf vem vivenciando paulatinamente nos últimos tempos (apesar de não ser impossível encontrar um ou outro comentário infeliz pelas redes). É difícil que alguém discorde da importância que devemos conferir à educação pública de qualidade como fator fundamental para a transformação de um país ou de uma cidade. A reivindicação política por uma educação qualificada é uma pauta relativamente fácil de ser defendida, inclusive, e encontrada em diferentes nichos do espectro político. Quando a sociedade nega a um indivíduo o acesso aos saberes e competências adquiridos por meio da escola, ela está praticamente lhe decretando um “destino” de exclusão da maior parte das esferas da vida social às quais uma pessoa pode ter acesso. Mais que isso, está lhe negando a condição mesma de “pessoa”, a possibilidade de ser visto como “gente de valor”, impossibilitando-o de atuar de forma qualificada na esfera da economia, da política e até mesmo das relações pessoais. Parecemos não divergir muito quanto à opinião de que sim, a escola e a Universidade devem funcionar corretamente, devem formar nossas crianças e nossos jovens para atuar no mercado de trabalho e na vida comunitária. O que me parece ser alvo de maior discordância é o modo como isso deve acontecer.
Nos últimos tempos, é possível observar uma maior aproximação da Uenf com relação à sociedade. Dois projetos desenvolvidos no CCH realizaram um excelente trabalho, neste sentido: o “Pescarte” e o “Territórios do Petróleo”. O primeiro teve como objetivo implementar ações de mobilização das comunidades de pesca artesanal afetadas pelas ações de exploração e produção de petróleo e gás na Bacia de Campos; o segundo, promover uma discussão pública sobre os processos de distribuição e aplicação dos recursos financeiros provenientes das participações governamentais (royalties e participações especiais) nas políticas públicas. Estes são apenas alguns exemplos de projetos que são desenvolvidos pela instituição e que possibilitam a elevação de sua relevância no cenário local. Muitos podem argumentar que existe ainda um grande afastamento e um grande desconhecimento, por parte da população campista, acerca do que acontece no interior dos espaços “uenfianos”. Creio que de fato ainda há este desconhecimento, em medida considerável, e que cabe à gestão universitária estreitar essa relação com a sociedade e desenvolver estratégias unificadas de inserção nos debates públicos, na formulação de políticas públicas e na vida cotidiana dos vários segmentos que compõem a nossa população. É nessa direção que devemos continuar caminhando.
De forma geral, grande parte da população brasileira está afastada da universidade. Portanto, esta discussão sobre a relação entre a universidade e a comunidade não é característica peculiar do caso da Uenf. Sabemos que a maior parte da população brasileira nunca chegará a se graduar numa universidade pública. Fato também inegável é que este “fosso” que separa Universidade e sociedade foi estreitado nos últimos anos. Cabe a todos nós tentar impedir que estes avanços se percam e que essa distância se acentue, ao invés de diminuir.
Reflexão maravilhosa e pertinente !!!